capítulo 02

O aeroporto estava lotado, mas Lya andava como se nada à sua volta a tocasse. Passos firmes, expressão calma. A mala de mão deslizava silenciosa ao seu lado. Olhares vinham de todos os cantos — homens, mulheres, até crianças. Mas ela já estava acostumada. Aquela atenção toda era como uma música de fundo que já não causava mais nenhum efeito.

Não precisava se arrumar demais pra isso acontecer. Com seus cabelos negros presos em um coque simples, jeans justo, jaqueta de couro e os olhos verdes escondidos atrás de óculos escuros, ela ainda era o tipo de mulher que fazia desconhecidos perderem o rumo por dois segundos.

No portão de embarque, checou o horário. Depois, abriu o tablet. As fotos do último trabalho ainda estavam frescas: luz natural, sombras duras, uma modelo com olhar afiado. Lya ampliava os detalhes, fazia pequenas anotações mentais, até a comissária avisar:

— Senhores passageiros, desliguem todos os aparelhos eletrônicos...

Ela suspirou, travou a tela e se acomodou na poltrona. O avião ganhou velocidade, e logo a cidade desapareceu abaixo das nuvens.

A primeira perna da viagem foi longa. O corpo começou a pesar, e as pernas pediam por movimento. Quando chegou à conexão, caminhou pelo terminal só para esticar. Passou por lojas que vendiam relógios caros, perfumes, chocolates suíços — mas não prestou atenção em nada.

Sentou num banco perto do próximo portão e pegou o celular.

Lya: Já vou embarcar de novo.

Ícaro (online): Tô contando as horas. Ansioso pra te ver de perto.

Ela olhou a mensagem por alguns segundos antes de responder. O coração apertou — não de medo, mas de algo mais primitivo. Instinto. Pressentimento.

Lya: Espero que esteja preparado.

Ícaro deixou o “digitando...” aparecer, sumir, aparecer de novo. Depois, nada. Mensagem visualizada. Silêncio.

Lya guardou o celular, se levantou, olhou o reflexo no vidro da sala de embarque. O voo final a esperava.

E ela sabia: a verdadeira viagem começaria ao pousar.

A cidade era pequena, encravada entre montanhas cobertas por névoa e um céu cinza que parecia nunca abrir. Chovia fino. O tipo de lugar que parecia parado no tempo — e naquele dia, o tempo parecia observar.

Lya desceu do avião direto para a área de desembarque, onde poucos rostos esperavam sob casacos pesados. Entre eles, um rapaz loiro, de corpo atlético, segurava uma placa simples com o sobrenome dela escrito à mão. Era Ícaro.

Ela o reconheceu de imediato. Mais alto do que nas chamadas de vídeo. Mais bonito, talvez. Mas alguma coisa... não clicou.

Ela parou por um segundo, observando de longe. Tinha esperado por esse momento por semanas. No entanto, agora que ele estava ali, de carne e osso, não sentia absolutamente nada. Nenhuma onda de excitação. Nenhum frio no estômago. Era como encontrar alguém que já conhecia... e de quem, estranhamente, já estava cansada.

Esse era o problema dela.

Se prendia rápido. Intensamente. Mas queimava o fogo antes mesmo de virar brasa.

Mesmo assim, ela não deixou transparecer. Ajeitou o casaco, puxou o melhor sorriso que tinha no rosto e caminhou em direção a ele.

Ele sorriu largo ao vê-la.

— Lya? — disse, abrindo os braços.

Ela encostou no peito dele, o abraçou, e emendou um beijo suave, quase mecânico. Ele retribuiu, envolvido na ideia que ainda vivia.

— Você é ainda mais linda pessoalmente — disse ele, com um brilho nos olhos.

Lya sorriu, segura.

— Você também não fica nada atrás.

Sem soltar sua mão, ele pegou a mala dela com a outra, como se fosse um casal antigo. Caminharam assim até o jeep preto que o esperava do lado de fora do pequeno terminal.

O carro tinha cheiro de couro e pinho. Ícaro abriu a porta para ela com cuidado. Fez questão de ajustar o cinto, como se aquele gesto fosse parte de um ritual íntimo.

Mas Lya olhava pela janela. As gotas de chuva escorriam no vidro, distorcendo o mundo lá fora.

Quinze dias, ela pensou.

Quinze dias com um homem que já não causava nada por dentro.

Então que sejam intensos.

Nem tudo precisa durar pra ser real.

Ela cruzou as pernas, ajeitou o casaco e olhou para ele com o mesmo sorriso de antes — mas agora, por dentro, A Fome acordava devagar.

E ela sabia: Ícaro não fazia ideia do que realmente estava levando pra casa.

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