Capítulo 4 — Primeira Fissura

Laura caminhava sem destino pelas ruas do centro, a bolsa cruzada no peito e o casaco aberto, apesar do vento frio que soprava entre os prédios. O céu ainda estava nublado desde o dia anterior, e havia algo naquela penumbra natural que combinava com o que sentia por dentro: uma espécie de crepúsculo emocional, em que nada parecia claro — mas tudo parecia prestes a mudar.

Sentou-se num banco da praça que ficava em frente à antiga biblioteca municipal. Era um lugar onde costumava ir na adolescência, quando ainda acreditava que as histórias do mundo real podiam ser tão coerentes quanto as dos livros. Agora, era o oposto. Sua vida parecia um romance mal escrito — cheio de incoerências, personagens dúbios e um enredo que ela não havia escolhido.

Ela permaneceu ali por longos minutos, observando as pessoas passarem. Sentia-se invisível. E talvez, naquele momento, desejasse realmente ser.

— Desculpa — disse uma voz masculina, tirando-a dos pensamentos.

Laura levantou os olhos. Um homem elegante, de terno azul escuro e pasta de couro nas mãos, parava diante dela com um sorriso constrangido.

— Esse banco… tem uma tomada logo ali atrás, e meu notebook tá prestes a morrer. Você se importaria se eu sentasse um pouco?

Ela hesitou, depois fez um gesto com a mão.

— Claro, pode sentar.

Ele agradeceu e acomodou-se na outra ponta do banco, mantendo uma distância respeitosa. Ligou o notebook com rapidez, conectou o cabo, e depois de alguns segundos, relaxou os ombros.

— Salvo pelo banco da praça — brincou, sem esperar resposta.

Laura não riu, mas esboçou um sorriso leve.

— Ele é útil… às vezes.

— Você vem aqui sempre?

— Só quando a vida me aperta — respondeu, olhando à frente.

— Então a vida deve estar apertando bastante hoje. Você tem um olhar… pesado.

Ela virou lentamente o rosto para ele. Não era o tipo de comentário que se espera de um desconhecido. Mas havia algo na voz dele — firme, mas gentil — que não soava invasivo. Era como se ele apenas tivesse dito o que viu, sem segundas intenções.

 — E você? — devolveu a pergunta. — Corre por trabalho ou por fuga?

— Um pouco dos dois. Trabalho como advogado. Escritório aqui perto. Às vezes, quando o clima está tenso, venho respirar fora das paredes brancas.

Laura assentiu.

— Faz sentido.

— Daniel — ele disse, estendendo a mão.

 — Laura.

 O toque foi breve, cordial. E por um instante, ambos voltaram ao silêncio confortável.

Ela se levantou minutos depois, sentindo que já havia ficado tempo demais ali. O relógio marcava quase meio-dia.

 — Foi bom conversar — disse ela, ajeitando a alça da bolsa.

— Espero te ver de novo, Laura.

Ela sorriu, discreta.

— Quem sabe.

 E foi embora.

Naquela tarde, Laura decidiu visitar a própria mãe. Não contou nada sobre Henrique, nem sobre Marina, nem sobre Lara. Conversaram sobre trivialidades: receitas, novelas, o tempo. Mas o simples fato de estar em outro ambiente, com alguém que a conhecia desde menina, lhe deu uma sensação tênue de estabilidade.

Ao voltar para casa, já no fim da tarde, encontrou Henrique no sofá, assistindo ao noticiário. Ele virou o rosto ao ouvir a porta.

— Oi. Pensei que ia ficar fora o dia inteiro.

 — Fui ver a minha mãe.

 Ele assentiu e se aproximou.

— Laura… — começou ele, com a voz mais baixa do que o normal. — Eu sei que tem alguma coisa errada. Não sei se é comigo, com você, ou com a gente. Mas eu queria que você me dissesse.

 Ela o encarou, com os olhos fixos.

