Ícaro dirigiu por quase uma hora e meia. A estrada serpenteava entre colinas verdes, floresta fechada e algumas clareiras escondidas pela neblina. A chuva havia virado garoa fina. Dentro do carro, o som ambiente era a voz dela.
Lya falava com leve entusiasmo sobre os projetos de fotografia, sobre o mercado, os clientes, os sonhos de expor um trabalho autoral. Ele escutava com atenção — ou ao menos fingia bem. Fazia perguntas no tempo certo, sorria com interesse, comentava algo ou outro com o sotaque suave que ela achava quase hipnótico.
A conversa era boa.
Leve. Natural.
Quando chegaram, Lya se calou por um instante.
A vila era remota, silenciosa, cercada por árvores densas e uma montanha imensa ao fundo. Havia várias cabanas de madeira espaçadas entre si, cada uma com luzes discretas nas janelas. A frente da propriedade abria para uma trilha fina que levava à floresta.
Ela ficou parada, observando tudo como quem encontra uma locação perfeita sem querer.
— Isso aqui é lindo — disse, com um brilho genuíno nos olhos. — Ainda bem que trouxe minha câmera. Vai render fotos incríveis.
Ícaro sorriu.
— Eu sabia que você ia gostar.
Pararam diante de uma cabana mais afastada, de madeira escura e janelas amplas com cortinas grossas por dentro. Não era luxuosa, mas exalava aconchego. A lareira já estava acesa. Havia um sofá cinza largo, tapete de pelos, uma TV de tela fina, e uma cozinha americana impecavelmente arrumada, com prateleiras de madeira clara e utensílios pendurados com simetria quase artificial.
Uma escada estreita levava ao andar de cima, onde ele apresentou os dois quartos: o principal, com suíte — o dele — e o de hóspedes, igualmente bonito, com cama de casal e um banheiro no corredor.
Ele olhou para ela, talvez esperando alguma formalidade.
— Onde você quer ficar?
Lya o encarou por dois segundos a mais do que o necessário.
— Com você. No seu quarto.
Ele ficou em silêncio. Uma surpresa visível atravessou os olhos dele. Mas não protestou. Apenas assentiu, quase como se estivesse tentando entender se ela falava sério.
— Ok — disse. Pegou a mala dela e levou direto para o quarto principal.
Quando voltou, ela já estava descendo as escadas.
— Vamos comer alguma coisa? — perguntou.
— Claro.
Desceram juntos. A casa estava quente, protegida do frio que se intensificava lá fora. O cheiro de lenha queimando tomava conta do ambiente.
Lya se sentou no banco alto da bancada da cozinha e observou Ícaro preparar duas taças de vinho. Ele ainda parecia levemente confuso — ou talvez só impressionado com a presença dela ali, ao vivo, tão perto.
Mas ela sabia o que estava fazendo.
Ou pelo menos, achava que sabia.
E A Fome, quieta até agora, começava a se alongar por dentro, como um felino desperto.
Nas montanhas geladas, longe dos olhos comuns, havia um segredo antigo.
Nem mesmo os satélites civis captavam imagens precisas da área — não porque fosse impossível, mas porque não era permitido. As autoridades sabiam da existência daquela alcateia, mas nunca interferiram. Oficialmente, era "área de preservação ambiental".
Na prática? Zona de silêncio controlado.
Ali viviam dezesseis Lycans. Apenas machos.
Criaturas híbridas, meio homem, meio besta. Altos, fortes, belos — mas não de um jeito humano. De um jeito predador.
Mesmo em forma humana, não passavam despercebidos. Tinham presença militar, músculos densos, olhares que varriam o ambiente em segundos. Porém, o mais assustador era o silêncio.
Moviam-se como sombras.
Camuflavam-se como parte da floresta.
Eles não atacavam por impulso, mas não toleravam ameaças.
E sabiam exatamente onde cada equipe de pesquisa estava. Sempre.
Na base da encosta norte, uma unidade científica operava em segredo. Pesquisadores, biólogos, agentes paramilitares disfarçados. Tentavam estudar o comportamento da alcateia — ou, ao menos, sobreviver perto dela. Haviam captado registros térmicos, traços de DNA no solo, fragmentos de pelagem — mas nunca uma imagem clara.
A tensão no acampamento era constante.
A qualquer momento, tudo poderia terminar.
A líder da equipe, Dra. Elena Voss, já alertara:
> — Um passo errado, uma presença não autorizada, e todos aqui viram carne.
E o pior?
Ultimamente, os Lycans estavam mais agitados.
Pistas recentes mostravam movimento incomum. Marcas de rastreamento indicavam que alguém novo havia entrado no território deles. Alguém diferente.
Ou uma visitante que não fazia ideia de onde estava pisando.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 67
Comments