Celine Scobbar
Saí do banho, enxugando o cabelo com a toalha, meio esperando encontrar o Vlad ali — ou pelo menos um sinal dele. Mas o quarto estava vazio. Porta fechada, cama do jeito que ele deixou.
Nem um bilhete, nem um “tô saindo, volto logo”. Nada. Só aquele silêncio que grita mais que qualquer palavra. Eu só fiquei ali, parada, me perguntando se eu realmente estou levando um casamento ou um contrato de aluguel.
Me sentindo usada. Um objeto, que ele usou e abusou nessa madrugada e descartou, como se eu não valesse nada. Ele foi embora sem olhar pra trás. Não sei se isso é covardia ou só falta de respeito mesmo. Ou os dois.
Peguei roupas limpas para me vestir. Tinha uma breve aula na faculdade e logo após, estágio. Não tinha ao menos tempo para pensar em Vlad, ou no que o motivou a sair correndo do nosso quarto, o porquê de ele estar tão distante... Ou melhor, de ele sempre estar distante. Desde o primeiro dia do nosso casamento.
Até parece que ele foi obrigado a se casar comigo. Que o que estamos vivendo é uma grande mentira.
Terminei de me arrumar, amarrei os cabelos num coque alto. Desci para a cozinha para preparar algo para comer, mesmo que nem sentisse fome direito.
A casa estava gelada, silenciosa demais — do jeito que ela sempre fica quando o Vlad não está. Peguei uma caneca e preparei um café rápido, daqueles que descem amargo, mesmo com açúcar.
Abri a geladeira, olhei os potes, mas de repente, perdi o ânimo para preparar qualquer coisa elaborada demais. Peguei um iogurte e uma banana. Não tenho fome, mas sei que preciso colocar algo no estômago.
Enquanto comia encostada na pia, pensei em mandar uma mensagem. Perguntar onde ele estava, se estava bem. Mas meus dedos travaram. Algo me impediu de procurar saber dele... Talvez a vergonha de ter sido usada e abandonada logo em seguida, como se não fosse útil para nada.
Engoli seco o nó que começou a se formar em minha garganta.
Terminei o café, lavei a louça que usei e fui até o quarto pegar a bolsa. Peguei o jaleco no armário e, ao passe na frente do espelho, me encarei por mais tempo que o habitual.
Será que ele ainda me enxerga? Será que ele ainda me vê como mulher? Como esposa? Suspirei, derrotada. Sem respostas.
Tranquei a porta com cuidado e saí.
Na parada de ônibus, o vento gelado de Londres cortava meu rosto, mas eu nem me importei. Não tinha nem forças para reclamar do frio, já que estava travando uma batalha internamente. Estava ferida e sem entender absolutamente nada. O que mudou? Pois eu tenho tentado de todas as maneiras ser uma boa esposa para Vlad.
Meu dia seria muito cheio. Aula, estágio, reunião para acertar detalhes do TCC.. Pelo menos me ajudaria a não pesar no caos que está instalado na minha casa. Na minha dificuldade em entender o meu próprio marido...
Talvez ele esteja confuso, enfrentando dificuldades para se adaptar à sua nova rotina... Mas por que ele não escolhe conversar comigo? Porque, poxa, está sendo difícil para mim também. Principalmente agora, com ele me ignorando, me tratando com tanta indiferença quando eu sei que não fiz nada.
O ônibus ainda se movimentava enquanto eu me via aflita e sem saber exatamente o que fazer. Mandei uma mensagem no meio da minha confusão:
>> Vlad, o que aconteceu? Por que você saiu sem avisar? Vou chegar a noite hoje, tenho aula e estágio, reunião... Você vai jantar em casa?
Mandei a mensagem com os dedos tremendo. Uma vontade de chorar enorme... Vários "e se?" rondando a minha cabeça. E se ele não me amar mais?
O que eu faria quanto a isso?
Balanço a cabeça em negação. Não é possível... Preciso conversar com o Vlad sobre isso. Não podemos continuar vivendo dessa maneira. Não é isso o que o Senhor quer para mim, eu tenho plena certeza. Deus não me criou para ser tida como um estorvo, uma imprestável.
Pensei e pensei, tanto, que nem prestei atenção quando finalmente o ônibus estacionou no ponto próximo da minha faculdade. Desci e agradeci ao motorista, lhe desejando um ótimo dia. Ele sorriu e me desejou o mesmo... Ao menos isso me deixou um pouco mais alegre e pra cima. Por que sim, senhor... Eu preciso mesmo de um bom dia hoje.
• • •
Voltei pra casa no fim da noite, depois do estágio, exausta. Tudo que eu queria era um banho quente, jantar e dormir com meu marido. Também queria de silêncio, mas não o tipo de silêncio que me espera todo dia quando abro essa porta.
A casa estava escura. Só uma luz fraca da cozinha acesa. Subi as escadas devagar, sentindo cada degrau pesar. Entrei no quarto e... nada. Nenhum sinal do Vlad. De novo.
Parei no meio do quarto por alguns segundos, olhando tudo: do mesmo jeito que estava quando eu saí. O ambiente intocado. Peguei o celular... Nenhuma resposta. O homem simplesmente sumiu.
É como se ele morasse aqui, mas não vivesse. Como se estivesse presente só por obrigação. E isso está me corroendo.
Joguei minha bolsa num canto qualquer e parti pro banheiro para tomar banho. Os pensamentos me matando... Não conseguia parar de pensar nele e em tudo o que tem acontecido conosco nesses 11 meses de casamento, quase 12. Um ano... Um ano de casamento e eu não vejo sequer uma mudança significativa no comportamento do meu marido, pois desde que nos casamos ele me trata desse jeito. Com indiferença. Me evita.
