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Fui enviada para a cidade para terminar meus estudos logo em seguida. Sem que eu conseguisse assimilar o que tinha acabado de acontecer, já estava enfiada em um sobrado pequeno tendo as minhas aulas de costume e algumas outras que eu nem sabia que existiam.

Entendi aos poucos que a família de Dante estava pagando por aquilo, para eu me tornar uma esposa adequada para ele. Também descobri o quão endividados meus pais estavam sem que eu tivesse notado de dentro da minha bolha de mundo perfeito. Os Dalemon tinham quitado todas elas logo após o anúncio do noivado, além de terem adquirido boa parte das terras da minha família - eu nem mesmo sabia se a casa onde cresci ainda pertencia a nós.

A única parte boa era poder andar um pouco pela cidade durante a tarde. Isso me distraia um pouco da sensação horrível de ter sido vendida pelos meus pais sem nenhuma espécie de aviso.

Não tinha como não pensar no que isso significava para Diogo e eu. Eu estava descobrindo sentimentos novos com ele, e, de repente, ele havia se tornado meu cunhado. Como isso podia ser bom? Era um pesadelo.

- Lyra... - Madame Manfrey bateu na porta do quarto que eu ocupava.

Era pouco depois das três da tarde. Larguei o livro em cima da cama e levantei com um suspiro bem a tempo de ela abrir a porta.

- O Sr. Dalemon está lá embaixo.

Senti uma onda de nervosismo. Dante não tinha ficado a sós comigo depois do noivado. Tínhamos trocado algumas poucas palavras junto com nossos pais, que eu nem mesmo me lembrava por causa do choque do noivado.

Desci as escadas segurando no corrimão, as pernas tremendo como se fossem feitas de gelatina. Eu não sabia como conversar com ele.

Porém, parado no meio da sala pequena, estava Diogo. Parei no pé da escada, completamente pega de surpresa com sua presença. Ele me olhava de um jeito ligeiramente nervoso.

- Estarei na cozinha. - Madame Manfrey disse ao passar por mim - Vocês têm cinco minutos.

Eu sabia que ela estaria de olho, jamais nos deixaria completamente sem supervisão.

Me aproximei de Diogo antes que ele viesse até mim, pois se isso acontecesse ficaríamos muito visíveis de onde ela estava. Meu coração já estava batendo com força, e notei que eu tinha sentido saudades dele em meio à confusão de sentimentos dos últimos tempos.

- Eu trouxe livros. - Diogo disse\, apontando uma caixa que estava na mesa de centro.

- Obrigada.

Nossas mãos se encontraram, como que atraídas uma pela outra. Ele intensificou o aperto enquanto me olhava com os olhos brilhando.

- Também trouxe algumas roupas que minha mãe mandou fazer. - Aprontou para um embrulho ao lado da caixa.

- Muito gentil. Diga que agradeci.

A mão de Diogo estava tremendo. Eu queria abraçá-lo e beijá-lo. Queria poder voltar no tempo e fazer com que ele fosse o irmão mais velho.

- Eu leria o primeiro livro hoje. - disse educadamente\, mas um pouco mais baixo.

- Certo. - concordei.

Ele arriscou um passo mais para perto.

- Você está bem? - sussurrou.

- Tanto quanto dá para estar. - respondi com um ardor nos olhos.

Diogo soltou minha mão e se afastou, buscando se recompor. Bem a tempo de Madame Manfrey entrar na sala e não ver nada de suspeito.

- Bom\, já estou indo. - acenou para mim e para ela - Até mais.

Peguei minhas coisas e subi as escadas controlando a vontade de correr. Fechei a porta do quarto com cuidado e abri a caixa para folhear o primeiro livro. Uma folha de papel caiu de dentro.

“Lyra, sinto muito por tudo isso. Eu deveria ter dito alguma coisa, mas não tive coragem. Virei toda semana para a cidade, nas sextas-feiras. Ficarei hospedado no centro, perto da biblioteca. Espero poder conversar com você.”

Passei os dias seguintes ansiosa pela chegada da sexta-feira, e precisei de muito autocontrole para apenas sair pela porta como sempre. Tudo que eu não precisava era de Madame Manfrey desconfiada dos poucos momentos de liberdade que eu tinha.

