O desafio do Imperador Theron ecoou na grande sala do trono, silenciando os sussurros da corte. "Mostre-me do que é capaz." Para a maioria, era uma sentença humilhante. Para Liana, contudo, foi um relâmpago de clareza, a única linguagem que ela verdadeiramente compreendia. A culinária. Seu propósito, mesmo neste mundo desolado, ainda a chamava.
Um aceno do Imperador, e Liana foi conduzida por um ajudante pálido e apressado para uma área adjacente ao salão do trono: uma cozinha menor, de emergência, utilizada para refeições rápidas da realeza. Era mais limpa que a de sua casa, mas ainda assim primitiva pelos seus padrões. Uma bancada de madeira gasta, um fogão a lenha fumegante e algumas panelas de ferro pesadas.
Ingredientes, sua mente de chef berrou, ignorando o pânico da Elara adolescente. Eu preciso de ingredientes.
O ajudante, ainda tremendo ligeiramente, apontou para uma cesta com alguns itens básicos: batatas marrons, cebolas murchas, um punhado de ovos, um pão duro e um pequeno pedaço de queijo. Nada mais. Liana sentiu um aperto no estômago. Sem especiarias? Sem ervas frescas? Nem um bom azeite? Como eu vou...? A dúvida, a autodepreciação ("Deveria ter estudado outra coisa!") ameaçaram tomar conta. Mas então, os olhos gélidos do Imperador Theron reapareceram em sua mente. Ele está entediado. Ele precisa de algo inesperado. Algo que o choque.
Ela pegou uma batata, sentindo sua aspereza. Ovos. O pão. Ingredientes humildes, mas honestos. A chave era a transformação. Não a abundância, mas a técnica. Um flash de memória de um café da manhã simples que sua avó fazia na infância, com ovos perfeitamente mexidos e pão torrado. Algo básico, mas feito com alma.
Com as mãos que antes eram desajeitadas, mas agora se moviam com uma nova, embora ainda incerta, destreza, Liana começou a trabalhar. Ela rasgou o pão em pedaços, umedecendo-o levemente. Bateu os ovos com força, incorporando ar até que estivessem leves e quase espumosos – uma técnica que parecia mágica neste mundo. Usou o queijo, que era de qualidade questionável, para adicionar um toque de salinidade e gordura. No fogão a lenha, que ela conseguiu controlar com uma persistência teimosa, aqueceu uma das panelas de ferro até o ponto certo. A fumaça ainda era um problema, mas ela se concentrou no que podia controlar.
O cheiro começou a se espalhar. Não era o aroma complexo de um prato gourmet, mas um cheiro reconfortante, de pão quente e ovos. O ajudante, que antes a observava com ceticismo, ergueu uma sobrancelha, intrigado.
Em poucos minutos, ela tinha seu prato. Um montinho dourado de ovos cremosos, repousando sobre pedaços de pão ligeiramente tostados, com o queijo derretido. Simples. Mas a textura, o ponto de cocção, o aroma... Era tudo que a culinária daquele mundo não era. Pura. Honesta. Confortante.
Liana pegou a tigela de barro, que parecia inadequada para a pequena obra-prima, e a levou de volta ao salão do trono, as mãos firmes apesar do coração batendo forte. A corte inteira parecia ter parado de respirar.
Ela se ajoelhou diante do trono, estendendo a tigela. "Vossa Majestade," sua voz, agora mais clara e confiante do que jamais fora como Elara, "um desjejum simples. Mas feito com o que pude encontrar, e com o coração."
Theron, que até então mantivera uma expressão de tédio inabalável, olhou para o prato. Seus olhos de ônix, antes opacos, mostraram uma faísca de interesse. Ele pegou a colher, hesitou por um momento, e então levou a primeira porção à boca.
O silêncio na sala era tão denso que se podia cortar com uma faca. Os olhos de Theron se arregalaram. Seus músculos faciais, antes relaxados em uma máscara de indiferença, contraíram-se em uma mistura de surpresa, deleite e pura, inebriante, alegria. Um tremor quase imperceptível percorreu seu corpo. Ele mastigou lentamente, saboreando cada migalha, como se estivesse desvendando um segredo milenar.
Este sabor... ele pensou, e o pensamento de Theron se expandiu para a corte através de sua aura alterada. O sabor de ovos, mas não apenas ovos. Era cremosidade aveludada, um toque de sal na medida certa, a maciez do pão absorvendo cada gota de sabor. Era algo familiar, mas ao mesmo tempo revolucionário. Era vida.
Ele pegou outra colherada. E outra. Sua máscara de tédio havia desaparecido completamente, substituída por uma euforia quase infantil. Os nobres murmuravam, descrentes. Seus pais, congelados, alternavam olhares de choque e confusão.
Theron limpou os lábios com as costas da mão, um gesto incomum para um Imperador. Ele fixou os olhos em Liana. Não havia mais tédio neles, apenas uma intensidade que a fez tremer.
"Você..." a voz de Theron era rouca, ainda sob o efeito do sabor. "Quem... quem te ensinou a fazer isso?"
Liana hesitou por um momento. As memórias de Elara, de ser castigada por mentir, colidiam com a sua própria necessidade de proteger seus segredos. "Ninguém, Vossa Majestade. Apenas... observações. E a paixão pelo que é bom."
Um sorriso lento e enigmático surgiu nos lábios de Theron, o primeiro que Liana vira. "Paixão, você diz. Uma paixão que pode criar tal milagre com ingredientes tão humildes." Ele se levantou do trono, uma ação rara. "Que assim seja. Você não é 'sem talento', Lady Elara. É um tesouro. Está nomeada chef pessoal da Cozinha Imperial, com efeito imediato."
Um burburinho ensurdecedor irrompeu na corte. Inveja, choque, fúria e confusão dançavam nos rostos dos nobres. Os pais de Liana caíram de joelhos, divididos entre o alívio e a incompreensão. Liana sentiu uma onda de exaustão, mas também um triunfo agridoce. Sua maldição se tornara sua salvação. O jogo havia mudado. E ela estava bem no centro dele.
Os dias seguintes foram um turbilhão. Liana foi instalada em aposentos luxuosos, um contraste absurdo com a decadência de sua antiga casa. Mas a sensação de ser uma figura estranha, um ET em seu novo mundo, persistia. Ela tinha um Imperador a alimentar e uma cozinha inteira de inimigos para enfrentar. A batalha pela culinária e pelo seu lugar no mundo apenas começava. Ela ainda sentia o peso das memórias de Elara, a insegurança, o medo de não ser o suficiente, mas a vitória, mesmo que pequena, a impulsionava. Ela seria uma Chef neste mundo, não importasse o quão primitivo ele fosse.
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Atualizado até capítulo 25
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