A Outra Aliança
O som suave do piano preenchia o ambiente enquanto Laura girava a colher de café em silêncio. As notas clássicas de Chopin ecoavam pelo apartamento elegante no décimo andar, combinando perfeitamente com a vista panorâmica da cidade, as cortinas brancas e o aroma amadeirado do difusor de ambiente recém-reposto. Era uma manhã comum. Perfeita, aos olhos de quem assistisse de fora.
Ela sempre fez questão de manter tudo em ordem. Desde os livros organizados por cor na estante até os guardanapos dobrados simetricamente sobre a mesa de café da manhã. A rotina era seu refúgio. Um modo silencioso de manter o mundo — e os sentimentos — sob controle.
— Bom dia, amor — disse Henrique, aparecendo na cozinha com a mesma camisa branca impecavelmente passada, o cabelo molhado do banho e um sorriso que já conhecia há mais de uma década.
Laura retribuiu com um beijo breve e uma expressão serena.
— Dormiu bem?
Ele assentiu, pegando uma fatia de pão integral e servindo-se de café.
— Tenho cirurgia às nove, mas devo chegar cedo hoje. Podemos jantar juntos?
— Claro. Faço sua massa favorita — respondeu ela, enquanto pegava um cacho de uvas da fruteira. Aquilo era normal. A vida era assim: confortável, previsível, estruturada.
Mas havia algo estranho naquela manhã. Um leve incômodo em sua pele, como se algo estivesse fora do lugar, mesmo sem motivo aparente. Talvez fosse só o instinto feminino, que ela tantas vezes aprendera a ignorar.
Depois do café, acompanhou o marido até o elevador, como de costume. Ele deu um beijo em sua testa e apertou suavemente sua mão.
— Te amo — murmurou ele.
— Também te amo — respondeu ela. Porque amava. Ou achava que amava. Ou talvez amasse a vida que construíram, o lar, a aparência de estabilidade que aquilo tudo oferecia.
O elevador fechou as portas. Laura suspirou, voltou para dentro e, por impulso, foi até o closet onde guardavam algumas caixas com documentos, objetos de viagens e fotos antigas. Queria encontrar um álbum específico para digitalizar algumas imagens. Mas, ao puxar a caixa errada, o conteúdo se espalhou pelo chão.
Ela se ajoelhou, começando a recolher envelopes, recibos e um estojo preto de veludo que ela não lembrava de ter visto antes.
Curiosa, abriu o estojo.
Dentro dele, uma aliança. Fina, dourada, discreta.
Diferente da dela. E gravada por dentro com duas iniciais que não pertenciam a nenhum dos dois.
M & H.
O coração de Laura parou por um instante. O som do piano ainda tocava na sala, como uma ironia cruel.
Ela ficou imóvel por longos segundos, como se o mundo houvesse mudado de eixo sem avisá-la. Então levantou-se, ainda com o estojo nas mãos, e olhou para o anel em sua própria mão esquerda. O dela era mais espesso, com o nome de Henrique gravado por dentro, junto à data do casamento.
Mas aquela outra aliança…
M.
Quem era M?
Nas horas seguintes, tentou se convencer de que havia uma explicação lógica. Talvez fosse de um paciente. Talvez Henrique estivesse ajudando alguém. Talvez fosse… qualquer coisa que não o que parecia ser.
Mas algo estava errado. E no fundo, muito no fundo, ela sabia.
Henrique era um homem metódico. Cuidadoso. Se fosse uma mulher, ele não deixaria rastros. A não ser que… tivesse deixado de se importar em esconder.
Naquela noite, Laura preparou o jantar como prometido. Vinho tinto, velas discretas, molho de tomate com manjericão fresco. Ela sorriu. Riu das histórias dele sobre o hospital. Fingiu.
O estojo preto estava guardado no fundo da gaveta do banheiro dela. Ainda não era hora.
Mas, enquanto ele falava distraído, o olhar de Laura já estava longe. E algo dentro dela começava a se partir em silêncio.
Não seria uma mulher fraca. Não faria escândalos. Ela descobriria a verdade — e o faria com elegância, frieza e inteligência.
Porque ninguém enganava uma mulher por sete anos sem deixar pegadas.
Laura sempre acreditou que amor era feito de silêncio confortável. Não daqueles que pesavam no ar como acusações não ditas, mas dos que preenchiam o ambiente com a segurança de que nada precisava ser explicado. Era assim com Henrique — ou ao menos ela pensava que era.
