Capítulo 4- Pequenos Passos

Desde aquele breve encontro na praça, Miguel não saía da mente de Isadora.

Ela tentava ignorar, fingir que não significava nada. Afinal, era só um garoto da igreja. Um desconhecido que falara com gentileza e seguira o caminho dele. Mas, por algum motivo que ela não compreendia, a forma como ele a olhou — sem julgamento, sem pena, sem pressa — ficou gravada em um canto silencioso dentro dela. Como se, por um instante, alguém tivesse visto o que ninguém mais conseguia enxergar.

Durante a semana, Isadora seguiu sua rotina arrastada. A escola continuava igual, com seus corredores frios e os mesmos rostos distantes. O tempo passava devagar, como se cada dia fosse uma repetição sem fim do anterior. Mas, entre uma aula e outra, entre uma página rabiscada do caderno e os pensamentos nebulosos que insistiam em voltar, ela se pegava lembrando daquele “Se você quiser vir um dia...”.

E, junto com a lembrança, vinha uma sensação estranha. Não medo. Não vergonha. Era quase... uma vontade. Disfarçada, tímida, quase imperceptível. Mas estava lá, como uma brisa que anuncia a mudança de estação antes mesmo do céu mudar de cor.

No sábado seguinte, Aurora insistiu para que ela voltasse à igreja.

— Você devia ir comigo, Isa. Foi bom pra você respirar um pouco. E... quem sabe aquele garoto tá lá de novo? — disse a prima, com um sorriso de canto, provocando de leve.

Isadora revirou os olhos, tentando fingir indiferença. Mas, no fundo, não disse não. E isso já dizia muito.

Ela foi.

Dessa vez, entrou. Respirou fundo antes de atravessar o portão, como quem mergulha em algo desconhecido. Sentou-se no último banco, de cabeça baixa, com o coração acelerado. Tentava parecer invisível. Observava os detalhes do lugar como se buscasse abrigo neles: as cortinas claras, as paredes suaves, o cheiro de madeira polida e perfume discreto. O templo estava cheio, mas não barulhento. Havia um tipo de silêncio diferente ali, que não pesava — era um silêncio que acolhia. Um silêncio que escutava, ao invés de julgar.

A música começou. Era leve, serena. Vozes se erguiam em adoração, não com euforia, mas com sinceridade. Isadora não sabia cantar, mas algo na melodia mexeu dentro dela, como se alguém estivesse abrindo uma janela em seu coração trancado há tanto tempo.

O pastor subiu ao púlpito e começou a pregar. Suas palavras falavam sobre recomeços. Sobre luzes que se acendem mesmo nas madrugadas mais escuras. Sobre um Deus que não desiste, mesmo quando a gente já se perdeu de nós mesmos.

Isadora não entendeu tudo. Mas entendeu o suficiente para sentir algo diferente. Pela primeira vez, as palavras não soaram como cobrança, mas como convite. Como alguém dizendo: você ainda tem lugar aqui.

E então, viu ele. Miguel.

Estava mais à frente, sentado com os jovens, atento. Mas seus olhos a encontraram. E sorriram. Um sorriso leve, que dizia “que bom que você veio”. Ele acenou levemente, e Isadora, quase sem perceber, retribuiu o gesto com um aceno tímido.

Mas por dentro, aquele gesto simples acendeu algo pequeno... e importante.

Na saída, ela esperava por Aurora na calçada quando ele se aproximou.

— Fico feliz que você entrou hoje. O que achou? — disse Miguel, com a mesma gentileza da primeira vez.

Ela hesitou. Pensou por um instante, tentando encontrar palavras que não parecessem idiotas ou exageradas. E então, foi honesta.

— Foi... diferente. Mas bom. Acho.

Ele sorriu, com aqueles olhos que pareciam sempre ver além.

— Às vezes, só de estar aqui já muda alguma coisa. Mesmo que a gente não perceba logo. — A frase parecia simples, mas carregava algo profundo, como se fosse mais para ela do que para qualquer outro ouvinte.

Isadora apenas assentiu. Ainda não sabia como explicar o que sentia, mas pela primeira vez em muito tempo, sentia vontade de voltar.

Miguel não forçava. Não invadia. Apenas caminhava ao lado, na medida certa.

E assim, sem alarde, sem pressa, começaram os pequenos passos de algo novo na vida de Isadora. Passos tímidos. Silenciosos. Mas firmes. Porque às vezes, a mudança não começa com um grito... mas com um aceno.

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Comments

Solange Araujo

Solange Araujo

Nossa profundo essas palavras autora, show

2025-07-26

0

Thaissa Gabriely de Lima

Thaissa Gabriely de Lima

Obrigadaaa😊

2025-07-28

0

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