Capítulo 2: O Ultimato

Os dias que se seguiram àquela tentativa desastrosa na cozinha foram um borrão de humilhação e desespero para Liana. A culpa por sua aparente inutilidade neste novo mundo corroía-a por dentro. As palavras cruéis de sua "mãe" ressoavam constantemente, misturando-se com as memórias de Elara de ser chamada de "fardo" e "sem talento". Eu era uma chef renomada, Liana se lembrava com uma pontada de agonia. E agora sou... isto. Não consigo nem acender um fogo direito.

A decadência da família, outrora motivo de murmúrios discretos, tornara-se o tema principal dos salões da corte. Notícias sobre a iminente ruína financeira dos Barões de Valerius se espalhavam como fogo em palha seca. Com a voz trêmula, ouvia seus novos "pais" discutirem planos desesperados para salvaguardar o que restava de seu prestígio. A solução, eles concluíram com frieza calculista, repousava sobre os ombros magros e "inúteis" de Elara.

"Não temos outra escolha, meu caro," a Baronesa dizia ao Barão, sua voz azeda, enquanto Liana ouvia escondida atrás de uma porta lascada. "O Lorde Grimsby nos fará um favor. Ele tem terras, mesmo que sejam pantanosas, e o dote... será o suficiente para cobrir as dívidas do último ano."

Liana sentia um calafrio percorrer sua espinha ao ouvir o nome "Lorde Grimsby". As memórias de Elara sobre o homem eram vívidas e aterrorizantes: um nobre idoso, obeso, com olhos luxuriosos e uma reputação de crueldade. O desespero da Liana chef, acostumada a ter controle total sobre seu destino, colidia com o pânico paralisante da Elara adolescente. O casamento forçado era uma prisão ainda pior do que a casa decadente.

"Mas a menina... ela é tão desajeitada," o Barão suspirava, como se estivessem falando de um animal de estimação indesejável. "E sem nenhum talento para enfeitar seu dote. Ninguém a quererá."

Uma ideia surgiu então, nas discussões de seus pais, uma última e humilhante cartada: levá-la à capital, apresentá-la na corte. Não para casá-la com um grande lorde, mas para "despachá-la" em alguma posição menor no palácio, ou quem sabe, impressionar algum nobre de menor escalão, usando-a como uma moeda de troca, por mais insignificante que fosse. Seria uma exibição de seu "fardo", uma tentativa desesperada de "se livrar" dela de forma honrosa.

A viagem à Capital Imperial foi um choque sensorial para Liana. A cidade era um redemoinho de cores, sons e uma energia vibrante que ela não via desde sua vida anterior. Mercados repletos de produtos estranhos, embora o cheiro de carne crua e especiarias desconhecidas ainda fosse, para ela, uma cacofonia desorganizada. Tanta matéria-prima desperdiçada, pensava ela, com seus olhos de chef esquadrinhando cada barraca, notando a ausência de técnicas de conservação e preparo adequadas.

Seus pais, contudo, estavam mais preocupados em mantê-la na linha. Liana era constantemente repreendida por sua "falta de modos" e por olhar demais ao redor. "Não estrague isso, Elara," sua mãe sibilou em um ponto, puxando-a pelo braço. "Sua única utilidade é não nos envergonhar mais do que já estamos." As palavras eram farpas que se alojavam nas feridas abertas de Elara, e Liana sentia cada pontada.

A imponência do Palácio Imperial a sobrecarregou. Torres de pedra branca que pareciam tocar o céu, jardins meticulosamente cuidados (embora sem o encanto selvagem do seu refúgio secreto), portões adornados com ouro. Era um mundo de luxo e poder, completamente alheio à miséria da maioria do reino, e à sua própria, recente, condição.

A culinária da capital, embora mais elaborada que a de sua casa, ainda era decepcionante. Liana viu banquetes opulentos com pratos visualmente grandiosos, mas que, ela sabia instintivamente, eram insossos e pesados. Não havia equilíbrio, finesse, nem a alma que ela sempre buscou na comida. O Imperador Theron, um jovem monarca de semblante entediado, era famoso por sua exigência gastronômica. Um paladar que nunca foi realmente desafiado, Liana observava, com uma pontada de desprezo profissional.

O dia da audiência chegou. A grande sala do trono era uma tapeçaria de cores e joias, cheia de nobres sussurrantes e intrigantes. Liana, em um vestido simples e desbotado que mal disfarçava sua magreza, foi puxada para frente de seus pais. O coração de Elara batia descontroladamente, enquanto Liana sentia uma estranha calma, como a que precedia o serviço de um grande jantar. Ela ergueu os olhos.

Lá estava ele. O Imperador Theron. Jovem, de fato, talvez pouco mais velho que Liana. Seus olhos, de um tom incomum de ônix, transmitiam uma melancolia profunda, um tédio quase palpável que irradiava de sua postura reclinada no trono. Ele parecia ver o mundo como uma série de obrigações tediosas.

Seus pais começaram a falar, suas vozes carregadas de desespero e falsa humildade, lamentando a "falta de virtudes" de sua filha. "Vossa Majestade, ela é... uma jovem de poucas qualidades óbvias," a Baronesa gaguejava, com a voz esganiçada. "Sem aptidão para a magia... para a esgrima... e na corte, ela... bom, ela é um fardo, Vossa Majestade."

Um murmúrio de desaprovação percorreu a corte. Um nobre espiava para Liana, com um sorriso de escárnio. Humilhante, a mente de Liana gritava, sentindo as bochechas de Elara queimarem.

De repente, os olhos do Imperador Theron pousaram sobre ela. Não com desprezo, mas com uma curiosidade inesperada. Seus lábios se moveram. A voz dele era baixa, mas ressoou em todo o salão silencioso, carregada de um tédio que fazia Liana ranger os dentes.

"Então," o Imperador começou, endireitando-se ligeiramente no trono, seus olhos fixos nos dela. "É como seus pais dizem? Você não tem nenhum talento digno de nota?"

O silêncio foi absoluto. Os pais de Liana prenderam a respiração, tensos. Liana sentiu o peso de centenas de olhos sobre ela. A dor das memórias de Elara, a vergonha, a sensação de ser uma completa inútil, tudo a sufocava. Mas então, a mente de Liana, a chef, assumiu o controle. Uma pequena faísca de desafio acendeu-se nela. Ela havia prometido a si mesma que não seria mais o fardo. Que não se curvaria.

O Imperador continuou, com uma nota de impaciência em sua voz, mas também com um brilho quase divertido em seus olhos de ônix. "Se não tem nenhum talento, então mostre-me do que é capaz, garota. Qualquer coisa. Se não puder nem isso, então não há lugar para você em minha corte, ou em qualquer outra."

As palavras do Imperador, embora frias, eram um desafio direto. Um convite. Liana sentiu um turbilhão de emoções: medo do fracasso, pânico pela vida de Elara, mas, acima de tudo, uma súbita e ardente inspiração. Seus olhos percorreram o salão, o ar, sentindo os aromas e a energia. Podia ser um inferno de culinária, mas era ainda culinária. Ela podia fazer isso. Ela tinha que fazer.

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