Enquanto lavava as taças após o jantar, viu pelo reflexo do vidro da varanda o marido sentado no sofá, rolando o celular com a expressão ausente. Um pequeno sorriso apareceu no rosto dele, sutil, discreto… mas não foi para ela. Era o tipo de sorriso que ele raramente usava no dia a dia. Intenso demais para um vídeo engraçado. E contido demais para uma piada médica qualquer.
Laura secou as mãos com calma, guardou a louça, organizou os panos e se aproximou, sentando-se ao lado dele com um livro nas mãos.
— Quem era? — perguntou casualmente, fingindo não se importar.
Henrique bloqueou o celular rápido demais.
— Nada demais. Um colega do hospital.
— Ah — murmurou ela. — Você pareceu… feliz.
Ele riu, como se não entendesse a insinuação.
— É que ele mandou uma bobagem. Umas piadas antigas.
Laura assentiu e virou a página do livro sem realmente ler. Seu coração não estava mais no peito. Estava no fundo de uma caixa, dentro de um estojo preto.
Mais tarde, enquanto ele dormia — e roncava como sempre, com o braço jogado displicentemente por cima da barriga — ela caminhou em silêncio até o closet novamente. Ligou a lanterna do celular e abriu a caixa com cuidado.
No fundo, havia mais papéis. Documentos do hospital, cartões de embarque, alguns com datas recentes… e dois ingressos para uma peça de teatro romântico em São Paulo. A data? Dois meses antes. Um fim de semana em que ele alegou estar em um congresso médico.
Mas o mais surpreendente veio em seguida: uma fotografia dobrada.
Na imagem, Henrique sorria. Ao lado dele, uma mulher morena, elegante, cabelos longos. Ela o abraçava com intimidade. E entre os dois… uma menina.
A criança devia ter uns quatro ou cinco anos. Tinha os olhos dele.
Laura não conseguiu respirar por alguns segundos. Aquilo era mais do que uma traição. Era uma vida paralela. Um lar alternativo.
Com mãos trêmulas, ela voltou a dobrar a foto e a guardou no mesmo lugar, sem deixar rastros. O corpo estava gelado, a boca seca, o estômago revirado — mas por fora, continuava impecável. Como o chão encerado da casa. Como os pratos bem postos. Como o amor que ela acreditava existir.
Ela voltou para a cama lentamente. Deitou-se. E, antes de fechar os olhos, sussurrou para si mesma:
— Você quer brincar de esconder, Henrique? Então vamos jogar.
Na manhã seguinte, Laura acordou antes do despertador. Preparou o café da manhã como sempre, separou a roupa dele para o hospital e o beijou como se nada tivesse acontecido. Mas dentro de si, um mecanismo havia sido ativado.
Antes mesmo do marido sair, ela já tinha um plano.
Pegou o celular antigo que guardava na gaveta da escrivaninha — aquele que usava antes de trocar por um modelo mais moderno. Restaurou o chip. Mudou a senha do e-mail. Criou um novo perfil. Nome falso, foto de paisagem, nenhum vínculo com a vida real.
Ela precisava de liberdade para investigar. E precisava começar por ela. Pela mulher da foto.
No meio da manhã, foi até o centro da cidade e sentou-se em uma cafeteria discreta. Começou a procurar pelas iniciais “M & H” em sites de casamento, registros de eventos, redes sociais. E então, depois de mais de uma hora, encontrou algo.
Um perfil privado. Nome: Marina Duarte.
Na foto de perfil, o mesmo rosto da imagem impressa. A legenda, romântica:
“O amor nem sempre segue o caminho mais fácil… mas o coração sabe onde quer estar.”
Laura encarou aquela frase por longos minutos.
Seu mundo havia virado uma farsa. Mas ela ainda tinha o controle. E agora, mais do que nunca, ela precisava saber de tudo.
Quem era Marina?
Como eles se conheceram?
E aquela criança… era filha de Henrique?
A dor era insuportável. Mas Laura se sentia mais viva do que em anos.
Pela primeira vez, ela não era só uma esposa. Era uma mulher em busca da verdade.
E nada — absolutamente nada — a faria parar.
E ela estava disposta a segui-las até o fim.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 50
Comments
Sandra Camilo
cretino , a traição é horrível, ela não merecia
2025-07-20
0
Vanildo Campos
traição é sempre muito triste 😢 😢 😢 😢 😢
2025-07-16
0
rafamendes
traição braba viu
2025-07-17
0