Capítulo 3- Um encontro Inesperado

O sábado havia amanhecido como todos os outros: cinza, silencioso e sufocante. Isadora sentia o peso da rotina esmagando o peito desde o momento em que abriu os olhos. Não havia planos, expectativas, nem vontades. Era só mais um dia em que ela respirava porque o corpo insistia em continuar. Como de costume, trancou-se no quarto, deixou o celular no modo silencioso e deitou de lado, encarando a parede como se procurasse nela alguma saída para sua dor.

Ficava assim quase todos os fins de semana — quieta, invisível, esquecida. Às vezes fingia que estudava, só para que a mãe não desconfiasse de seu vazio. Outras, apenas ouvia o som distante das vozes da casa, como se tudo lá fora estivesse a mil quilômetros de distância.

Mas naquele sábado, sua mãe não se conformou.

— Você precisa sair um pouco, Isa. — disse Helena, com um olhar bravo, mais firme do que de costume.

— Eu não quero sair. — respondeu Isadora, tentando esconder a irritação e, por trás dela, a ansiedade que crescia como um nó no peito. A ideia de estar em público, de sorrir falsamente, de fingir normalidade... era cansativa só de imaginar.

— A Aurora vai com você. Se arrume, pois você vai ir com ela sim. — A frase veio como uma ordem definitiva, encerrando qualquer possibilidade de discussão.

Isadora ficou em silêncio. Por dentro, explodia. Por fora, apenas acenou com a cabeça. Não tinha energia para brigar. Vestiu uma calça jeans qualquer, uma camiseta larga, prendeu os cabelos em um coque frouxo e seguiu sua prima Larissa até a praça que ficava em frente à igreja. Os passos eram arrastados, como se cada metro caminhado fosse um fardo, e o coração batia apertado, confuso.

A praça era linda. O céu nublado não tirava o brilho das árvores bem cuidadas, das flores nos canteiros, das famílias sentadas nos bancos, conversando, rindo, vivendo. Isadora observava tudo em silêncio, sentia-se deslocada, como se estivesse num filme onde não era personagem — só uma espectadora invisível de um mundo ao qual não pertencia.

Foi então que o viu.

Miguel atravessava o portão da igreja com passos tranquilos. Estava conversando com alguns meninos, sorrindo de forma leve e verdadeira. Havia algo nele que chamava atenção sem esforço. Talvez fosse o jeito calmo, a postura tranquila ou — o que mais prendeu Isadora — a paz no olhar. Não era uma beleza comum; era algo além da aparência. Era o tipo de pessoa que parecia carregar a luz que ela havia perdido.

Por um breve instante, os olhos dele encontraram os dela.

Isadora congelou.

Foi rápido, talvez até acidental, mas a troca de olhares a atingiu como um choque. Miguel desviou em seguida e continuou andando, entrando na igreja com os outros rapazes. Nada demais havia acontecido — e, ao mesmo tempo, algo dentro dela se mexeu. Um incômodo. Uma curiosidade. Uma sensação de que aquele olhar tinha atravessado camadas que ninguém mais conseguia alcançar.

Ela não entrou na igreja. Não se sentia pronta. Sentou-se num canto da praça, com os fones desligados nos ouvidos apenas para afastar abordagens. Observava, de longe, a movimentação no culto. As músicas que escapavam pelas janelas soavam diferentes — menos religiosas, mais... acolhedoras.

Quando o culto terminou, Isadora se levantou, pronta para ir embora, quando uma voz atrás dela a fez parar.

— Oi... você estava no culto? — perguntou Miguel, se aproximando devagar, com um sorriso gentil no rosto e as mãos nos bolsos do moletom escuro.

Ela virou-se devagar, surpresa por ele lembrar dela. Ainda mais surpresa por ele ter vindo falar com ela.

— Não... só vim com minha prima. Fiquei aqui fora mesmo.

— Entendi... Às vezes só de estar perto já ajuda, né? — disse ele, com um tom leve, sem forçar nada. As palavras ficaram no ar como um convite velado, uma ponte estendida.

— Sou Miguel, prazer. — estendeu a mão com naturalidade, com aquele mesmo olhar calmo de antes.

Ela apertou a mão de leve, sem firmeza, quase sem encará-lo.

— Isadora.

Miguel sorriu outra vez, e dessa vez demorou um pouco mais antes de continuar.

— Se você quiser vir um dia... pra entrar mesmo... a gente sempre tá por aqui. — disse com suavidade, como quem semeia algo sem esperar resposta imediata.

Com um aceno breve, ele voltou para perto do grupo.

Isadora permaneceu parada por alguns segundos, como se tentasse entender o que aquilo significava. Era só uma conversa rápida. Um cumprimento. Um gesto simples.

Mas fazia tempo que ninguém a olhava daquela forma — como se ela existisse de verdade.

E aquilo, por menor que fosse, acendeu algo dentro dela que ela nem sabia que ainda estava vivo.

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Comments

Solange Araujo

Solange Araujo

Será que ele consegue fazer com que ela se cure dessa depressão..

2025-07-26

0

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