Rosa
Assim que Pablo nos deixa em frente à escola, Margaret praticamente salta da caminhonete, andando apressada em direção ao grupinho barulhento das amigas dela — aquelas que vivem rindo de qualquer coisa e falando como se estivessem num reality show.
Nem olho muito. Já estou acostumada com o showzinho.
Lorraine aparece quase ao mesmo tempo. Vem correndo, toda cheia de sorrisos, com os cachos saltitando no ritmo da pressa. Me abraça apertado, como se a gente não tivesse se visto há anos. Eu sorrio.
— Achei que não vinha hoje! — digo.
— E perder alguma fofoca? Nunca, Rosa! — responde ela, me puxando pelo braço. — Vamos nos sentar perto das pilastras, no cantinho próximo ao portão, nosso lugar de sempre.
— E aí? — ela começa. — Bento continua… estranho?
Dou um suspiro e balanço a cabeça.
— Continua. E pra ajudar, a Margaret vive falando que ele tá me traindo.
Lorraine revira os olhos.
— Nossa, essa sua irmã é um porre. Mas, amiga… — ela faz uma pausa, meio sem graça. — A gente também não pode descartar a hipótese, né? Sei lá... ele só aparece de noite, vive sumido, ninguém nunca vê esse menino de dia…
— Eu sei, Lorraine. Eu só… — começo a falar, mas somos cortadas por um burburinho alto vindo de perto do portão.
Meninas cochicham, algumas riem nervosas, e outras até ajeitam o cabelo como se um artista da televisão tivesse acabado de chegar.
— Ai. Meu. Deus. — diz Lorraine com os olhos arregalados. — Eu esqueci de te contar: a diretora comentou que chegaria um aluno novo hoje. E olha só pra aquilo, Rosa… Meu pai eterno! De onde esse menino saiu? Devia ser proibido ser bonito assim!
Viro o rosto, curiosa — e então vejo.
Um garoto alto atravessa o portão com passos calmos, quase lentos. Usa um sobretudo escuro que vai até quase o joelho, e o cabelo dele… bagunçado de um jeito perfeitamente intencional. Ele é pálido, bonito demais, com um ar deslocado — como se tivesse vindo de outro tempo.
— Mas quem usa sobretudo em Pinguirim? — sussurro, sem conseguir desgrudar os olhos dele.
É nesse exato instante que ele levanta o rosto… e olha direto pra mim.
Seus olhos encontram os meus — profundos, escuros, intensos como a noite que começa antes da hora. Uma brisa leve sopra do nada, levantando um pouco meu cabelo.
E então eu sinto.
Algo estranho. Como se o mundo mudasse por um segundo. Como se, sem querer, eu tivesse aberto uma porta que não sabia que existia.
Ele sorri. Um sorriso curto, quase imperceptível. E então segue andando.
Meu coração dispara. Lorraine me cutuca rindo:
— Você viu isso? ELE OLHOU PRA VOCÊ! Rosa, minha filha… esse ano promete!
Mas eu nem escuto direito. Porque alguma coisa dentro de mim diz que isso tudo está muito fora do normal.
(...)
Assim que o sinal bate, eu e Lorraine seguimos juntas pelo corredor em direção à nossa sala. O povo já tá todo entrando, aquela muvuca de sempre, e a gente vai tentando passar no meio das mochilas, cotovelos e gente se empurrando.
— Se hoje tiver prova surpresa, eu juro que desmaio — Lorraine resmunga ao meu lado, e eu dou uma risadinha nervosa, já que também não estudei nada.
A sala já tá quase cheia quando a gente entra e se acomoda nos nossos lugares de sempre, mais pro fundo. Eu mal coloco a mochila no chão e olho pra frente quando percebo alguém parado na porta.
É ele.
O garoto novo — o mesmo do sobretudo, olhar intenso e sorriso de canto — está ali, parado, encarando o número na porta como se estivesse checando se está no lugar certo.
Ele confirma com um leve aceno pra si mesmo e então entra.
Eu não consigo evitar. Levo a mão no braço de Lorraine e dou uma cutucada com o cotovelo.
— Olha, amiga! Parece que ele vai estudar com a gente.
Lorraine arregala os olhos e responde:
— Ou é isso… ou a gente acabou de ser abduzida pra uma história muito louca.
A professora, dona Tânia — aquela que todo mundo jura que lê pensamento — levanta a mão pedindo silêncio.
— Pessoal, atenção aqui! — ela diz, ajeitando os óculos na ponta do nariz. — Temos um novo colega de classe. Ele vai se apresentar pra vocês.
Ela olha pra ele com um gesto de cabeça, e o garoto novo, calmo como se isso fosse o mais normal do mundo, dá um passo à frente.
E então ele fala.
A voz dele é suave, clara… quase hipnótica.
— Olá a todos. Me chamo Valentim Wister. Vai ser um prazer estudar com vocês.
Lorraine vira o rosto pra mim, se inclinando discretamente e sussurra:
— Isso não vai prestar, amiga. Ele é bonito, misterioso… e ainda por cima educado. Já ganhou mil pontos. — Ela dá um suspiro dramático. — Os meninos da nossa sala vão pirar.
E como se tivesse ouvido — ou adivinhado — um dos garotos do fundão, daqueles que só prestam pra fazer piada ruim, cochicha alto demais:
— Vixi, mano. De onde esse moleque saiu? De um cosplay foi?
A turma explode em gargalhadas.
Uma risada alta, forçada, idiota.
Lorraine revira os olhos, e eu fecho a cara.
A professora bate com a régua na mesa e grita:
— Já chega! Estamos no ensino médio, não no maternal! Querem me dizer o que tem de engraçado na apresentação do novo colega de vocês?
Silêncio.
Só o som abafado de alguém engolindo seco. Valentim, no entanto, parece não se abalar nem um pouco. Ele olha em volta devagar… e por um segundo, juro que ele me encara outra vez.
Só que agora… o olhar dele é diferente.
Mais sério.
Mais… estranho.
Meu coração bate mais forte, mas não é como quando vejo o Bento. É outro tipo de sensação. Como se minha pele soubesse antes de mim que alguma coisa tá errada — ou prestes a mudar.
Valentim caminha até uma carteira vazia — a terceira fileira, duas cadeiras à frente da minha — e se senta com a mesma calma de antes.
Alguma coisa me diz que Valentim Wister não está aqui só pra estudar.
E eu… começo a sentir que minha vida está prestes a virar de cabeça pra baixo.
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Atualizado até capítulo 39
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