Finalmente alguém me ouviu.

Fazer compras com a vovó Yasmin, Selin, Alice e Cassandra era sempre como cair em um mundo novo. As ruas de Istambul eram uma pintura viva, aromas, vozes, tecidos esvoaçando nas vitrines, e aquela língua que um dia me pareceu impossível, agora saía dos meus lábios com naturalidade.

Já me sentia parte de algo.

Elas riam entre si, opinavam sobre vestidos, tecidos e sapatos. Cassandra sempre tinha um comentário sarcástico e divertido, Alice parecia uma mãe de todas nós, e minha avó... bom, ela era feita de brilho e tradição. Ainda me olhava como uma garotinha às vezes, mas me tratava como mulher. Era estranho e bonito ao mesmo tempo.

— Esse vestido te deixaria perfeita para a festa — disse vovó, estendendo um modelo dourado, tradicional, bordado à mão.

— Eu acho que nem conseguiria respirar dentro disso, vó — Cassandra respondeu.

— Aquele azul combinaria com seus olhos, Isadora — Alice comentou enquanto examinava uma echarpe.

Senti meu rosto esquentar. Era bom. Era calor de casa. Mas por dentro, algo já se contraía.

Acho que eu sabia.

Sentia a presença antes mesmo de vê-lo. Foi quando entramos no Sultan’s Delight, aquele café com cheiro de cravo, baunilha e história que tudo desandou.

Estávamos rindo, ajeitando os cabelos bagunçados pelo vento, escolhendo sucos e doces... quando um garçom se aproximou da mesa com uma cesta adornada com fitas douradas.

— Foi enviada para a senhorita — ele disse, olhando diretamente para mim.

Senti minha garganta secar. Aquelas palavras. Aquela gentileza mascarada. Aquelas fitas que escondiam um gosto amargo.

Não precisei olhar para saber. Mas olhei.

Kadir estava ali. No fundo do salão. Encostado no balcão. Confiante. Como se nada tivesse acontecido.

Como se eu fosse apenas mais uma, ou que lhe desse o direito de me olhar.

— Está tudo bem? — Cassandra perguntou, a voz baixa, atenta.

— Eu não quero isso. — Falei rapidamente. — Eu não pedi por isso.

— Isa... — Tia Alice se inclinou na mesa. — Tem certeza de que está bem?

Assenti, mesmo que por dentro a resposta fosse não. Nada estava bem. E pior… eu sentia que todos iam olhar para mim como problema.

Quando o garçom levou a cesta de volta e Kadir franziu o cenho como uma criança contrariada, uma parte de mim quis encolher até desaparecer.

Odiava aquele olhar.

De quem acha que pode tudo.

E de quem sabe que, no fundo, talvez possa mesmo.

— Baran precisa saber disso — Selin falou firme, olhando para mim.

— Ele não precisa se preocupar. — Tentei parecer indiferente. Mas até eu ouvi o tremor na minha voz.

Na volta para casa, eu fiquei em silêncio, observando os rostos felizes e despreocupados das mulheres ao meu redor. Elas eram seguras. Tinham voz. Tinha medo de ser o elo fraco. A intrusa. A vergonha.

Mas Cassandra… Cassandra me olhou de forma diferente.

Esperou todo mundo subir com as sacolas, e me chamou discretamente para andar pelos fundos até os estábulos. O ar lá era mais limpo. Mais leve.

— Isa. Me diz a verdade. O que aconteceu?

A verdade. Ela sangrava na minha garganta há dias.

— O nome dele é Kadir Demir. Irmão do diretor. Ele tentou me beijar à força. — pausei, traguei em seco. — Disse que se eu contasse para alguém, minha vida acabaria. Que a família dele era intocável e que ninguém aqui acreditaria em mim.

Cassandra ficou imóvel por um segundo. E depois seus olhos brilharam com a fúria mais bonita que eu já vi.

— Baran precisa saber disso.

— Não! — respondi no impulso. — Eu… eu não queria criar mais problemas. Não queria…

— Isa — ela interrompeu com suavidade, colocando a mão sobre o meu braço. — Você tem medo dele?

— Do Baran? — quase ri de nervoso. — Nunca. Baran nunca me machucaria. Nunca.

Ela assentiu. Me deu um sorriso pequeno.

— Então confia em mim.

Ela chamou um dos soldados. Pediu que fosse buscar Baran. Só isso já fez meu coração disparar.

Mas quando ele apareceu, e seus olhos encontraram os meus, meu peito se apertou.

Ele sabia. Sem que ninguém dissesse uma palavra. Ele viu.

Cassandra contou.

Eu baixei a cabeça, mas senti seu braço ao redor da minha cintura, me puxando. Me encaixando ali. Como se eu fosse… dele.

— Ele fez o quê? — Baran perguntou, e sua voz era fogo e gelo ao mesmo tempo.

— Tentou beijá-la à força. Ameaçou colocá-la na rua. Disse que ninguém acreditaria nela.

