O bar do Cezinha era simples, mas vibrante. Mesas de plástico, cerveja gelada, fumaça do churrasquinho no ar, e aquele som de funk baixo vindo de uma caixa improvisada. Mas não era só isso. Tinha uma energia ali… diferente. Um ritmo que não seguia relógio, mas coração.
— Você vai se acostumar — Larissa disse, como se lesse minha mente. — Só não chega achando que vai entender tudo de cara. Aqui, as regras são outras.
Assenti. Ela me apresentou a uma senhora de olhar doce e braços fortes: a tia Doralice. Falou que ela fazia o melhor angu da Rocinha e que, se eu fosse esperta, pediria um prato antes de ir embora. Sorri, tentando parecer mais à vontade do que realmente estava.
Foi quando senti. Um olhar pesado.
Não precisava virar pra saber que era ele. Estava me observando. Me analisando. Como se meu simples gesto de estar ali já dissesse mais do que eu queria revelar.
Tadeu.
Encostado no carro preto, braços cruzados, tatuagens subindo pelo pescoço. A expressão era neutra, mas os olhos… os olhos denunciavam tudo. Ele estava atento.
Larissa percebeu.
— Relaxa. É só o jeito dele. Tá sempre com essa cara de quem vai matar alguém, mas geralmente não mata ninguém… hoje.
Tentei rir. Não saiu.
Ela me puxou pela mão e me levou até ele. Cada passo parecia mais barulhento que o anterior, mesmo com o som ao redor.
— Tadeu, essa aqui é a Lívia. Caloura de Direito. Tá perdida igual eu fui no começo — ela disse, largando a frase com naturalidade, mas sem dar abertura demais.
Ele me olhou de cima a baixo, como se lesse mais que minha roupa. Como se estivesse me decifrando.
— Faculdade, hein… — a voz dele era rouca, grave. — Já tá preparada pra ver como as leis funcionam de verdade?
Não entendi se era sarcasmo ou desafio. Mas senti que devia responder firme.
— Ainda não. Mas tô disposta a descobrir.
Ele curvou um canto da boca, como se aprovasse. Ou como se se divertisse com a tentativa.
— Isso é raro. A maioria que sobe aqui já vem com opinião pronta.
— Eu prefiro ver antes de julgar — respondi, sustentando o olhar dele.
Por dentro, tremia. Por fora, mantive o queixo erguido.
Ele assentiu devagar, depois desviou o olhar pra irmã.
— Tá cuidando dela, né?
— Como se fosse minha própria caloura — Larissa respondeu com um sorrisinho sarcástico.
Ele deu dois tapinhas no capô do carro, depois voltou a encostar.
— Então tá. Fica à vontade, Lívia.
Foi só isso. Uma troca de poucas palavras. Mas algo ficou no ar. Um tipo de acordo silencioso. Ele não era só o chefe do morro. Era o tipo de homem que sabia mais do que dizia — e guardava os segredos no olhar.
No caminho de volta, descendo a Rocinha na garupa da moto da Larissa, eu não falava. Só revivia aquela troca. A pergunta. A resposta. E os olhos dele.
Tinha alguma coisa ali.
E eu ainda não sabia se era o começo de um erro... ou de uma história que eu não conseguiria mais sair.
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Atualizado até capítulo 72
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