Capítulo 5 – Farpas e Faíscas

O sol já estava alto quando desci para o escritório antigo do meu avô. Havia pilhas de pastas empoeiradas, cadernos de anotações amareladas e uma caixa com contas acumuladas dos últimos meses.

Sentei-me à escrivaninha de madeira maciça e comecei a organizar os papéis. Enquanto separava os contratos, percebi que muitas anotações eram feitas à mão, sem registro formal. Tudo administrado à moda antiga.

Suspirei.

Era mais grave do que eu imaginava.

Peguei minha pasta, abri meu notebook e comecei a montar um plano simples de reestruturação. Os salários dos peões, os custos com alimentação, as dívidas da seca do último ano... Tudo precisava ser reavaliado. A fazenda ainda tinha valor, mas estava mal gerida.

Foi então que ouvi passos decididos se aproximando.

Nem precisei olhar para saber.

— A gente não precisa de planilha pra cuidar da terra. — disse Alessandro, com a voz baixa, porém firme.

Levantei os olhos.

Ele estava encostado na porta, braços cruzados, com a camisa levemente suada e o semblante mais fechado do que na noite anterior.

— E você continua chegando sem bater — retruquei, voltando o olhar para a tela.

— Isso aqui sempre foi minha rotina. Agora tem alguém mexendo em tudo, e eu não fui avisado.

— Estou apenas tentando entender o que está acontecendo com a fazenda. — respondi, mantendo o tom calmo. — E sinceramente, Alessandro, tem muita coisa errada.

— Eu dou conta.

— Não, você não dá. — levantei da cadeira, segurando uma das pastas. — Os gastos com ração estão acima do razoável, o curral tem vazamentos, os cavalos estão sem ferrageamento regular e... os funcionários têm salários atrasados.

Ele me encarou por alguns segundos, a mandíbula tensa.

— Você sumiu por dez anos. Agora volta e quer dizer como tudo deve funcionar?

— Eu fui embora porque vi você com outra. — minha voz saiu cortante, mais alta do que eu pretendia.

Silêncio.

Os olhos dele se cravaram nos meus. Um abismo entre nós.

— E você nunca me deu chance de explicar. — ele respondeu, mais baixo. — Só fugiu.

— Porque doeu. Doeu mais do que qualquer coisa que eu já tinha sentido.

— E você acha que em mim não doeu também?

Fiquei em silêncio. Não esperava que ele admitisse. Não esperava nada. E talvez por isso, cada palavra dele me atingia como tiro certeiro.

Ele respirou fundo, se aproximando um pouco.

— Eu sei que fiz muita coisa errada... mas você viu um momento, Manuela. Um só. E tomou sua decisão.

— E você não me procurou. — sussurrei, engolindo a raiva e o nó na garganta. — Você deixou por isso mesmo.

— Você tinha ido embora. Mudado de número, de cidade, de país. Eu sou só um cowboy, Manuela. Você virou uma estrela.

— Não me romantiza agora. — dei um passo para trás. — A verdade é que foi mais fácil deixar pra lá do que enfrentar.

Ele deu um leve sorriso, mas era amargo.

— E agora? Tá pronta pra enfrentar?

Não respondi.

Não sabia a resposta.

O ar entre nós ficou denso. O silêncio não era confortável. Era cheio de coisas não ditas. De mágoas antigas. De saudade camuflada.

— Vou continuar trabalhando aqui — avisei, voltando à pasta. — Meus avós precisam de mim. E essa fazenda também.

— Só não se esqueça que esse lugar tem regras.

Levantei o olhar.

— E talvez esteja na hora de mudar algumas delas.

Ele assentiu devagar, virou-se e saiu, batendo a porta com um estalo seco.

Fiquei ali, com os olhos cravados na madeira da porta fechada. Sentindo o peito apertado, os dedos tremendo e uma raiva que misturava com... desejo?

Não.

Aquilo era o passado falando. Só podia ser.

🌾🌾🌾🌾

Mais tarde, depois de passar a manhã entre papéis e registros, fui até o campo conversar com dois peões antigos da fazenda. Um deles, Tião, me recebeu com um sorriso cansado.

— Menina Manuela... fazia tempo que a gente não via esse lugar com ar de esperança.

— Espero poder fazer alguma diferença, Tião.

— Já fez. Só de ter voltado.

