Vínculo

Lana jogou o celular de lado, soltando um suspiro longo. A noite estava avançando devagar, daquele jeito arrastado que só os dias difíceis sabem ser. Enquanto montava um improviso de piquenique no chão da sala, sentia o corpo exausto, mas a mente fervendo. A falta de móveis era quase simbólica — uma casa ainda em branco, como ela. Cheia de buracos, mas com alguma chance de reconstrução.

Abriu os pacotes de salgadinhos com pressa, jogou tudo num prato fundo como se aquilo fosse um banquete, e cercou com as garrafas que tinha aberto antes. Era ridículo, desorganizado... e exatamente o que ela precisava. Algo real, cru, sem maquiagem.

— É assim que eu recebo visitas — disse, oferecendo um copo a Mateo, com um sorriso torto, cansado, mas honesto.

Ela se sentou com as pernas cruzadas sobre uma manta velha, ainda com a regata branca meio torta, a alça caindo pelo ombro como se nem ela tivesse mais energia pra se ajustar. O coque no alto da cabeça já tinha desmoronado faz tempo, e os cabelos caíam pelo rosto, livres. Havia algo bonito naquela bagunça — no jeito como ela se permitia estar quebrada sem tentar disfarçar.

Mateo aceitou o copo com uma inclinação leve da cabeça. Sentou-se de frente pra ela, as costas apoiadas na parede fria, as pernas esticadas à frente como se quisesse deixar claro: estava à vontade, mas sem invadir. O olhar, no entanto, era atento. Um tipo raro de atenção. Ele não parecia apressado pra falar, nem interessado em impressionar. Só... presente.

— Vi você mais cedo, quando chegou no prédio — disse ele, depois de um gole. — E fiquei me perguntando... como foi seu dia? Por que você tava com aquela cara de quem tinha perdido tudo? O que aconteceu pra essa mudança tão repentina?

Ela soltou uma risada seca, dessas que mais machucam do que aliviam. Passou a mão nos cabelos, depois nos lábios, como se buscasse algum filtro — mas acabou dizendo tudo de uma vez.

— Acordei pela manhã e encontrei um desfile no meu apartamento. Sutiã no chão da sala, salto alto perto da porta, tênis jogado no corredor. E quando olhei pro quarto... meu namorado dormia com outra. Na minha cama. Na nossa cama. — Ela fez uma pausa. — Então decidi que preferia lidar com caixas, aluguel caro, parede sem cor e dor de cabeça... do que continuar lidando com um idiota sem vergonha na cara.

Deu um gole longo. Queria que a cerveja queimasse mais do que a memória.

Mateo arqueou a sobrancelha, mas não disse nada por alguns segundos. Só a observou, como se estivesse tentando entender não só o que ela dizia — mas o que não dizia também.

— Justo — disse, por fim. — Eu teria mudado de cidade.

— Pensei em mudar de país. Mas a conveniência aqui do prédio vende vodka. Já é um bom começo.

Os dois riram. E pela primeira vez naquela noite, o riso dela não pareceu tão forçado. Um segundo depois, o silêncio caiu de novo, mas dessa vez era confortável. Um silêncio cúmplice.

Mateo olhou o próprio copo e passou o dedo pelo vidro úmido, como quem arrasta um pensamento difícil.

— Você não parece fraca.

— Não sou — ela respondeu, firme. — Só estou cansada de fingir que não dói.

Ele assentiu. Com um respeito silencioso. Um homem que entendia, mesmo sem perguntar mais.

E ali, no meio do caos daquela sala vazia, entre latas amassadas, garrafas abertas e comida de conveniência, os dois construíram um espaço seguro. Sem promessas, sem histórias demais. Apenas a leve e inesperada certeza de que aquela noite, estranhamente, não seria perdida.

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Comments

Fabiana Brum

Fabiana Brum

já amei muito já estou ansiosa pra ler os próximos capítulos mais mais. 🥰🥰👏👏

2025-07-12

2

Anonymous

Anonymous

👏👏👏

2025-07-20

1

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