Andei até o local que Diogo tinha me dito, mas não saberia dizer em qual hospedaria estaria hospedado. De qualquer forma, eu não podia entrar em lugar nenhum sem que alguém pensasse algo errado ao meu respeito.

- Lyra?

Me virei e o vi parado perto de uma casa, aparentemente esperando que eu aparecesse a qualquer momento.

- Oi... - suspirei\, o alívio me inundando.

- Aqui não. - Diogo fez um gesto para que eu não me aproximasse\, enquanto olhava ao redor para as poucas pessoas circulando – Me encontre atrás da biblioteca em cinco minutos.

Andei pelas lojas olhando as vitrines sem prestar atenção em nada, até poder contornar a biblioteca e chegar aos fundos. Minha paciência estava no limite, eu estava desesperada por alguns minutos a sós com Diogo.

Atrás da biblioteca havia um pequeno jardim levemente abandonado, o mato entrelaçado com as arvores e arbustos, tornando o local não muito atrativo. A porta enferrujada estava entreaberta, e eu senti que Diogo me esperava.

Olhei ao redor antes de entrar, mas não havia ninguém por perto. Assim que passei pela porta, ele tocou meu braço.

- Oi... - sussurrou.

- Oi... - respondi.

Diogo me guiou mais para o fundo do jardim, onde ficaríamos com ainda mais privacidade. Paramos entre algumas árvores, seguros entre as ervas daninhas.

- Lyra\, espero que possa me perdoar... - ele começou\, mas eu não queria conversar.

Me atirei em seus braços e o beijei com desespero. Primeiro ele congelou, mas depois suas mãos me envolveram.

- Lyra... - Diogo suspirou\, apoiando a testa na minha - Nós não podemos fazer isso.

- Isso é tudo que eu quero. - confessei\, sem medo ou receio.

Ele afastou o rosto para poder me olhar. Eu, mais uma vez, quis me perder em seus olhos azuis.

- Não está com raiva de mim?

- Não... - respondi com sinceridade – Entendo que não conseguiu me dizer o que estava por vir. E\, mesmo se tivesse dito\, não aliviaria em nada.

Ele tocou meu rosto carinhosamente.

- Não houve nada que eu pudesse fazer. - disse tristemente – Eu nem mesmo participei da conversa.

- Não importa. - garanti – Eu... - puxei seu rosto para perto do meu – senti sua falta.

Diogo cedeu, tão saudoso quanto eu, e nós nos beijamos por alguns minutos. Era a melhor coisa que tinha acontecido nos últimos tempos.

- Ele é meu irmão. - suas mãos apertavam minha cintura - Não posso fazer isso.

Ele estava dividido pelo que sentia por mim e sua lealdade à família. Eu não me importava com nada daquilo naquele momento. Era apenas uma garota de quinze anos descobrindo o amor.

- Não há nada além de uma promessa de compromisso. - foram essas as palavras que saíram da minha boca antes que eu a colocasse junto da sua novamente.

Depois de mais alguns minutos, Diogo me afastou de novo. Seu rosto estava corado, os lábios levemente inchados.

- É você que eu quero. - insisti\, com medo de que ele continuasse lutando contra – Desde o primeiro momento que eu te vi.

Ele apertou os dedos na minha cintura de novo e soltou um gemido frustrado.

- Deus sabe que eu também. - confessou – E eu devia ter resistido\, mas beijei você duas vezes sabendo que o noivado aconteceria. Eu sinto muito.

- Não sinta. - o puxei para mim de novo.

Nossos encontros não podiam demorar, ou Madame Manfrey me proibiria de sair sozinha. Então, tivemos que nos contentar com aqueles poucos minutos toda semana – o que era torturante.

Éramos dois jovens, tomados de paixão, sozinhos naquele jardim abandonado. Não demorou muito para que as coisas começassem a ficar intensas demais, com toques mais ousados. Todo dia eu ia embora coberta de suor e agitada, com dificuldade para dormir durante a noite.

Diogo sempre se afastava primeiro, mesmo que com um esforço visível. Eu tinha impressão de que ele tinha mais consciência das consequências caso fossemos longe demais. Eu, por outro lado, teria feito qualquer coisa que ele me pedisse – estava completamente cega. Tive sorte por ele ter tamanho cuidado comigo e pensado no quanto aquilo poderia me custar.

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