Capitulo Dois - O Silêncio do Abandono...

No Passado,

Era uma madrugada fria e úmida, daquelas em que o vento parece sussurrar segredos que ninguém quer ouvir. A lona puída que servia de teto balançava levemente com o sopro da brisa, e sob ela, quatro pequenos corpos dormiam encolhidos, protegendo-se do mundo como podiam.

Victoria permaneceu em pé por um longo tempo, observando os filhos sob a luz fraca de um poste distante. Usava um casaco surrado e os cabelos estavam presos às pressas. Ao lado do pé, repousava um saco de lixo preto — dentro, suas roupas, seus poucos pertences, e junto a eles, a decisão mais cruel que já tomara.

Aproximou-se de cada um devagar. Keven, com os lábios entreabertos, dormia agarrado ao cobertor furado. Juliano ressonava baixinho, os braços jogados para fora, com uma bolacha quebrada ainda na mão. Lara, encolhida contra Helena, apertava um boneco sem um dos braços. E Helena... mesmo dormindo, franzia a testa, como se pressentisse a tragédia que se aproximava.

Victoria se ajoelhou ao lado da filha mais velha. Uma lágrima grossa desceu por seu rosto sujo de poeira e cansaço. Tocou com a ponta dos dedos os cabelos de Helena, sem ousar um carinho inteiro. O medo de acordá-la era menor que a covardia de encará-la.

— Me perdoa, minha menina... — sussurrou, num fio de voz que se perdeu no vento.

Ela se levantou devagar, pegou o saco, olhou uma última vez para os filhos — seus filhos — e virou as costas. Saiu sem fazer barulho, como uma sombra. Atravessou o lixão com passos vacilantes, desviando de montes de lixo e restos queimados. A cada passo, o peso da culpa apertava mais o peito, mas ela não olhou para trás. Não podia. Sabia que, se o fizesse, não teria forças para continuar.

Desapareceu na escuridão como quem nunca existiu.

A manhã chegou envolta por nuvens cinzentas. O céu parecia carregar o mesmo luto que Helena sentiria minutos depois.

O choro de Lara rompeu o silêncio abafado da barraca. Um som agudo, desesperado. Helena abriu os olhos, ainda sonolenta, e viu a irmã menor sentada, esfregando os olhinhos, com o rosto sujo de lágrimas.

Juliano, com apenas oito anos, remexia o bolso tentando encontrar algo para distraí-la. Estendeu uma bolacha seca, quebradiça.

— Cadê a mamãe? — perguntou Keven, os olhos grandes, azuis e assustados. Com o carinho sem rodas apertando contra o peito, como um escudo.

Helena se sentou devagar. Seus olhos percorreram a barraca.

O cobertor da mãe... não estava ali.

A sacola com os mantimentos... havia sumido.

A caixa de madeira, onde guardavam suas moedas... vazia.

O estômago de Helena deu um nó. Ela se levantou num salto, o coração batendo alto nos ouvidos. Saiu correndo pela trilha de barro, os pés descalços afundando no chão molhado. Chegou até o ponto de ônibus perto da cerca de arame. O banco estava vazio. Um homem dormia mais adiante, embrulhado em papelão, mas não vira ninguém.

— Moça... a senhora que tava com três crianças? Sumiu de noite. Pegou um ônibus — disse uma senhora, mexendo em sacos de latinha. — Nem olhou pra trás.

Helena não disse nada. Apenas sentiu o chão ceder.

Voltou em passos lentos, cada passo mais pesado que o outro. Juliano, Lara e Keven a esperavam, sentados como filhotes perdidos.

— Ela... ela não vai voltar? — perguntou Juliano, tentando parecer forte, mas a voz falhava.

Helena olhou para ele, e pela primeira vez, sentiu-se arrancada da infância.

— Não. Agora sou eu que cuido de vocês.

Naquela noite, todos dormiram colados ao corpo dela. Lara sobre seu peito, os meninos um de cada lado. Do lado de fora, o mundo era hostil e escuro, mas ali dentro, a menina de dez anos aprendeu o que era ser mãe, irmã, pai, tudo ao mesmo tempo.

E quando finalmente o silêncio caiu de novo, Helena abriu os olhos e encarou o teto de lona. A respiração estava presa na garganta. O abandono tinha gosto de ferro na boca, e a dor — a dor era funda demais para ser chorada.

Ela não sabia como faria.

Mas faria.

Porque agora ela era o último abrigo deles.

Helena, Juliano, Keven e lara.

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Comments

Dorameira

Dorameira

Concordo, muitas crianças sofrem isso, é muito triste.

