A chuva fina escorria pelas janelas da mansão Bellini, emoldurando a cidade de Florença com tons cinzentos e silenciosos. Era como se o mundo chorasse junto com ela.
Aurora estava deitada em sua antiga cama, no quarto que não ocupava há quase três anos. As paredes ainda tinham os quadros de quando era adolescente — uma bailarina em pose clássica, uma patinadora girando em meio ao gelo, e uma foto emoldurada dela com Leonardo, rindo abraçados num festival de inverno.
Quarto aurora
Agora, o riso era apenas uma lembrança.
O lençol bordado a envolvia como um abraço frio. Seus olhos estavam inchados, vermelhos, secos de tanto chorar — mas ainda doíam como se estivessem prestes a sangrar. Nos últimos dois dias, ela mal saíra do quarto. Recusava comida, ignorava mensagens, desligava o celular assim que alguém tentava se aproximar.
Chiara vinha todos os dias, trazendo chá e palavras gentis. Leonardo vigiava de longe, silencioso, como um leão ferido protegendo a irmã. Donatella passava as noites sentada na poltrona perto da cama, apenas acariciando o cabelo da filha, em silêncio. Salvatore, o pai, andava pela casa sem saber o que fazer — ele, um homem sempre tão seguro, agora impotente diante da dor da filha.
Na manhã do terceiro dia, Aurora acordou com o som da chuva batendo no telhado de vidro da varanda do quarto. Sentou-se na cama devagar, envolta no robe branco. Seus pés tocaram o chão de mármore frio. O espelho à frente refletia uma imagem que ela mal reconhecia.
Ela caminhou até ele.
Se olhou por longos segundos.
As olheiras. O olhar opaco. O corpo curvado. Como alguém podia mudar tanto em tão pouco tempo?
Tocou a moldura do espelho como se quisesse arrancar aquela versão triste de si.
— Quem sou eu agora? — sussurrou.
As lágrimas escorreram de novo, sem resistência. Era como se chorasse com o corpo todo. Um soluço forte veio do peito e ela caiu de joelhos no tapete, abraçando a si mesma. Chorou como uma criança. Como se estivesse sozinha no mundo.
Mas ela não estava.
A porta do quarto se abriu devagar. Leonardo entrou, calado. Ele a viu no chão, vulnerável, frágil — e o instinto de irmão foi mais forte.
— Anda — disse ele, ajoelhando-se ao lado dela. — Você não precisa carregar isso sozinha.
Aurora o abraçou. Forte. Como não fazia desde que se mudou para Roma. E ali, nos braços do irmão, ela desabou por completo.
— Eu me sinto vazia, Leo... Eu... me entreguei inteira pra ele. E agora parece que... que tudo que eu sou não é suficiente.
— Ele não era suficiente, Aurora. Você foi mais do que ele mereceu.
— Eu queria odiar ele. Mas eu não consigo. E isso me deixa com mais raiva de mim mesma.
Leonardo apertou os olhos, contendo a fúria.
— O que ele fez com você... — ele respirou fundo —... eu nunca vou perdoar. Mas agora, o que importa é que você se lembre de quem é. Você é Aurora Bellini. Você é luz. É arte. É força.
Ela o olhou nos olhos, buscando fé onde não havia mais. Ele sorriu fraco.
— E você vai se levantar.
Nos dias seguintes, a rotina mudou lentamente.
Aurora passou a descer para o café da manhã. Ainda em silêncio, ainda frágil, mas presente. Começou a caminhar pelos jardins da propriedade — ora sozinha, ora com Donatella. Visitava o velho estúdio de dança que Salvatore havia mandado reformar para ela anos atrás. Ficava lá, em pé no centro do piso de madeira, olhando os espelhos, tentando lembrar como era dançar sem dor no peito.
Ela não dançava. Não ainda. Mas permanecia ali. Respirando.
Chiara a levava para ver exposições, andar pela Piazza della Signoria, tomar sorvete nas ruas que guardavam sua infância. Nada funcionava como mágica. A dor ainda estava lá, mas já não a consumia com a mesma força.
À noite, escrevia em um caderno. Coisas que não dizia a ninguém. Como:
“Às vezes sinto falta dele mais do que gostaria de admitir. Mas sei que não posso voltar. Não posso aceitar ser um substituto. Eu sou inteira. E mereço alguém que me veja por completo.”
Do outro lado da cidade, em um carro escuro estacionado diante dos portões da mansão Bellini, Dante Moretti observava.
Sim, ele foi até lá.
Mas não teve coragem de descer.
Estava no banco de trás, tenso, os olhos fixos na varanda do andar superior. Viu uma sombra se mover — e soube que era ela. Ela estava ali. Ela voltara para a casa da infância. Para a segurança. Para tudo que ele desfez.
Mas não foi recebido. Leonardo o bloqueou. Salvatore o ignorou. Donatella o desprezava. E Aurora… ela o excluiu.
Ele ligou. Vinte e sete vezes.
Escreveu. Apagou.
Chegou a entrar no portão uma vez, mas foi barrado.
— "Senhor Moretti, o senhor foi instruído a não se aproximar."
Ele se calou. E foi embora.
Mas não desistiu.
Na noite do sétimo dia, Aurora foi até o lago dos fundos da propriedade. A água refletia a lua cheia e o céu limpo de verão. Ela sentou-se no banco de pedra, abraçando os joelhos, observando os reflexos trêmulos.
Então, sussurrou sozinha:
— Eu vou dançar de novo. Eu vou amar de novo. Mas não agora. Agora, eu só quero me lembrar de quem sou sem ele.
E naquele instante… pela primeira vez em dias…
Ela sentiu paz.
Mas do outro lado do país, em Roma… Beatrice Conti sorria diante de uma taça de vinho.
Beatrice
— "Ela foi embora, não foi?"
Matteo, sentado à sua frente, sorriu de volta.
— "Como planejado."
Beatrice girou o líquido no cristal e murmurou:
— "Agora, é só uma questão de tempo."
Continua
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 60
Comments