Baran fechou os olhos por um segundo. Quando abriu, seus olhos estavam escuros. Mas sua mão… sua mão estava quente, gentil no meu rosto.

— Você deveria ter me contado antes, meleğim — disse, baixo. — Ninguém vai te tocar. Ninguém. E se ousarem… eu juro, Isadora, que o inferno vai parecer pouco perto do que eu farei.

Senti o ar sair dos meus pulmões.

— Eu só não queria estragar tudo — sussurrei.

Ele me apertou mais forte.

— Você é tudo que eu tenho de mais importante. Você é o que me importa.

Quando ele olhou para o guarda e ordenou que buscassem tudo sobre Kadir Demir, eu soube… que eu não estava mais sozinha.

Nem nunca mais estaria, mais tarde naquele dia ele me procurou para sair.

Eu devia ter suspeitado quando ele me chamou, mas com Baran nunca era fácil adivinhar. Ele era o tipo de homem que guardava segredos no fundo do peito, e quando falava… era porque já tinha decidido.

Entramos no carro em silêncio. As ruas de Istambul passavam diante dos meus olhos, iluminadas pelas luzes douradas dos postes e pelo reflexo do luar nos telhados antigos. Era uma noite estranhamente bonita. E meu coração… pesava.

— Aonde estamos indo? — perguntei, a voz baixa.

— Resolver algo que nunca deveria ter começado — ele respondeu simplesmente, os olhos fixos na estrada.

Ficamos em silêncio de novo. Mas sua mão procurou a minha no banco entre nós. E quando a segurou… havia uma firmeza que não era só afeto. Era promessa.

Chegamos a um bar discreto, tradicional, frequentado apenas por locais. O tipo de lugar onde o ar parecia carregado de cigarros, suor e passado, um lugar que ele não me traria. A música era baixa, turca e melancólica. Baran desceu primeiro, deu a volta no carro e abriu a porta para mim.

Segurou minha mão. E não soltou.

Entramos juntos.

A atmosfera pareceu mudar quando ele passou pela porta. Como se o ar reconhecesse sua presença. Olhares se voltaram, conversas cessaram por breves segundos.

E então eu o vi.

Kadir.

No canto do salão, perto do balcão, rindo com outros dois homens. Tinha um copo na mão, e aquela maldita confiança estampada no rosto.

Ele não nos viu de imediato. Mas quando Baran disse seu nome, com a voz baixa e carregada de ferro, ele se virou.

O sorriso dele apagou num segundo.

Nossos olhares se cruzaram. Eu congelei. Ele entendeu.

Sabia que eu tinha contado.

— Baran — Kadir disse, com falsa naturalidade, tentando compor o rosto num sorriso. — O que faz aqui, irmão?

Levantou-se para saudá-lo com a expressão típica turca, a mão ao peito. Mas Baran não se moveu.

Ele apenas me soltou. Deu dois passos à frente.

E o som que veio depois foi seco. Cru.

O punho dele atingiu Kadir com força no rosto.

O impacto fez o bar inteiro prender o ar.

Kadir cambaleou, tombando contra uma das cadeiras, derrubando copos. Os dois homens que estavam com ele se levantaram, mas não ousaram se meter.

Baran avançou mais um passo. Sua expressão era pura fúria controlada.

Aquela calma que precede a destruição.

— Como você ousa? — ele falou baixo, porém com uma força que tremia no chão. — Como ousa tocar nela? Ou sequer respirar o mesmo ar que ela?

Kadir cuspiu sangue, se levantando com dificuldade, tentando manter a pose.

— Baran... você não entendeu... foi um mal...

Outro soco. Mais forte.

Dessa vez, Kadir caiu de vez, derrubando uma mesa.

Baran ficou sobre ele, sem se abaixar, mas sua voz cortava como aço:

— Se você encostar nela novamente… se sequer olhar na direção dela… eu não vou parar por aqui.

— Você não imagina o que eu sou capaz de fazer por ela.

Eu estava paralisada, mas não de medo.

De choque.

De saber que alguém… que aquele homem… me amava o bastante para se sujar por mim. Para proteger, sem hesitar.

Os seguranças do bar não se aproximaram. Todos sabiam quem Baran era. E o que carregava com ele.

Ele se virou. Me olhou. Seus olhos estavam escuros, intensos. Mas quando encontrou os meus, suavizou.

Estendeu a mão para mim.

— Vamos. Aqui já está resolvido.

Eu caminhei até ele. Peguei sua mão. E ao sairmos daquele lugar, todos os olhares nos seguiam. Mas eu só enxergava o dele.

Naquela noite, eu não me sentia mais sozinha.

Me sentia… invencível.

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Comments

Andrea Freire

Andrea Freire

Isso Baran cuida dela 🥰

2025-07-16

2

Anonymous

Anonymous

Coloca. Fotos. Dos. Personagem. Do. Livro

2025-07-18

0

bete 💗

bete 💗

adorei que a proteja sempre ❤️❤️❤️❤️❤️

2025-07-17

0

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