agora uma mulher

Três anos.

Três estações completas de flores turcas desabrochando e secando diante dos meus olhos.

Três anos desde o dia em que desci daquele jato particular como uma menina assustada, órfã e prometida.

Agora, aos 17, eu sabia quem era.

Ou, pelo menos, quem eu queria ser.

Meu corpo já não era o mesmo.

As roupas que antes pendiam soltas agora desenhavam curvas. Meus olhos, antes perdidos, haviam aprendido a observar.

Estudava com afinco. Aprendi turco, português, espanhol e russo, ganhava tudo que os outros ganhavam, viajava com eles, passava natal e aniversários festejando, era perfeito. 

E Baran…

Ele sempre foi meu porto, mesmo quando eu mal sabia onde estava atracando.

Até o meu aniversário de 17 anos, ele me olhou como uma protegida, somente isso, mas esse ano as coisas mudaram, eu sempre o vi como o meu “talvez futuro marido”.

Estava saindo da apresentação de idiomas, ele não entrou, mas sempre estava lá.

Baran usava a camisa preta dobrada até os antebraços, e óculos escuros escondiam aqueles olhos que me desarmavam.

— Foi tudo bem? — ele perguntou, me lançando um olhar rápido antes de arrancar.

— Falei os quatro idiomas. A professora de russo quase chorou.

— Claro. Você nasceu para impressionar.

— Eu nasci para arrasar, Baran.

Ele olhou novamente. Dessa vez, mais demorado.

— Você já faz isso, Isadora…

— Como assim?

Ele estacionou alguns metros antes da escola, onde quase ninguém passava. Olhou direto para mim.

— Eu sinto algo por você. Algo... que cresce cada dia, antes era como uma protegida, nunca uma obrigação, mas agora, — passou a mão pela minha bochecha.

— Achei que fosse só... carinho. Por causa do tempo aqui.

Ele tirou os óculos.

E quando vi seus olhos — sérios, ardentes — eu soube.

— Não. Não é sobre o tempo. É sobre você. Sempre foi você, antes não podia te dizer, sua idade era minha prioridade, não sou um abusador, mas você é mais que importante para mim.

Tive medo. Do que significava.

Do quanto eu queria aquilo.

Me aproximei.

Toquei o rosto dele, sentindo a barba por fazer sob meus dedos.

— Eu te amo, Baran… mas achei que você quisesse alguém mais... à sua altura.

Ele inclinou o rosto, até nossos narizes quase se tocarem.

— Você é a minha medida exata, Isadora. Minha altura. Meu caos. Minha paz.

E então ele me beijou.

Dessa vez, com intenção. Com força e ternura.

Meu coração explodiu dentro do peito.

Ele encostou a testa na minha.

— Aos dezoito, você escolhe. Mas já sabe minha resposta.

**

Seguimos até a escola. Meus lábios ainda queimavam. Entrei em silêncio, tentando me concentrar no mundo, mas tudo girava em torno daquele momento.

Mas foi aí que o mundo real me alcançou.

No estacionamento interno, próximo à entrada lateral, alguém me chamou.

Kadir Demir.

Suspirei, irritada.

— O que você quer?

Ele se aproximou rápido e, antes que eu percebesse, me empurrou com força para uma sala de manutenção.

Trancou a porta por dentro.

— Que loucura é essa? — tentei sair.

— Você se acha demais, não é? A protegida dos Cevrit. — Ele se aproximou. — Mas eu sei que você não é ninguém. Acha mesmo que o Baran vai ficar com você? Já viu as mulheres que ele anda?

— Me deixa sair.

— Eu sou irmão do diretor. Você não tem ninguém aqui. E eles conhecem minha família há anos… você não vale nada, Isadora.

— Baran nunca confiaria em você, ele me conhece, e sempre me protegeu.

— Baran vai acreditar no que eu quiser. E quando isso que vocês tem acabar… você não vai ter ninguém para te proteger.

— Sai de perto de mim. Agora.

Ele se aproximou mais uma vez, mas parou quando ouviu passos se aproximando do corredor.

Riu, destrancou a porta e saiu sem olhar para trás. Como se nada tivesse acontecido.

**

Fiquei ali.

Sozinha. Tremendo. Com nojo. Com raiva. Com medo.

Peguei o celular e mandei uma mensagem para Elif, minha amiga desde o primeiro ano ali. Turca, corajosa, daquelas que sorriem com os olhos.

Isadora: Elif, você pode vir aqui? Me tranquei na sala do fundo do bloco B.

Minutos depois, a porta se abriu devagar.

Elif me encontrou sentada no chão, abraçando os joelhos.

— O que houve? — ela se abaixou, minha amiga era preocupada, gentil e órfã assim como eu, era uma das únicas pessoas que de fato sentiam a minha real dor.

— Nada… — menti, tentando controlar a voz. — Só… ataque de pânico. Acho.

Ela me olhou com cuidado.

