Capítulo 02 | Deslize.

Dias depois, o céu continuava cinzento como de costume em Londres, mas dentro da casa da família Scobbar o ambiente era acolhedor. O cheiro de bolo de laranja recém-assado preenchia cada cômodo, misturado ao perfume suave de lavanda que Hannah, a mãe de Celine, sempre usava.

Celine estava sentada à mesa da cozinha, com uma xícara de chá entre as mãos. Os olhos verdes fitavam a cerâmica como se buscassem alguma resposta ali dentro. Estava mais quieta do que de costume.

Do outro lado da mesa, Hannah observava a filha em silêncio. Já havia aprendido, com o tempo, a reconhecer quando sua filha estava incomodada com alguma coisa.

— Faz dias que você não vem aqui, minha filha. — comentou, com aquele tom calmo de quem fala e acolhe ao mesmo tempo. — Aí chega e fica com esse olhar perdido no nada... O que foi, hein?

Celine deu um sorriso leve, tentando parecer tranquila. — Ah, mãe... é só cansaço. Faculdade, casa, casamento... tudo junto parece muito pra mim às vezes.

Hannah serviu duas fatias de bolo e empurrou uma delas para a filha.

— E o Vlad? Como ele tá?

— Ele tá... bem — respondeu Celine, depois de uma pausa. — Só anda muito na dele, sabe? Mais calado que o normal. Vive cansado, volta tarde do trabalho. Mal come direito. Eu até tento animar ele, mas... sei lá. Às vezes acho que ele tá carregando alguma coisa sozinho.

Hannah assentiu, tranquila.

— Homem é bicho esquisito, filha. Quando a cabeça tá cheia, eles travam. Ficam calados, fecham o rosto... e se a gente insiste, eles se recolhem mais ainda.

Celine mordeu o canto do lábio. — Será que é comigo, mãe? Alguma coisa que eu fiz?

— Não, meu amor. Não se culpe por um silêncio que não é seu. Às vezes é só o peso da vida mesmo. O Vlad tá lidando com muita coisa, imagino eu. Trabalho, pressões, expectativas... não é fácil. E olha, casamento é assim mesmo no começo. Vocês ainda estão se ajustando.

— Eu fico orando, sabe? — confessou Celine. — Pra que Deus traga leveza pra gente. Que Ele me ajude a entender o Vlad. Eu sei que é só uma fase. Talvez por ser o nosso início seja mais complicado. Espero que mudemos com o passar dos anos.

— Você tá certa, meu bem. Deus tá no controle. Sempre esteve. Se for pra durar, Ele vai sustentar. Se for só um teste, Ele vai te dar sabedoria pra passar. Confia. E segue sendo quem você é. O amor se alimenta disso: constância. — ela a tranquilizou. — Eu e seu pai éramos assim no começo. Depois tudo foi se ajustando... Vai ser assim com você. Você vai ver.

Celine sorriu, um pouco mais aliviada. — Obrigada, mãe. Às vezes eu só preciso ouvir isso. Que vai ficar tudo bem.

— Vai sim. Mas se não ficar... você vai. Porque você é forte. E tem fé. Deus admira isso, filha.

Celine respirou fundo, tentando guardar cada palavra da mãe dentro do coração. Pegou mais um pedaço de bolo, dessa vez com mais calma, e mordeu devagar, como se mastigasse também o consolo.

— Você sempre sabe o que dizer — comentou, baixinho.

Hannah sorriu. — É que eu conheço você desde o primeiro suspiro, minha flor. E sei quando tá tentando parecer forte só pra não preocupar ninguém.

Celine desviou os olhos, rindo de leve, um pouco envergonhada. — Peguei isso da senhora.

— Pegou mesmo — respondeu Hannah, levantando-se para começar a juntar a louça. — Mas promete pra mim que vai cuidar do seu coração, tá bem? Seja qual for o rumo da vida, não deixe ele endurecer.

— Prometo. — ela sorriu para a mãe, acalmando o coração dela.

• • •

Já era fim de tarde quando Celine se despediu, envolta no casaco bege que sua mãe a presenteou. Do lado de fora, a chuva havia cessado, mas o céu ainda carregava um cinza melancólico, típico da cidade. Ela apertou a bolsa contra o corpo e foi caminhando em direção ao ponto de ônibus com passos calmos, quase serenos. Como se aquela conversa com a mãe tivesse sido o bálsamo que precisava pra continuar acreditando.

Ao entrar no ônibus, encostou a testa no vidro e ficou observando os prédios passarem. Seu telefone vibrou.

Era uma mensagem de Vlad. Curta. Fria.

>> Chego tarde. Reunião estendida. Não precisa me esperar.

Celine soltou um suspiro longo e apoiou o celular no colo, encarando o reflexo da própria expressão no vidro.

Ela sorriu.

Não porque estava feliz.