Conversei com eles sobre a necessidade de reorganizar as tarefas, pensar em novos fornecedores, buscar ajuda com máquinas mais modernas. Eles pareciam receptivos — cansados, mas esperançosos.

A tarde estava quente quando retornei para o casarão. Na varanda, encontrei minha avó com uma carta nas mãos. O rosto sério.

— O que houve? — perguntei, sentando ao lado dela.

— Uma notificação do banco. Se a gente não quitar parte da dívida da última safra, vamos ter problemas com o campo de soja.

— Eu posso cuidar disso. Deixa comigo.

Ela me olhou com aquele olhar de quem vê além.

— Eu sei que você pode. Só cuida do seu coração também. A terra exige muito, mas o coração exige mais.

Fiquei em silêncio, olhando o campo ao longe.

O céu já começava a se tingir de laranja.

E, mesmo com a brisa quente acariciando meu rosto, um arrepio percorreu minha espinha.

Algo me dizia que aquela conversa com Alessandro...

Foi só o começo.

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Fatima Gonçalves

Fatima Gonçalves

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2025-07-23

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Capítulos
1 Capítulo 1 – A Ligação
2 Capítulo 2 – De Volta ao Início
3 Capítulo 3 – Verdades Silenciosas
4 Capítulo 4 – Pegadas no Chão
5 Capítulo 5 – Farpas e Faíscas
6 Capítulo 6 – O Outro Lado da Cerca
7 Capítulo 7 – A Invasora
8 Capítulo 8 – Um Segundo de Eternidade
9 Capítulo 9 – Entre a Razão e o Desejo
10 Capítulo 10 – Silêncios Que Falam
11 Capítulo 11 – A Linha Tênue
12 Capítulo 12 – Aquilo Que a Gente Não Diz
13 Capítulo 13 – O Gosto do Que Ainda Existe
14 Capítulo 14 – Quando o Desejo Fala Mais Alto
15 Capítulo 15 – O Que Está Fora do Lugar
16 Capítulo 16 – O Silêncio Também Dói
17 Capítulo 17 – Quando o Amor é Silencioso Demais
18 Capítulo 18 – Quando Ficar em Silêncio Machuca
19 Capítulo 19 – E Se For o Coração Que Decide?
20 Capítulo 20 – A Gente Se Percebe no Silêncio
21 Capítulo 21 – O Começo do Fim
22 Capítulo 22 – A Corda Que Estica Demais
23 Capítulo 23 – O Quebrar do Orgulho
24 Capítulo 24 – Quando o Coração Não Quer Esperar
25 Capítulo 25 – Entre o Que Fica e o Que Parte
26 Capítulo 26 – A Confissão Que Não Aguenta Mais Esperar
27 Capítulo 27 – Entre o Silêncio e a Tempestade
28 Capítulo 28 – A Escolha Que Liberta
29 Capítulo 29 – Um Novo Dia, Um Novo Nós
30 O Lugar que Sempre Foi Meu HOT +18
31 Capítulo 31 – A Manhã Depois do Nós
32 Capítulo 32 – A Terra e o Laço
33 Capítulo 33 – O Rosto da Tempestade
34 Capítulo 34 – Vozes do Passado, Força do Presente
35 Capítulo 35 – Linha de Fogo
36 Capítulo 36 – Cercada por Sombras
37 Capítulo 37 – Ausências e Intenções
38 Capítulo 38 – De Volta ao Campo de Batalha
39 Capítulo 39 – Entre a Lei e o Desejo
40 Capítulo 40 – Justiça, Laços e Feridas
41 Capítulo 41 – Quando a Justiça Encontra a Verdade
42 Capítulo 42 – O Dia em que a Verdade Falou Alto
43 Capítulo 43 – Quando a Sombra se Move Outra Vez
44 Capítulo 44 – O Jogo Começa do Meu Lado
45 Capítulo 45 – Onde Tudo Recomeça
Capítulos

Atualizado até capítulo 45

1
Capítulo 1 – A Ligação
2
Capítulo 2 – De Volta ao Início
3
Capítulo 3 – Verdades Silenciosas
4
Capítulo 4 – Pegadas no Chão
5
Capítulo 5 – Farpas e Faíscas
6
Capítulo 6 – O Outro Lado da Cerca
7
Capítulo 7 – A Invasora
8
Capítulo 8 – Um Segundo de Eternidade
9
Capítulo 9 – Entre a Razão e o Desejo
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