Pai

Mas eu sabia que alguém estava lá dentro.

Engoli seco. Meu coração acelerou um pouco.

Naquele momento, senti a presença de alguém atrás de mim. Me virei rápido, mas era só meu irmão, Lucas.

— Vamos, Mel — ele disse, colocando a mão no meu ombro.

Assenti, ainda olhando por cima dele, na direção do carro. Quando pisquei… o carro já não estava mais lá.

Como se nunca tivesse existido.

Olhei para Lucas, tentando entender se ele também tinha visto. Ele evitou meu olhar. Apertou minha mão com força e seguimos.

Naquele dia, em silêncio, decidi guardar aquilo só pra mim.

Mas no fundo, no fundo, eu sabia:

estavam me observando. E não era de agora.

Os dias passaram rápidos. Quatro dias depois, minha menstruação foi embora. A dor no corpo tinha passado, mas algo dentro de mim ainda pesava. Como se eu não fosse mais a mesma menina.

Na escola, tudo parecia igual, mas eu sentia que estava sendo vigiada. Não era uma sensação clara, era algo... sutil. Um olhar que eu não via, mas sentia. Às vezes, no pátio, nas janelas. Como se o mundo estivesse me cercando devagar.

Meu pai estava diferente. Trabalhando mais que nunca, saía antes do sol nascer e às vezes não voltava nem à noite. Passaram-se dias, e depois semanas assim. Ele não respondia as mensagens da mamãe, e já fazia oito dias que estava fora.

Mamãe tentou esconder, mas estava preocupada. Entrava no quarto, falava com ele pelo telefone, mas saía sem resposta. Eu percebia tudo. Sempre percebia.

O Natal estava chegando, e eu sempre amei essa época. As luzes, o cheirinho de canela e cravo que saía da cozinha, a música tocando baixinho na sala. Minha mãe, Liz, era quem mais se animava. Fazia planos, preparava a ceia, dizia que o Natal era um tempo de esperança.

Mas mesmo com a árvore montada e os biscoitos no forno, algo estava diferente naquele ano.

Meu irmão, Lucas, também. Desde o dia em que vi o carro preto perto da escola, ele não saiu mais de perto de mim. Era como se ele soubesse de algo que eu ainda não entendia.

Mas em vez de me assustar, ele começou a me treinar.

— Se alguém pegar seu braço, faça isso — ele dizia, me mostrando um movimento rápido com o punho.

— Nunca deixe alguém ficar atrás de você por muito tempo — e me girava, como se fosse uma dança de defesa.

Eu achava tudo aquilo estranho… mas também achava muito legal. Me sentia como uma heroína em segredo.

Dois dias antes do Natal, estávamos juntos na cozinha pegando algumas coisas para o jantar. A casa estava cheia de cheiros bons. Minha mãe preparava rabanada, arroz com passas, e o peru já começava a descongelar.

Foi quando ouvi ela descer as escadas com o celular na mão.

Os olhos estavam vermelhos. Ela tinha tentado falar com meu pai… de novo. E de novo… sem resposta.

Ela tentou sorrir quando me viu, mas eu sabia.

Algo estava errado.

E o Natal, aquele que eu sempre esperei com tanta alegria, estava prestes a ser muito diferente.

Estávamos todos à mesa. A comida cheirava bem, minha irmãzinha ria baixinho com um guardanapo na cabeça, e por um segundo, tudo parecia normal.

Foi quando ouvimos o barulho de um carro parando bruscamente no portão.

Silêncio. Meu coração deu um salto no peito.

Meu irmão foi o primeiro a se levantar.

A porta da frente se abriu com violência. Era meu pai.

Mas... não era o pai que eu conhecia.

Ele estava ferido. O rosto inchado, com cortes profundos, um olho quase fechado. O braço direito enfaixado com algo improvisado, e a roupa manchada de sangue seco e sujeira.

Minha mãe soltou o prato das mãos. A porcelana se estilhaçou no chão, mas ninguém se mexeu para limpar. Ela correu até ele com um grito preso na garganta.

— Carlos?! Meu Deus... o que aconteceu?!

Ele cambaleou até a sala e caiu no sofá como um peso morto.

Meu irmão ficou parado. Os punhos cerrados, o maxilar travado, os olhos pegando fogo. Estava com raiva — mas não do nosso pai. Era como se estivesse preparado pra isso, como se soubesse que um dia ia acontecer.

Eu fiquei ali, imóvel. O garfo ainda na minha mão, a comida esquecida no prato. Minha irmãzinha, sem entender, olhava assustada pra mamãe.

Meu pai respirava com dificuldade. Os olhos correram pela sala até pararem em mim. Ele tentou sorrir — mas era um sorriso quebrado, fraco, de quem sabia que as coisas não voltariam a ser como antes.

— Mel..., ele murmurou com a voz rouca. — Eu voltei. Eu disse que voltaria pra proteger vocês...

Minha mãe chorava, tentando limpar o sangue do rosto dele com um pano de prato.

— Quem fez isso com você?! — ela perguntava. — Onde você esteve, Carlos?

Ele não respondeu.

Só estendeu a mão machucada e pegou a de Lucas. Olhou firme nos olhos do meu irmão e disse com dificuldade:

— Está na hora... Você sabe o que fazer. Proteja sua irmã. Custe o que custar.

Lucas apenas assentiu. Sem dizer uma palavra.

E foi naquele instante — com o cheiro de comida misturado ao cheiro de sangue, com o Natal à porta e meu pai caído como um soldado — que eu soube.

Minha vida nunca mais seria a mesma.

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Comments

Elenice Martins

Elenice Martins

desculpe autora, tô achando essa história sem graça, não está prendendo ,vou ficar por aqui

2025-08-16

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