Capítulo 5: O Paladar do Povo e os Desafios do Império

O incidente do caldo envenenado foi um ponto de virada para Liana. Aquele pequeno ato de sabotagem, facilmente disfarçado como um erro, revelou a ela a teia de intrigas que se escondia sob a superfície reluzente do palácio. Ela não era apenas uma cozinheira; era agora uma peça, embora relutante, em um jogo de poder muito maior. A promessa silenciosa que fizera a si mesma – de não ser mais a "inútil", de usar sua culinária para algo mais significativo – solidificava-se a cada dia.

A cozinha imperial tornou-se seu laboratório, seu observatório e seu campo de batalha. Liana, com uma astúcia que surpreendia até a si mesma, continuava a desviar das pequenas armadilhas e provocações dos outros chefs. Se Grimald a mandava cortar centenas de cebolas, ela o fazia com uma velocidade e precisão que o Mestre Chefe não podia negar, mesmo que relutasse em elogiá-la. Se ingredientes "sumiam", Liana improvisava com maestria, criando pratos ainda mais surpreendentes com o que restava, fazendo o Imperador Theron elogiá-la ainda mais, para a fúria silenciosa de seus rivais.

A principal arena de sua influência, contudo, permanecia o paladar de Theron. O jovem Imperador, que antes exibia um tédio profundo, começou a mostrar sinais de um despertar gradual. Os "agrados" secretos de Liana, entregues por Kael com sua discrição habitual, tornaram-se o combustível para essa mudança.

Um dia, Liana preparou um pão simples, mas perfumado, amassado com leite e ovos, e assado até obter uma crosta dourada e um miolo macio. Ele o serviu com uma pasta de ervas e alho que ela esmagara e infundira em azeite básico (uma raridade que Kael conseguiu para ela).

Ao provar, Theron fechou os olhos. Aquele pão não era apenas delicioso; era reconfortante, familiar, mas com uma elevação que Theron nunca havia experimentado. Ele sentiu o calor do forno, o cuidado das mãos. Era o sabor da casa, do lar.

"Este pão..." Theron murmurou para Kael, sua voz quase um sussurro. "Ele me lembra... algo que minha mãe costumava fazer, muito tempo atrás, antes... antes de tudo mudar." Seus olhos se nublaram com uma nostalgia incomum. "Não é opulento, mas tem uma verdade que os banquetes mais caros não possuem."

Liana, que esperava discretamente a reação, sentiu um arrepio. Ela havia tocado em uma ferida, um ponto de humanidade no Imperador. Percebeu o poder que a comida simples, feita com intenção e alma, podia ter sobre o coração de um homem, mesmo um Imperador.

Enquanto sua influência sobre Theron crescia, Liana expandiu suas "observações" para além dos corredores da cozinha. Disfarçando-se com um capuz, ela pedia a Kael para acompanhá-la em breves excursões aos arredores do palácio. Queria ver o império com seus próprios olhos, sentir seu pulso. Kael, embora hesitante no início, sentia uma estranha lealdade por Liana e obedecia.

Nos mercados e nas ruelas escuras da cidade, Liana viu a verdadeira face do povo. Mães lutando para alimentar seus filhos com pão ressecado. Comerciantes com semblantes preocupados, lamentando a falta de mercadorias. Mendigos encolhidos nos cantos, cujos olhos famintos a assombravam. Ela notou a qualidade dos produtos à venda: frutas machucadas, vegetais murchos, carne com um odor duvidoso. Tudo confirmava suas suspeitas. A desnutrição, a doença, a miséria.

Não é apenas falta de tempero, ela percebia, o coração apertado. É falta de alimento básico. É um sistema quebrado.

De volta ao palácio, suas criações para Theron começaram a refletir suas novas descobertas. Ela preparou um guisado com vegetais robustos e carne barata, mas com um cozimento lento e técnicas de seu mundo que realçavam cada sabor, transformando o humilde em algo sublime.

"Majestade," ela diria, com uma reverência, ao servir o prato. "Este é um prato comum do povo. Simples, mas nutritivo."

Theron, que antes torceria o nariz para algo "comum", provava com um interesse crescente. Ele sentia a textura robusta, o sabor terroso. "É... diferente," ele admitiria. "Tem um sabor... honesto. Faz pensar."

Aos poucos, Liana começou a usar a culinária como um meio de comunicação silencioso. Se Theron parecia irritadiço e prestes a tomar uma decisão precipitada sobre impostos, Liana lhe servia um chá calmante, com ervas que ela mesma cultivava em seu pequeno jardim secreto do palácio, acompanhado de doces leves que remetiam à paciência. Se ele parecia indiferente às notícias de rebeliões distantes, ela criava um prato com ingredientes "dividos" que, quando combinados, formavam um sabor harmonioso e potente, simbolizando a união.

Essas influências sutis não passaram despercebidas. O Primeiro Ministro, Lorde Valerius (não relacionado à família original de Liana, mas um homem astuto e conservador que prosperava na estagnação), e outros nobres de sua facção, começaram a observar Liana com olhos mais calculistas. Eles notaram a mudança gradual no Imperador – sua crescente curiosidade, suas perguntas sobre o povo, seu interesse em assuntos que antes o entediavam.

"Aquela cozinheira... ela tem uma influência indevida sobre Vossa Majestade," Lorde Valerius sussurrou a um aliado, durante um jantar onde Theron, pela primeira vez, questionou a origem da carne servida. "Sua culinária não é apenas alimento; é veneno, corroendo a ordem estabelecida."

As sabotagens na cozinha de Liana tornaram-se mais ousadas. Um dia, ela encontrou um animal morto, sujo, escondido em um cesto de vegetais. Em outra ocasião, sua fonte de água foi contaminada com sujeira. O Mestre Chefe Grimald, embora ainda desdenhoso, parecia mais apreensivo, como se a situação estivesse fugindo de seu controle.

Liana também sentiu a pressão aumentar de sua própria "família". Seus pais, vendo que ela não havia conseguido um casamento para eles, começaram a enviar cartas exigindo dinheiro e suprimentos do palácio, ameaçando "revelar segredos" se ela não os ajudasse. Eles não compreendiam o abismo entre o que ela era e o que eles pensavam que ela era.

Em um momento de isolamento, Liana se viu na biblioteca imperial, um lugar que antes parecia proibido. Ela não procurava por livros de culinária (sabia que não os encontraria), mas por mapas antigos e relatos sobre as províncias do império, sobre suas colheitas e seus costumes. Seus olhos de chef, antes fixos em receitas, agora se voltavam para a logística, para a distribuição de alimentos, para as deficiências das terras. A verdade era que, sim, ela era uma chef. Mas para sobreviver e mudar, ela precisava se tornar mais. Uma estrategista. Uma observadora social.

A tensão estava crescendo. Liana era uma faísca em um barril de pólvora, e seus pratos, simples ou elaborados, eram o estopim para uma mudança que o império, e seus governantes corruptos, não estavam preparados para aceitar.

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