Mas porque acreditava que o amor era escolha. E ela escolheria todos os dias — até ele aprender a escolher de volta.

• • •

O relógio marcava às 2h45 da manhã quando Vlad abriu a porta do quarto, com bastante cuidado. Ele olhou para a sua esposa deitada na cama, sua camisola de seda rosa bebê era evidente, ela estava descoberta pelo lençol.

Ele observou o corpo dela. Torneado, ela tinha uma bunda arrebitada, característica muito diferente de algumas mulheres que ele já esteve. Ele estava muito bêbado, tinha ingerido uma quantidade de álcool exacerbada, ele queria esquecer da sua realidade e naquele momento, nutria um desejo estranho. — Celine? — chamou por ela, a voz rouca pela bebedeira, mas ele não se importou.

Ela despertou rapidamente, levantou-se devagar, os olhos ainda meio sonolentos, e encarou-o. Estava esperando por ele. — Você demorou. Eu estava preocupada.— respondeu já se levantando, sem ao menos esperar se recompor.

Celine caminhou até ele, o olhar firme, e sentiu o cheiro forte do álcool vindo dele. Um misto de tristeza e alarme apertou seu peito.

Vlad se aproximou, vacilante, e segurou o rosto dela entre as mãos. Não deixou que ela falasse muito mais, sabia que por aí viria um belo sermão, que ele ao menos se importaria.

— Eu... eu preciso de você.— Ela engoliu em seco, surpresa com aquela vulnerabilidade inesperada.

Ele puxou-a para perto, os lábios deslizando num beijo lento, urgente. Sabia que se arrependeria disso amanhã, mas naquele momento, não fez a menor diferença pra ele.

— Faz amor comigo, Celine. Eu preciso tanto de você. — A voz dele era um sussurro áspero, pedindo mais do que apenas um encontro físico — um resgate. Ele estava louco por um toque a mais, já ostentando uma bela ereção entre as pernas e ele se espremeu no corpo de sua mulher, fazendo com que ela sentisse o quanto estava a desejando naquele momento.

Ela hesitou, mas o desejo, a saudade e a ternura escondida por trás daquele homem quebrado falaram mais alto. Eles não se envolviam dessa forma há meses... Vlad a evitava, não a procurava mais. Celine estava mal com tudo aquilo. E sentia-se ainda pior por estar enfraquecida nos braços dele, pois era ali que ela amava estar; ela se sentia culpada por não conseguir resistir e realmente cogitar a ideia de fazer amor com ele nessas condições.

— Eu estou aqui — murmurou ela, entregando-se ao momento que ambos precisavam. Vlad sentia que precisava. Pelo menos por essa noite.

Ele a beijou novamente — mais forte, mais intenso — como se tentasse, com a boca, calar tudo o que não conseguia dizer. As mãos deslizaram pelas costas dela, firmes, mas ainda cuidadosas, como se estivessem reconhecendo um território esquecido.

Celine sentia o corpo inteiro estremecer, confuso entre o prazer e o vazio. Havia sede naquele toque. Sede de algo que ele não nomeava, mas que ardia por dentro. E ela... ela o amava. Mesmo ferida, mesmo desconfiada, mesmo temendo que aquilo fosse só uma consequência do álcool.

— Você é linda demais, caralho… — murmurou ele contra sua pele, beijando o pescoço dela com um desespero que misturava luxúria e desamparo.

As mãos dele encontraram a barra da camisola e subiram por suas coxas. Ela arfou, sentindo o calor crescer, se espalhar. Seu corpo já conhecia aquele caminho. Mas o coração... o coração hesitava.

— Vlad…— ela sussurrou, com a voz embargada. — Por favor… não some depois disso.

Ele parou por um segundo, os olhos fixos nos dela. Estavam vermelhos, marejados, como se tivesse engolido mil gritos e não soubesse como soltar nenhum.

As palavras de Izachiel reverberaram pelos seus pensamentos naquele momento. A repreensão do seu melhor amigo, o fato de ele estar brincando com os sentimentos de Celine.

Mas Vlad espantou tudo aquilo pra longe, tornando a pensar somente no seu próprio bem-estar.

— Eu só quero você agora — ele respondeu, com honestidade crua. — Só isso. Só você.

Ela assentiu, mesmo sem certezas. Mesmo em completa confusão.

As roupas foram caindo uma a uma, sem pressa, como se cada peça retirada fosse também uma camada de distância arrancada à força. E, por alguns minutos, só existiram eles dois — nus, ofegantes, entre lençóis bagunçados e promessas que não se fizeram.

Ele a tocava como se quisesse se lembrar de quem era. Ela o recebia como quem acolhe uma tempestade com os olhos fechados e o peito aberto.

E, naquela madrugada cinzenta, Londres continuava dormindo… Enquanto no quarto deles, o amor — ou algo muito parecido com ele — renascia entre o caos.

