Voltamos para a empresa sob um silêncio estranho, carregado de pensamentos não ditos. Lorenzo segue direto para sua sala, como sempre — a passos largos, expressão impassível, como se estivesse pronto para derrubar a próxima muralha da China com o poder do próprio terno.
Davi faz sua performance habitual de "trabalhador obediente" e caminha para a própria sala… por trinta segundos. Logo depois, aparece na minha porta e entra como quem já tem senha do Wi-Fi da minha alma.
Fecha a porta com cuidado e se senta na cadeira em frente à minha mesa.
— Você acha que tudo isso pode estar relacionado? — pergunta, direto ao ponto.
— Eu ia te fazer a mesma pergunta — rebato, cruzando os braços.
— Não seria coincidência. As movimentações suspeitas, o novo contrato, esse sigilo todo... tá tudo muito conveniente.
— Eu também acho. Mas pensa comigo: e se alguém estiver usando essas movimentações legítimas como cortina de fumaça pra esconder algo ainda mais podre?
— Nesse caso, essa pessoa teria que ter acesso antecipado às informações do novo associado.
— Exato. E aí vem a pergunta que não quer calar: quem estaria perto o bastante... e ao mesmo tempo longe o suficiente pra ter acesso sem ser notado?
Davi suspira, recostando-se na cadeira, pensativo.
— Ou louco o suficiente pra mexer com os Rules.
Arqueio a sobrancelha.
— O que você quis dizer com isso?
Ele desvia o olhar.
— Nada. Melhor você nem querer saber.
— Ah, pronto, agora virou série de conspiração com nome de organização secreta?
— Quanto menos você souber, melhor — responde, enigmático.
— Que ótimo. E eu achando que meu maior problema era o coração falhando, não uma possível conspiração corporativa.
Ele sorri de lado.
— Mudando de assunto: o que você acha de sairmos mais tarde? Você poderia finalmente me apresentar pra sua tia...
Eu o encaro em silêncio. Lentamente, pego a caneta da mesa e lanço nela com precisão cirúrgica. Ele desvia, gargalhando, já abrindo a porta pra fugir.
— Como ousa?! — grito, enquanto ele sai correndo, rindo feito criança. — Vai se arrepender disso, Nunes!
O restante do dia segue tranquilo — ou pelo menos parece. Os relatórios param de gritar por socorro, ninguém tenta me hackear, e o clima no escritório volta ao pseudo-normal. Mas a inquietação não me abandona. Algo está fora do lugar. E eu sei disso.
Já estou guardando minhas coisas, pronta pra sair, quando meu celular vibra.
Lorenzo.
"Pode vir à minha sala?"
Suspiro. Claro que não vou embora em paz.
Chego lá e, surpresa, Davi já está. Sentado na cadeira de frente pra mesa do chefe, girando como se fosse o dono do escritório.
— Demorou, hein? — diz ele, largado na cadeira como se fosse um adolescente entediado.
— Xi, deixa de ser folgado — resmungo, indo sentar ao lado dele.
Lorenzo está em pé, mãos nos bolsos, encarando a janela. Quando se vira, está com a expressão séria habitual — mas há algo no olhar dele. Urgência, talvez?
— Sábado tem um evento grande de carros esportivos. Preciso que vocês dois estejam presentes.
Reviro os olhos antes de responder.
— Ah, não. Eu tinha planejado uma viagem com a minha tia. Iríamos visitar minha avó.
— Ah, não, Lolo! — diz Davi, zombando, com uma entonação que parece que estamos recusando drogas ilícitas.
Rio alto.
— Parece até nome de substância proibida, meu Deus...
Lorenzo franze a testa, visivelmente impaciente. Mete as mãos nos bolsos com mais força, como se se segurasse pra não soltar um palavrão.
— Qual é a graça? — sussurra Davi pra mim, fingindo seriedade.
— Parem vocês dois. Eu vou pagar a mais, ora — diz Lorenzo, seco.
— Ah! Quem falou em viagem, né? — rebato na hora, fingindo indignação. — Eu amo carros. Amo eventos. Amo trabalhar no sábado.
Lorenzo balança a cabeça, contendo um sorriso — ou talvez frustração.
— Pois é… quem reclamou mesmo? — provoca Davi, rindo.
— Não sei o que fazer com vocês — diz Lorenzo, se jogando na cadeira.
Mas no fundo, ele sabe sim. Porque, apesar de tudo, nós somos os únicos em quem ele confia. E isso, por si só, é perigoso.
Porque agora... estamos no olho do furacão.
Ele finalmente nos libera. Davi sai da sala como se estivesse fugindo de uma bomba-relógio — ou de qualquer responsabilidade — e eu vou atrás, mas então:
— Bruna.
Sua voz me para no mesmo instante. Séria. Grave. Com aquela firmeza que parece que a parede tremeu.
Viro o rosto.
— Quê?
Lorenzo caminha até mim, lento, sem desviar os olhos. Ele está com o blazer pendurado no antebraço e a manga da camisa dobrada, como se tivesse acabado de sair de um editorial de revista.
— Eu vou passar às oito pra te buscar — diz, como se fosse uma ordem protocolar.
Eu pisco, demorando alguns segundos para processar. Ele não parece estar brincando. Nem mesmo negociando. Ele apenas... decide.
— Não precisa. Eu tenho carro — respondo, tentando manter minha dignidade intacta.
Ele dá um leve sorriso. Daqueles que não mostram os dentes, mas carregam mil camadas de significado.
— Mas eu quero. E está acabado. Preciso de uma acompanhante — diz, direto, como se o mundo estivesse sob controle dele. E talvez esteja.
Sem me dar tempo para argumentar, ele veste o blazer, ajeita os punhos, vira-se e sai da sala.
Me deixando ali.
Estática.
O silêncio depois da porta se fechar parece gritar.
Fico parada por alguns segundos, olhando para o nada, tentando entender o que acabou de acontecer. Meu corpo vai até o elevador, depois até o estacionamento, mas minha cabeça está presa na sala dele.
Entro no carro e fico ali. Sem ligar o motor. Apenas... respiro. Uma, duas, três vezes.
Tento lembrar quando foi que me apaixonei.
Não houve um dia específico. Não foi como nos filmes. Ele veio de mansinho. Com aquele sotaque amaldiçoado que deixava qualquer instrução soar como tentação. Com aquele sorriso sarcástico que escondia mais do que mostrava.
E, sem perceber, eu o desejei.
Durante sete anos, ele nunca demonstrou interesse além do profissional. Sempre impecável. Sempre correto. Sempre inalcançável.
Mas mesmo assim... dia após dia, a minha admiração foi crescendo. Por trás daquela armadura de CEO frio e inabalável, eu via detalhes que ele tentava esconder: a mão que tremia levemente depois de uma reunião difícil. O olhar cansado depois de virar a madrugada no escritório. O modo como ele se lembrava do nome de cada funcionário da base da empresa.
Foi nesses detalhes que ele me pegou.
E agora, com um simples “eu vou passar às oito pra te buscar”, ele me deixa sem ar. Sem chão. Sem saber se estou indo para um evento... ou para o início de um abismo.
Mas seja lá o que for — eu sei que vou.
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Atualizado até capítulo 31
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