2025-07-20

0

Thaliaa Vieira

Thaliaa Vieira

Coisas triste 😔 realidade de muitas crianças

2025-07-13

0

Celia Aparecida

Celia Aparecida

meu Deus esse destino, é muito triste

2025-07-21

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo Um...
2 Capitulo Dois - O Silêncio do Abandono...
3 Capitulo Três - O menino do farol...
4 Capitulo Quatro - A Dor que Alguém Escolheu Chamar de Amor...
5 Capitulo Cinco - A Primeira Lâmina...
6 Capítulo Seis – Entre a Febre e a Saudade...
7 Capitulo Sete - Um céu cinza e as estrelas de papel...
8 Capitulo Oito - Um jantar, uma amizade de verdade...
9 Capitulo Nove - Portões Fechados
10 Capitulo Dez - O Aniversário de Juliano...
11 Capitulo Onze - A Última Infância
12 Capitulo Doze - A despedida...
13 Capitulo Treze -Dezoito Anos
14 Capítulo Catorze - Reflexos Partidos...
15 Capítulo Quinze – A Oferta Silenciosa...
16 Capitulo Dezesseis - O Café, o Cortiço e a Escolha
17 Capitulo Dezessete - Conhecendo o local..
18 Capitulo Dezoito - A Estreia de Cristal
19 Capitulo Dezenove - Olhares que Queimam...
20 Capítulo Vinte – Um Novo Teto
21 Capítulo Vinte e Um – Novos Começos
22 Capítulo Vinte e Dois – A Joia Mais Cara da Casa...
23 Capítulo Vinte e Três – Olhos de Vidro, Corpo de Fogo...
24 Capítulo Capitulo Vinte e Quatro – A Dança Queimava Por Dentro
25 Capitulo Vinte e Cinco - O Preço da Promessa...
26 Capítulo Vinte e seis– A Noite em Que Morri Pela Primeira Vez
27 Capítulo Vinte e sete – O Preço de Ser Desejada
28 Capítulo Vinte e oito – Corações em Guerra...
29 Capítulo Vinte e Nove – O Lugar de Uma Mulher Como Eu...
30 Capítulo Trinta – O Vazio Depois do Fogo...
31 Capítulo Trinta e um– A Última Noite...
32 Capítulo Trinta e dois – O Sim Que Não Era Dela...
33 Capítulo Trinta e quatro - Noite no Cortiço...
34 Capitulo Trinta e Cinco - A Descoberta...
35 Capitulo Trinta e Seis - Tudo por Amor...
36 Capitulo trinta e sete - O Primeiro Passo...
37 Capítulo Trinta e Nove – O Preço do Teto...
38 Capítulo Quarenta – A Linha que Não Queria Cruzar...
39 Capítulo Quarenta e um - O Preço da Esperança...
40 Capitulo Quarenta e dois - Heitor observa Helena em segredo...
41 Capítulo Quarenta e três– Rastros na Poeira...
42 Capitulo Quarenta e quatro - Heitor no cabaré, observando Cristal...
43 Capitulo Quarenta e cinco – Entre Espelhos e Feridas...
44 Capítulo Quarenta e seis– Silêncios Aconchegantes...
45 Capítulo Quarenta e sete – O Presságio de Dona Joana
46 Capitulo Quarenta e Oito -A Proposta do Advogado...
47 Capítulo Quarenta e nove – O Encontro com o Homem Misterioso...
48 Capítulo Cinquenta – Um contrato com destino...
49 Capítulo Cinquenta e Um– A Última Noite de Cristal...
50 Capítulo Cinquenta e dois– Escolhas Silenciosas...
51 Capítulo Cinquenta e três – O contrato e a despedida...
52 Capítulo Cinquenta e quatro– A Chegada à Mansão...
53 Capitulo Cinquenta e cinco - A biblioteca e o primeiro jantar...
54 Capitulo Cinquenta e seis - A despedida no corredor e o choro da noite...
55 Capitulo Cinquenta e sete - A manhã seguinte...
56 Capitulo cinquenta e oito - O casamento...
57 Capítulo Cinquenta e nove- A casa dos sonhos...
58 Capítulo Sessenta - A grande notícia...
59 Capítulo Sessenta e um -Deixando tudo para trás...
60 Capitulo Sessenta e Dois - O novo Lar...
61 Capitulo Sessenta e Três - A mudança...
62 Capítulo Sessenta e Quatro - Noite de pipoca e a foto da mãe...
63 Capítulo Sessenta e Cinco - O grande dia na nova vida...
64 Capítulo Sessenta e Seis - De volta para a mansão Monteiro...
65 Capítulo Sessenta e Sete - Os preparativos...
66 Capítulo Sessenta e Oito - A entrada triunfal...
67 Capítulo Sessenta e Nove - Os monteiros...
68 Capítulo Setenta - O Passado à Porta...
69 Capítulo Setenta e um - Entre Olhares e Silêncios...
70 Capítulo Setenta e dois - Dividindo o mesmo quarto...
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Atualizado até capítulo 70

1
Capítulo Um...
2
Capitulo Dois - O Silêncio do Abandono...
3
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Capitulo Quatro - A Dor que Alguém Escolheu Chamar de Amor...
5
Capitulo Cinco - A Primeira Lâmina...
6
Capítulo Seis – Entre a Febre e a Saudade...
7
Capitulo Sete - Um céu cinza e as estrelas de papel...
8
Capitulo Oito - Um jantar, uma amizade de verdade...
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Capitulo Nove - Portões Fechados
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Capitulo Onze - A Última Infância
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Capitulo Dezessete - Conhecendo o local..
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Capitulo Dezoito - A Estreia de Cristal
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Capitulo Dezenove - Olhares que Queimam...
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Capítulo Vinte – Um Novo Teto
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Capítulo Vinte e Um – Novos Começos
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