— Tem coisas… que não se dizem de uma vez. Elas precisam amadurecer por dentro antes de serem ditas.

 Henrique engoliu em seco.

— Isso é uma forma de dizer que você quer ir embora?

 — Não. É uma forma de dizer que eu ainda estou aqui. Mas diferente.

 Ela subiu para o quarto sem dizer mais nada.

E ele, pela primeira vez em muito tempo, não teve palavras para segui-la.

Naquela noite, deitada em silêncio, Laura se lembrou do homem da praça. Daniel.

 Não porque ele fosse bonito. Não porque tivesse dito algo marcante.

Mas porque, pela primeira vez em dias, alguém olhou para ela… e viu.

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Comments

Sandra Camilo

Sandra Camilo

tomara que ele faça amizade com ela e dps eles se apaixone, como advogado ajude ela a separar do cretino do marido!!

2025-07-20

0

rafamendes

rafamendes

que situação

2025-07-17

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 — Uma Vida Impecável
2 Capítulo 2 — A Mulher do Outro Lado
3 Capítulo 3 — Duas Mulheres, Um Silêncio
4 Capítulo 4 — Primeira Fissura
5 Capítulo 5 — O Que Sempre Esteve Lá
6 Capítulo 6 — Viagem para Dois
7 Capítulo 7 — Preparando a Retirada
8 Capítulo 8 — O Peso da Verdade
9 Capítulo 9 — O Homem Que Tenta Voltar
10 Capítulo 10 — Entre o Quebrado e o Recomeço
11 Capítulo 11 — Onde a Calma Mora
12 Capítulo 12 — Quando as Máscaras Caem
13 Capítulo 13 — Tudo Que Ela Reconstrói
14 Capítulo 14 — O Que Ainda Pode Ser Ternura
15 Capítulo 15 — A Sala Onde Tudo Acaba e Recomeça
16 Capítulo 16 — As Coisas que Voltam com Leveza
17 Capítulo 17 — A Mulher Que Voltou Para Si
18 Capítulo 18 — Quando o Novo Encontra as Cicatrizes
19 Capítulo 19 — A Linha que Não se Cruza
20 Capítulo 20 — A Verdade Dita Sem Gritos
21 Capítulo 21 — O Amor Depois da Coragem
22 Capítulo 22 — Aquilo Que Herdamos em Silêncio
23 Capítulo 23 — A Última Tentativa do Controle
24 Capítulo 24 — Justiça, Mentiras e o Valor da Verdade
25 Capítulo 25 — Plantando Onde doeu
26 Capítulo 26 — A Vitória Silenciosa
27 Capítulo 27 — Recomeços Não Anunciam Chegada
28 Capítulo 28 — Quando a Voz Retorna ao Corpo
29 Capítulo 29 — Chaves Que Abrem Muito Mais Que Portas
30 Capítulo 30 — Onde as Coisas Permanecem Porque Fazem Sentido
31 Capítulo 31 — O Que Fica Quando a Dor Vai Embora
32 Capítulo 32 — Mexer No Que Não Dói, Mas Ainda Arde
33 Capítulo 33 — A Voz Que Agora Ecoa
34 Capítulo 34 — Quando Ser Vista Deixa de Ser Ameaça
35 Capítulo 35 — O Peso de Ser Livre (e o Alívio Também)
36 Capítulo 36 — E Se For Simples Assim?
37 Capítulo 37 — O Lugar Onde Me Tornei
38 Capítulo 38 — Onde as Histórias se Encontram
39 Capítulo 39 — O Silêncio que Veio Depois da Fala
40 Capítulo 40 — Quando o Passado Bate, Quem Atende?
41 Capítulo 41 — Quando a História Vira Imagem
42 Capítulo 42 — Quando a Tela Se Torna Espelho
43 Capítulo 43 — Quando a Caneta Não Fere Mais
44 Capítulo 44 — Quando o Amor Também É Narrativa
45 Capítulo 45 — Quando a Palavra Transborda Fronteiras
46 Capítulo 46 — Quando o Retorno É Outra Partida
47 Capítulo 47 — Quando a Voz Ecoa em Outras Vozes
48 Capítulo 48 — Quando o Silêncio Vira Semente
49 Capítulo 49 — Quando o Fim É Só Outra Forma de Permanecer
50 Epílogo — Quando a Palavra Se Torna Herança
Capítulos

