O céu do Texas parecia ainda maior do que eu lembrava.
Do banco de trás do carro que me levava da cidade até a fazenda, observei o horizonte se estender como uma aquarela viva. Campos verdes, cercas de madeira, cavalos ao longe. A terra vermelha. O cheiro da liberdade e do passado.
Meu peito apertava a cada quilômetro. Era como se meu corpo soubesse que estava voltando para um lugar onde o coração já tinha sangrado.
A Fazenda Monteiro surgiu como um suspiro antigo. O casarão branco, alto, cercado por árvores e uma varanda com as mesmas cadeiras de balanço de antes. A casa parecia resistir ao tempo, mesmo que o tempo tivesse mudado tudo.
O carro parou. Desci devagar, sentindo o chão firme sob meus pés. Por um instante, apenas respirei. Era como se cada partícula de ar carregasse lembranças: os risos no campo, as tardes com Lisa, o calor das mãos de Alessandro nas minhas.
A porta da frente se abriu antes que eu alcançasse os degraus.
— Menina Manuela! — a voz veio firme e doce, cheia de emoção. Era dona Célia, com o avental ainda amarrado e os braços abertos. — Olha só pra você… tão mulher! E tão linda.
Não consegui evitar o sorriso. Nem as lágrimas que surgiram sem aviso.
Corri até ela e a abracei forte. O cheiro de bolo de fubá e carinho caseiro me envolveu como uma onda.
— Você não sabe como é bom te ver. — murmurei, com a voz embargada.
— Seus avós vão ficar tão felizes, minha filha… — ela sussurrou no meu cabelo. — Eles falam de você todos os dias. Não queriam te preocupar, mas eu sabia que você precisava saber. A fazenda… a saúde deles… as coisas tão difíceis.
Assenti, respirando fundo.
— Tô aqui agora. E vou cuidar de tudo.
Subimos juntas para o segundo andar. O corredor era o mesmo: chão de madeira que rangia sob os pés, quadros antigos nas paredes, o aroma leve de lavanda que sempre me acalmava.
Bati na porta do quarto antes de entrar.
Minha avó estava sentada na poltrona, enrolada em uma manta xadrez, os cabelos brancos penteados com esmero, o olhar brilhando quando me viu. Meu avô, deitado na cama, sorriu assim que me enxergou, mas quem falou primeiro foi ela.
— Eu disse que você viria. — disse com firmeza. A voz não era fraca, apenas mais pausada, como se cada palavra carregasse cuidado. — Sabia que meu coração ia chamar você de volta.
Fui até ela e me ajoelhei ao seu lado.
— Como você tá, vó?
— Melhorando. O coração é teimoso, mas ainda funciona. — ela piscou. — E agora que você está aqui, vai bater mais forte. Essa casa precisa de vida. E você sempre trouxe isso pra ela.
Segurei sua mão. Quente, firme. Ainda era ela.
Meu avô se virou na cama, com esforço.
— Filha... você cresceu tanto.
— Sinto muito por ter demorado — minha voz saiu engasgada.
— Você virou uma mulher. Daquelas que dá gosto ver. Sua mãe teria tanto orgulho…
Fechei os olhos. A menção à minha mãe sempre me desarmava.
— Vim pra cuidar de vocês. E da fazenda também, se for preciso.
Minha avó assentiu.
— A fazenda tem estado... cansada. Alessandro faz o que pode, mas é muito peso pra pouca gente. E seu avô não tem mais o mesmo fôlego.
— Eu vou ver o que está acontecendo. Prometo.
Ficamos ali, por longos minutos, em silêncio. Apenas sentindo a presença um do outro. Como se o tempo não tivesse passado.
Quando saí do quarto, dona Célia me esperava no corredor, com uma xícara de chá quente nas mãos.
— Vai te fazer bem. — ela disse, me entregando.
— Obrigada, Célia.
— Lisa tá vindo te ver. Tá doida pra te abraçar.
Sorri.
— Eu também tô com saudade dela.
Descemos para a cozinha. A casa ainda tinha aquele som de vento entrando pelas janelas, de madeira viva. O chão sob meus saltos parecia estranho. Nova York era feita de concreto. Aqui, tudo ainda respirava.
— E Alessandro? — perguntei sem encarar dona Célia.
Ela suspirou, puxando uma cadeira para sentar.
— Continua aqui. Trabalhando muito. Assumiu tudo depois que seu avô começou a adoecer. Cuida dos animais, da lavoura, dos peões. Só não cuida de si mesmo.
— Ele está... bem?
— Alessandro carrega coisas no peito que nem eu consigo ver direito. Mas mudou, sim. Ficou mais calado. Mais duro. Você partiu... e ele ficou meio quebrado também.
— Eu vi ele com a Vitória. Com os meus próprios olhos.
— Eu sei o que você viu, minha filha. Só não sei o que ele viu. Nem o que sentia na hora. Só sei que doeu em todo mundo.
Antes que eu pudesse responder, ouvi passos no chão da varanda.
Olhei pela janela. E parei de respirar.
Ele estava ali.
Alessandro.
Sem chapéu. Cabelos bagunçados pelo vento. Camisa azul de algodão, as mangas dobradas nos antebraços fortes. Botas marcadas pela poeira. Aquele mesmo olhar escuro, firme, mas com algo diferente.
Tempo.
Distância.
Silêncio.
Ele cruzou a porta devagar.
Nossos olhos se encontraram.
Por um momento, o mundo ficou mudo.
— Manuela. — ele disse, apenas. Meu nome soando baixo, quase como um segredo.
— Alessandro.
Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.
Ele assentiu com a cabeça, como se estivesse pesando tudo o que não podia dizer.
— Você tá... diferente.
— O tempo muda as pessoas.
— É verdade. — ele desviou o olhar, como se aquela verdade doesse mais do que devia.
Um silêncio se estendeu entre nós. Não havia raiva explícita, mas também não havia paz. Era como se um campo minado separasse nossas palavras.
— Vim pelos meus avós. — falei. — E pela fazenda.
— Eles precisam de você. E a fazenda... também.
— Então é isso.
— É. — ele respondeu, seco. — Bem-vinda de volta.
E saiu.
Deixando atrás de si apenas o som de suas botas no assoalho…
E um coração que, contra todas as promessas, ainda lembrava como doía vê-lo partir.
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Atualizado até capítulo 45
Comments
Fatima Gonçalves
ELA NÃO PERGUNTOU NADA NÃO DEU O BENEFÍCIO DA DÚVIDA
2025-07-23
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