Bento
Assim que meus pés tocam o chão do mercadinho do seu Zé, sou empurrado para trás, com força.
— Qual é a tua com a minha irmã, seu palhaço?! — rosna Pablo, com o dedo na minha cara. — Se você estiver brincando com os sentimentos dela, eu quebro você na porrada. E vê se entende: não quero mais saber de você entrando no quarto da Rosa de noite. Minha irmã não é uma qualquer, Bento.
Os amigos dele, parados atrás como cães de guarda, também me encaram, prontos pra briga.
— Se quiser, a gente arrebenta ele agora mesmo, Pablo — diz um deles.
Mas seu Zé surge de trás do balcão num rompante.
— Eu não quero saber de pancadaria dentro do meu mercado! Conheço tua família, Pablo, respeito muito. Mas aqui dentro, quem manda sou eu.
Ele se posiciona entre mim e Pablo, firme como sempre, e completa:
— E toda Pinguirim sabe que o seu pai deu permissão para o namoro deles dois. Agora, se não vão comprar nada, saiam.
Pablo me encara mais uma vez. Dessa vez com um olhar mais duro, sem falar alto — quase num aviso silencioso:
— Levei a Rosa pra escola hoje. E o tempo todo ela divagava… querendo entender você. Esse seu jeito estranho, esses sumiços. Ela tá tentando acreditar em você, Bento.
E então ele vira as costas e sai, com os outros colados atrás. Solto o ar em um sopro pesado, o peito ainda meio fechado. Seu Zé bate de leve no meu ombro.
— Toma cuidado, rapaz… o irmão tá só tentando proteger a irmã. Errado ele não tá.
Mas aí tudo muda.
A voz do seu Zé começa a ficar distante, como se entrasse embaixo d’água. Meu coração acelera. Os pelos dos meus braços se eriçam. O ar ao redor muda. Tem… algo.
Dou alguns passos, como puxado por instinto, até a porta do mercado. E vejo: um carro preto, brilhante como obsidiana, deslizando devagar pela rua de Pinguirim.
O vidro escuro abaixa lentamente.
E então eu vejo ele. Me encarando.
Um vampiro.
Meu sangue gela.
— Um vampiro? Aqui em Pinguirim?… mas por quê?
Seu Zé assobia ao meu lado, impressionado.
— Nossa… que carrão. Nunca vi igual por aqui. Quem será que são, hein?
Ainda sem tirar os olhos do carro, murmuro:
— Problemas. Eles são problemas.
É nesse instante que escuto um assobio do outro lado da rua. Me viro. Reconheço na hora. Um dos meus. Um da irmandade. Um que eu preferia nunca mais ver.
— Preciso ir, seu Zé. Até depois — digo, já saindo apressado.
— Mas não vai comprar nada, garoto?! — grita ele. Mas eu já virei a esquina.
Me aproximo do homem alto, de roupas escuras, parado sob a sombra de um pé de ipê. Meus olhos se estreitam.
— O que faz por aqui, Arnold?
Ele dá um passo à frente.
— São os Wister. Eles quebraram o acordo. O clã deles acaba de entrar em nosso território.
Encosto no muro da calçada, cruzando os braços, o coração pesado.
— Eu sei — digo. — Acabei de ver um deles.
Arnold me encara com algo entre respeito e cobrança.
— Então você sabe que tem que reassumir seu posto. É descendente direto dos Blood. Esse território é da sua família, Bento. A irmandade precisa de você. Seu povo precisa do alfa.
Me viro, com raiva, cerrando os punhos.
— Não me chama assim, Arnold. Eu abandonei isso faz tempo. Você sabe que eu odeio essa maldição no meu sangue.
— Você pode até fingir que não é mais um de nós. Pode viver entre os humanos, fingir que é um deles. Mas não pode negar o que é.
Ele se aproxima mais, voz baixa:
— E agora que os vampiros estão aqui… talvez a gente precise lembrar a eles de quem manda nesse território.
Engulo em seco. E no meio da confusão, do dever, da raiva, só consigo pensar nela.
Rosa.
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Atualizado até capítulo 39
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