Mistério

O peito acelerou. As mãos tremiam. Não era medo… era outra coisa. Um tipo de estranhamento. Como se aquele momento fosse um portal. Um ritual silencioso que só eu estava atravessando.

Corri até o quarto dos meus pais, batendo de leve na porta.

— Mãe... — chamei com a voz fraca.

Ela abriu a porta quase na mesma hora, como se já soubesse. Me viu ali, com os olhos marejados e as mãos segurando a barra do pijama.

— Aconteceu... — sussurrei.

Ela não precisou perguntar o quê. Apenas me abraçou com força.

— Meu amor... — disse, passando a mão nos meus cabelos. — Chegou a hora. Agora, você é mesmo uma mocinha.

Me levou até o banheiro com cuidado. Me ajudou. Me explicou de novo, com paciência, com ternura. Me fez um chá e sentou do meu lado até eu dormir.

Mas antes de fechar os olhos, com o quarto escuro e o silêncio preenchendo tudo, pensei em uma coisa que não consegui ignorar:

No exato dia em que completei 15 anos…

no exato momento em que meu corpo se transformou...

algo dentro de mim acordou.

E eu sabia.

Nada seria como antes.

Adormeci de novo, ainda com a sensação quente do abraço da minha mãe. Quando acordei, ela estava sentada na beira da cama com uma xícara de chá e um remédio na mão.

— Ainda está cedo, Melzinha — disse, com aquele tom calmo e doce. — Mas é bom tomar pra aliviar logo.

Eu ainda estava sonolenta, meio confusa, até lembrar o que tinha acontecido horas antes. A dor, o sangue, a conversa com minha mãe. Respirei fundo, tomei o remédio e me encolhi de novo.

Ela colocou uma compressa morna na minha barriga e disse:

— Vai passar logo. É só o começo, meu amor.

Adormeci outra vez.

Dessa vez, quando acordei, não havia mais dor. Me levantei com um pouco mais de ânimo e corri pro banheiro. Tomei banho sozinha, meio devagar, sentindo cada detalhe do meu corpo como se fosse novo. Minha mãe me ajudou a colocar o absorvente. Explicou de novo, com paciência, como fazer. Eu assenti, mais confiante.

Ela preparou minha mochila com tudo o que eu precisava: remédio, absorvente extra, calcinha limpa, farda reserva. Me senti como alguém se preparando para uma missão secreta.

Desci para tomar café achando que o dia seguiria normalmente.

Mas meu pai estava na cozinha.

Logo cedo. No início da manhã. Isso nunca acontecia.

Ele me olhou de um jeito diferente. Firme, direto, mas não bravo. Quase… nervoso. E então disse:

— Bom dia, Melissa.

Melissa. Ele nunca me chamava pelo nome. Sempre era "filha" ou apenas um olhar.

Meu corpo gelou.

Olhei pra ele sem saber o que responder. A xícara nas mãos da minha mãe ficou suspensa no ar. Até ela ficou confusa.

— Filha… — ele continuou, a voz mais baixa agora — eu te amo. Sempre vou te proteger.

Fez uma pausa, como se estivesse escolhendo bem as palavras.

— Sei que sou fechado, que às vezes pareço distante, mas é o meu jeito. Eu amo vocês mais que tudo. E… se for preciso, dou a minha vida por vocês.

Aquilo me desmontou por dentro.

Meu pai… aquele homem duro, silencioso, que parecia sempre ausente, estava dizendo que morreria por mim. E não era só isso. Era o jeito como ele me olhava. Como se soubesse. Como se visse algo que nem eu sabia explicar.

Corri e abracei ele com força. Um abraço de quem tem medo e precisa de abrigo.

Ele me segurou forte, com a mão pesada nas minhas costas, como se tentasse me ancorar no chão.

Minha mãe ficou olhando, sem entender nada. Meu irmão, calado, apenas observava. Mas eu senti. Eles sabiam. Algo estava mudando.

E naquele momento, dentro daquele abraço estranho e reconfortante ao mesmo tempo, eu entendi:

meus pais não estavam apenas cuidando de mim. Eles estavam se preparando para me proteger de algo. Algo que talvez estivesse se aproximando.

O dia seguiu quase normal.

Na escola, tudo estava como sempre: os corredores barulhentos, os professores repetindo as mesmas instruções, Rosa sentada longe, fingindo que eu não existia. Eu tentava me concentrar, mas minha cabeça estava em outro lugar.

Mesmo sem dor, me sentia diferente. Não era só o corpo. Era como se os meus olhos estivessem mais atentos, como se minha pele escutasse o ambiente.

Foi aí que notei.

Na saída da escola, encostado discretamente na rua lateral, havia um carro preto. Um modelo antigo, com os vidros escuros. Nunca o tinha visto ali antes — e eu sempre reparava em tudo.

A escola era pequena, em um bairro calmo. Quase todos os carros que paravam ali eram de pais ou da van escolar. Mas aquele carro... estava ali antes da aula começar. E ainda estava lá no final.

Fiquei olhando por alguns segundos, parada com a mochila pendurada num ombro só.

Acho que a maioria dos Adolescentes nem teria notado. Mas eu tinha algo em mim, algo que sempre prestava atenção no que os outros ignoravam. Era como se dentro de mim existisse uma sirene silenciosa que só tocava para mim.

O carro não se mexeu. Ninguém desceu.

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