Ao encerrar meu banho, me troquei devagar, sentei na beira da cama e fiquei ali, no escuro por um tempo, tentando entender onde tudo começou a se perder. Se é que um dia a gente realmente se encontrou.
Essa madrugada ainda me ronda a cabeça. O jeito que ele me procurou, os olhos dele — tão intensos, tão... presentes. Foi a primeira vez em meses que senti que talvez ainda houvesse alguma faísca. Uma chance. Um começo.
Mas hoje? Nada. Nenhuma mensagem. Nenhum “oi, cheguei”. É como se aquilo tivesse sido só mais um ato no teatro que nosso casamento virou. Ou melhor, sempre foi.
Eu tô cansada de fingir que não percebo. De passar por cima do que eu sinto. De alimentar sozinha um relacionamento onde só eu pareço estar tentando.
E o pior... eu não tô com raiva dele. Tô confusa.
Por que ele fez aquilo comigo? Por que me tocou daquela forma se ia me deixar sozinha na manhã seguinte? Por que ele sempre volta... e depois some?
Eu não estou entendendo nada e isso dói tanto, tanto.
Eu queria entender. Só isso.
A verdade é que... eu tô com vontade de confrontá-lo. De olhar nos olhos dele e perguntar, de uma vez por todas, o que tá acontecendo. O que ele tá carregando. E o que exatamente eu sou nesse casamento.
Porque se ele não quer estar aqui — ele precisa me dizer. Eu mereço saber com quem eu casei. E se ainda existe alguma chance de recomeçar... ou se eu tô lutando sozinha por um “nós” que nunca existiu.
Mesmo triste, meu estômago revirou na barriga. Uma fome de leão... Me obriguei a ir à cozinha fazer o jantar. Para uma pessoa apenas. Tenho feito jantar para 2 desde que me casei com Vlad, mas ele nunca jantou, almoçou ou fez qualquer refeição comigo. Somente na lua de mel... Depois disso, nunca mais.
Mesmo assim, eu tenho feito jantar para dois, mesmo que ele não jante, não almoce comigo. Mas hoje não... Hoje eu fiz para mim. Somente.
E o tempero especial foi as lágrimas. Enquanto mexia nas panelas, eu chorava. Como uma criança. Como nunca chorei na vida. Porque eu me senti sozinha pela primeira vez desde que me casei... Não que eu já não estivesse sozinha antes, mas agora é como se minha ficha tivesse caído. Não posso ao menos ter momentos íntimos com meu marido, ele não me aceita, não me deseja como mulher.
Nos momentos em que isso acontece, ele está bêbado. E me rejeita no dia seguinte, como aconteceu hoje. Mas doeu mais agora... Pois eu vi algo nos olhos dele nesta madrugada. Eu vi. Eu senti. Mas provavelmente eu estava só me enganando, como sempre.
Mais do que nunca, eu preciso de respostas.
Ao jantar e terminar de arrumar a cozinha, subi pro meu quarto. Escovei os dentes e deitei-me na cama, pronta para dormir; mas não antes de checar o celular e como eu imaginava: nada. Nem uma resposta.
Coloquei o telefone no modo avião e me joguei na cama de uma vez, buscando relaxar o meu corpo cansado.
Fechei os olhos tentando forçar o sono, mas a mente não colaborava. Vlad. Sempre ele. Mesmo ausente, mesmo mudo, ele continuava ocupando espaço demais dentro de mim.
Mas o cansaço venceu, como sempre. Em algum momento, dormi.
• • •
Acordei com uma agonia no peito. Daquelas que ninguém explica. A luz do abajur seguia apagada, e a casa em silêncio. Me virei para o lado e tateei o celular na cômoda.
Desbloqueei a tela, com os olhos ainda meio embaçados. Eram 1h42 da madrugada.
Desativei o modo avião.
Uma enxurrada de notificações entrou.
Chamadas perdidas. Mensagens. Números que eu não reconhecia.
E uma, em especial, gelou o meu sangue.
>> "Sra. Moretti, aqui é do Hospital St. George. Precisamos que a senhora compareça com urgência. Seu marido deu entrada em estado grave após um acidente."
Ao ler cada palavra ali descrita, foi como se meu mundo desmoronasse. Como se o mundo tivesse congelado ao meu redor.
— Não, não, não… — murmurei, já tremendo.
Meu coração disparou. Eu li de novo, como se pudesse ter entendido errado. Mas não, estava claro. Frio. Cru.
Acidente. Estado grave. Urgência.
Me levantei num pulo. Vesti a primeira roupa que vi pela frente, com as mãos trêmulas. Mal conseguia amarrar o tênis. Peguei a bolsa, a chave, o celular — e saí.
A madrugada estava congelante. Mas eu nem sentia. Corri até o ponto de táxi da rua de cima, rezando o caminho inteiro.
"Deus, por favor... me diz que ele tá vivo. Que ele vai ficar bem. Que ainda dá tempo de consertar tudo..." eu repetia dentro de mim, com as lágrimas escorrendo pelas bochechas monstruososamente. Eu estava em pânico.
Meu peito doía como se fosse rasgar. E naquele momento, percebi: por mais que Vlad tenha me machucado, eu ainda o amo.
E eu não sei se tô pronta pra perder ele.
Não, merda. Eu, de fato, não estou pronta para perdê-lo.
...❀ • ❀ • ❀ • ❀ • ❀ • ❀ • ❀ • ❀...
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 38
Comments
MARIA RITA ARAUJO
so o amor verdadeiro para pensar assim como ela e amar esse homem acima dela mesma. Porque ela nao tem carro autora!? eles não são bem de vida?
2025-07-10
1
Iara Barbosa Silva
fiquei em dúvida, será que ele trai ela?
2025-11-05
0