Atualizado até capítulo 50

1
Capítulo 1 — Uma Vida Impecável
2
Capítulo 2 — A Mulher do Outro Lado
3
Capítulo 3 — Duas Mulheres, Um Silêncio
4
Capítulo 4 — Primeira Fissura
5
Capítulo 5 — O Que Sempre Esteve Lá
6
Capítulo 6 — Viagem para Dois
7
Capítulo 7 — Preparando a Retirada
8
Capítulo 8 — O Peso da Verdade
9
Capítulo 9 — O Homem Que Tenta Voltar
10
Capítulo 10 — Entre o Quebrado e o Recomeço
11
Capítulo 11 — Onde a Calma Mora
12
Capítulo 12 — Quando as Máscaras Caem
13
Capítulo 13 — Tudo Que Ela Reconstrói
14
Capítulo 14 — O Que Ainda Pode Ser Ternura
15
Capítulo 15 — A Sala Onde Tudo Acaba e Recomeça
16
Capítulo 16 — As Coisas que Voltam com Leveza
17
Capítulo 17 — A Mulher Que Voltou Para Si
18
Capítulo 18 — Quando o Novo Encontra as Cicatrizes
19
Capítulo 19 — A Linha que Não se Cruza
20
Capítulo 20 — A Verdade Dita Sem Gritos
21
Capítulo 21 — O Amor Depois da Coragem
22
Capítulo 22 — Aquilo Que Herdamos em Silêncio
23
Capítulo 23 — A Última Tentativa do Controle
24
Capítulo 24 — Justiça, Mentiras e o Valor da Verdade
25
Capítulo 25 — Plantando Onde doeu
26
Capítulo 26 — A Vitória Silenciosa
27
Capítulo 27 — Recomeços Não Anunciam Chegada
28
Capítulo 28 — Quando a Voz Retorna ao Corpo
29
Capítulo 29 — Chaves Que Abrem Muito Mais Que Portas
30
Capítulo 30 — Onde as Coisas Permanecem Porque Fazem Sentido
31
Capítulo 31 — O Que Fica Quando a Dor Vai Embora
32
Capítulo 32 — Mexer No Que Não Dói, Mas Ainda Arde
33
Capítulo 33 — A Voz Que Agora Ecoa
34
Capítulo 34 — Quando Ser Vista Deixa de Ser Ameaça
35
Capítulo 35 — O Peso de Ser Livre (e o Alívio Também)
36
Capítulo 36 — E Se For Simples Assim?
37
Capítulo 37 — O Lugar Onde Me Tornei
38
Capítulo 38 — Onde as Histórias se Encontram
39
Capítulo 39 — O Silêncio que Veio Depois da Fala
40
Capítulo 40 — Quando o Passado Bate, Quem Atende?
41
Capítulo 41 — Quando a História Vira Imagem
42
Capítulo 42 — Quando a Tela Se Torna Espelho
43
Capítulo 43 — Quando a Caneta Não Fere Mais
44
Capítulo 44 — Quando o Amor Também É Narrativa
45
Capítulo 45 — Quando a Palavra Transborda Fronteiras
46
Capítulo 46 — Quando o Retorno É Outra Partida
47
Capítulo 47 — Quando a Voz Ecoa em Outras Vozes
48
Capítulo 48 — Quando o Silêncio Vira Semente
49
Capítulo 49 — Quando o Fim É Só Outra Forma de Permanecer
50
Epílogo — Quando a Palavra Se Torna Herança

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