Sabia que eu estava mentindo. Mas não me pressionou.

— Vem. Vou te levar até o refeitório. E depois, a gente respira. Juntas.

Assenti.

Levantei devagar, e deixei que ela segurasse minha mão.

Por fora, eu voltei a caminhar.

Mas por dentro… algo em mim estava quebrado.

E eu sabia.

Baran não poderia acabar envergonhado por mim.

Quando ele veio me buscar parecia tenso, falava ao telefone, até palavrões que nunca usava na minha frente, sentei no banco do passageiro com os ombros tensos e o coração apertado.

O silêncio no carro era preenchido pela respiração pesada de Baran, e pelo som da ligação que ele ainda fazia.

— …se ele tocar mais uma vez, eu mesmo vou até aí. Entendido? — ele rosnava em turco, firme. — Fica de olho. Ele não vai se aproximar da Yará de novo.

Yará é filha da empregada de Yasmin, convive ali conosco, era como sua prima mais nova. Ele estava bravo por alguém ter ameaçado ela… e eu…

Eu sabia exatamente como ele se sentia com isso, eu não podia trazer mais problemas.

Mas... como dizer isso? Como contar sobre Kadir depois de uma conversa como essa?

Não queria ser um motivo para uma briga entre duas famílias influentes.

Baran já carregava tanto, a família, os negócios, o nome.

Eu era só… a protegida.

Ele desligou o telefone e jogou o celular no console com um suspiro.

— Desculpa, Dory. — sua voz suavizou. — Falei demais. Não gosto de falar assim perto de você.

Balancei a cabeça, apertando os dedos no colo.

— Tudo bem. — murmurei. Ele parecia calmo agora. — Yará está bem?

Ele se virou um pouco, dirigindo mais devagar.

— Sim, está segura, você queria falar comigo? — ele questionou.

— Sim, mas não era nada de tão urgente, está em um dia ruim, não vou te aborrecer. — falei.

— Você não me aborrece, você me acalma, quer falar sobre o quê? — ele insistiu.

Engoli em seco. O nome de Kadir queimava na minha garganta. Mas ele tinha razão… Baran confiava na família dele. E se ele… e se ele achasse que eu estava exagerando?

— Era só… sobre o contrato. — menti. Ou quase. — Você ainda quer…?

Ele soltou uma risada baixa, meio surpresa.

— Isadora, eu nunca tive dúvidas.

— Nunca? E as mulheres que andou, lindas, influentes, estudadas — olhei para ele.

— Nunca. Daqui a cinco meses, você faz dezoito. E se você disser que quer… nós casamos. De verdade, não tem ninguém na minha vida, nada do passado importa, e desde o dia que te conheci mantive isso, mesmo sem saber se ia dar certo, ou não.

Virei o rosto para janela, tentando processar o peso daquela promessa.

Casamento. Vida. Ele.

Era tudo o que eu queria. Mas também…

— Dory? — a voz dele quebrou o silêncio de novo.

Ele encostou o carro no acostamento, desligando o motor.

O calor do dia entrava leve pela janela entreaberta.

— O que você quer? — ele me olhava com aqueles olhos escuros e certos. — Se não quiser o casamento… eu entendo. Não quero que se sinta presa a mim.

Virei para ele, surpresa.

— Não é isso. Eu quero. Quero, sim…

Ele franziu levemente a testa.

— Então?

Suspirei.

— Só estou nervosa, Baran. É o fim do contrato. A única coisa que me manteve aqui por três anos. Quando acabar… se você mudasse de ideia, ou se algo acontecesse… eu ficaria sozinha, minha irmã está bem, Giulia também, não quero ser um peso para ninguém.

Ele soltou o cinto, se inclinando até segurar meu queixo com os dedos fortes e quentes.

— Isadora. Você nunca mais vai estar sozinha. Nem se quiser.

— Mas e se…

— Mesmo que o mundo desabe, você tem meu nome, minha casa, meu amor e minha proteção.

— Eu só queria ter certeza…

— Então ouve isso agora, Dory… — sua voz era grave, quase uma promessa feita em mármore — você é minha. E vai continuar sendo. O contrato foi só a desculpa. O motivo, sempre foi você.

Meus olhos marejaram.

Mas eu só assenti.

E por alguns minutos, Baran apenas ficou ali, me olhando, enquanto minha mente implorava para contar sobre Kadir.

Mas eu ainda não conseguia.

O medo… ainda gritava mais alto que a coragem.

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Comments

Renata Boaro

Renata Boaro

pelo jeito Isadora vai enfrentar muitos desafios

2025-07-16

3

Rita De Cassia Rodrigues Dos Santos Pires

Rita De Cassia Rodrigues Dos Santos Pires

affff,mulher fraca,achei que ae tornaria igual a Aylla forte e destemida

2025-07-25

0

Leitora compulsiva

Leitora compulsiva

sempre tem um obstáculo a ser quebrado

2025-07-17

1

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