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Anos antes... 

Minha mãe colocou uma xícara de chá fumegante na minha frente. Fiquei encarando enquanto a fumaça se erguia da xícara, esperando o torpor de sono desaparecer.

Era bem cedo, o sol ainda subia no horizonte, mas a casa estava plenamente acordada. Acho que minha mãe tinha acordado muito antes de me fazer sair das cobertas.

- A antiga dos Dalemon foi vendida. - me disse\, como se fosse algo com o qual me importasse – Parece ser uma família muito rica que comprou.

Não falei nada, apenas peguei a xícara e comecei a bebericar o chá. A mente um pouquinho mais alerta do que há alguns minutos.

- A mudança já começou. - ela continuou\, parecendo estranhamente animada com aquilo - Não seremos a única família por aqui.

Nós morávamos bem isolados, o que não era problema nenhum para mim. Eu havia estudado em casa com um tutor que meu pai trazia da cidade, e me contentava em passar meu tempo estudando, fazendo as leituras extras que ele me passava e cumprindo alguma tarefa doméstica que fosse necessária.

Meu pai passou pela porta, demonstrando um grau de agitação semelhante da minha mãe.

- Eles chegaram. - anunciou\, puxando uma das cadeiras da mesa – Um casal e dois filhos.

Continuei bebericando chá entre um bocejo e outro.

- Garotos\, Fred? - minha mãe se sentou ao lado dele.

- Dois garotos\, Cecilia. - confirmou\, animado.

Nesse ponto eu os deixei falando sozinhos e fui para o meu quarto. Da minha janela conseguia ver a casa morro acima, onde se podia notar pessoas se movimentando de um lado para o outro. Mas não fiquei lá por muito tempo, já que o assunto realmente não me interessava.

Segui meu dia como de costume. Como era domingo meu tutor não viria, mas ainda assim eu tinha algumas leituras para adiantar. Peguei meus livros e saí de casa sem chamar atenção dos meus pais, que continuavam sussurrando na cozinha.

Eu gostava de me sentar entre as árvores para ler perto do rio. Era um local que ninguém nunca ia, então eu não era interrompida.

Só que eu ainda não tinha entendido que agora não era só minha família morando naquela região. Se tivesse, provavelmente não teria ficado surpresa quando escutei passos na grama e me levantei assustada, com o coração batendo forte de medo.

- Oi. - a voz chegou a mim antes que eu encontrasse o dono.

Localizei o garoto não muito distante, me encarando com uma expressão amigável. A primeira coisa que notei foram seus olhos azuis, que eram realmente impressionantes.

- Oi. - respondi\, reticente\, me levantando.

Ele sorriu amigavelmente e se aproximou um pouco mais.

- Você deve morar naquela casa. - apontou com a mão na direção da minha casa – Seu pai apareceu lá em casa para se apresentar\, já que agora seremos vizinhos. E aparente\, os únicos morando por aqui.

Continuei calada, apenas olhando para ele. Eu era acostumada com amigos dos meus pais que as vezes apareciam, colegas de trabalho, mas não costumava ver pessoas da minha idade.

- Você fala? - ele sorriu\, brincalhão\, e ficou bem de frente para mim – Ah\, é. Você disse oi umas duas horas atrás.

Ele estava brincando comigo?

- Meu nome é Diogo. - ele estendeu a mão na minha direção.

- Lyra... - sussurrei\, aceitando seu cumprimento.

A mão dele era quente e grande perto da minha. Senti um arrepio percorrer meu corpo.

- Você está assustando nossa vizinha. - uma outra voz masculina vinda das árvores chegou até nós.

O outro garoto era parecido com o primeiro, mas não muito, apenas o suficiente para deixar claro que eram irmãos. E ele não tinha olhos azuis, mas sim castanhos bem escuros.

- Eu sou Dante. - me disse\, estendendo a mão na minha direção como o irmão.

- Lyra. - as mãos dele estavam quase tão frias quanto as minhas.

- Meu irmãozinho está te assustando? - me perguntou\, lançando um olhar zombeteiro na direção de Diogo.

- Não\, claro que não. - respondi rapidamente\, tomada por um impulso de defender aquele garoto que eu nem conhecia.

Diogo apenas revirou os olhos.

- Meu irmão mais velho está só implicando.

- Nosso pai está procurando por você. - Dante disse\, dessa vez de modo sério - Muitas coisas para organizar em casa. Precisamos voltar.

- Tudo bem. - Diogo concordou.

Dante acenou com a cabeça para mim antes de sumir de novo, sem esperar pelo irmão.

- Quantos anos você tem? - Diogo me perguntou\, sem pressa nenhuma de seguir o irmão.

- Quatorze. - respondi – Quase quinze. - me apressei em acrescentar. Não sei por que\, mas parecia fazer bastante diferença.

- Tenho quinze também. - ele sorriu – O Dante tem dezessete.

Sorri para ele pela primeira vez, me sentindo a vontade em sua presença.

- Eu preciso ir. - disse\, por fim.

Nos despedimos com um aceno de cabeça, parecido com o que Dante tinha feito, e depois ele sumiu por entre as árvores. Eu tentei voltar ao que estava fazendo, mas de alguma forma, meus pensamentos sempre voltavam para Diogo e seus olhos azuis.

As coisas em casa pareciam normais, mas meus pais ficavam cochichando e olhando pelas janelas em direção à casa de Diogo e Dante o tempo todo. Eu devia ter percebido que estavam planejando coisas, mas não estava prestando atenção no que os adultos faziam. Era uma época em que eu ficava totalmente concentrada em meu pequeno mundo.

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