• Dia seguinte •

O sol mal havia nascido, mas um feixe pálido de luz atravessava as frestas da cortina. A cidade ainda estava silenciosa, mergulhada na calmaria de uma quarta-feira gelada.

Vlad abriu os olhos devagar. A cabeça latejava, a boca estava seca e havia um gosto amargo no fundo da garganta — típico da ressaca. Por um momento, não soube onde estava. Até sentir o toque frio do lençol nos quadris… e perceber que estava nu.

Franziu a testa, confuso, se apoiando nos cotovelos. Olhou ao redor. O quarto ainda cheirava a lavanda e… sexo. Seu corpo doía em lugares que ele sequer lembrava de ter usado. E foi então que escutou o som da água.

O chuveiro ligado.

Celine estava no banheiro.

A memória veio como um relâmpago: a porta se abrindo, o corpo dela vindo em sua direção, os beijos, o toque… o pedido dele. — Faz amor comigo, Celine.

Ele fechou os olhos com força e passou as mãos pelo rosto, praguejando em silêncio.

— Merda.

Levantou-se num rompante, ignorando o enjoo, e começou a vestir-se às pressas. Pegou a calça do chão, a camisa amarrotada da poltrona. Vestia-se como quem tentava apagar um erro com as próprias mãos trêmulas.

A raiva crescia como veneno na garganta.

Não dela.

Dele mesmo.

— Por que eu fiz isso...? — murmurou, baixo, amargo.

O som do chuveiro cessou. E o coração dele bateu mais rápido. Não por saudade. Por pânico e muito ódio.

Ele precisava sair dali. Precisava pôr distância antes que ela abrisse a porta com aquele olhar calmo e ingênuo. Antes que ela dissesse algo doce — algo que fizesse tudo parecer real.

Porque não era.

Porque, na cabeça dele, não podia ser. Aquilo não estava certo, nada daquilo estava.

— Eu não a amo — ele repetia isso em sua cabeça inúmeras vezes.

Vestiu os sapatos sem meias. Pegou a carteira e o celular com pressa. Olhou uma última vez para a porta do banheiro, hesitante. O vapor começava a escapar pela fresta de cima.

E ele sabia. Se visse o rosto dela agora, se ouvisse a voz suave chamando seu nome, ele perderia o controle. Diria coisas que não quer dizer, não agora. A culpa só aumentava, principalmente depois de sentir o cheiro dela na sua pele.

Vlad não queria piorar as coisas. Ele precisava manter a distância — afinal de contas, só resta um mês.

Um mês para todo esse "pesadelo" acabar.

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Comments

MARIA RITA ARAUJO

MARIA RITA ARAUJO

eu já estou sentindo o sofrimento dela e de quebra com um filho na barriga depois dessa noite com esse escroto covarde

2025-07-10

0

MARIA RITA ARAUJO

MARIA RITA ARAUJO

ainda bem que a mãe dela falou aquelas palavras e espero que ela lembre disso quando chegar a decepção

2025-07-10

0

Ver todos
Capítulos
1 Prólogo
2 Capítulo 01 | A Cláusula Quarta
3 Capítulo 02 | Deslize.
4 Capítulo 03 | A Mensagem Inesperada.
5 Capítulo 04 | O Diagnóstico.
6 Capítulo 05 | Eu Não Quero Te Perder.
7 Capítulo 06 | A Cláusula Quinta.
8 Capítulo 07 | Doce Momento.
9 Capítulo 08 | Entre a Cruz e a Espada.
10 Capítulo 09 | Finalmente, Fora do Hospital.
11 Capítulo 10 | Coragem Para Contar a Verdade.
12 Capítulo 11 | Sem Alternativas
13 Capítulo 12 | A Realidade Dói
14 Capítulo 13 | Foi Tudo em Vão?
15 Capítulo 14 | Força Para Seguir
16 Capítulo 15 | Verdades À Flor Da Pele
17 Capítulo 16 | Existe O Perdão?
18 Capítulo 17 | O Preço Do Legado
19 Capítulo 18 | O Plano De Reconquista
20 Capítulo 19 | Pisando No Orgulho
21 Capítulo 20 | Ajuda Extra
22 Capítulo 21 | O Cerco
23 Capítulo 22 | Acordo Frio
24 Capítulo 23 | Baixar A Guarda
25 Capítulo 24 | O Retorno
26 Capítulo 25 | Preparativos
27 Capítulo 26 | Irredutível.
28 Capítulo 27 | O Preço da Armadura
29 Capítulo 28 | Tela Em Branco
30 Capítulo 29 | Invasão Gentil
31 Capítulo 30 | O Muro Rachando
32 Capítulo 31 | Desistir Não é Uma Opção Viável
33 Capítulo 32 | A Honra “Anônima”
34 Capítulo 33 | O Limiar Da Ausência
35 Capítulo 34 | O Regaste da Ternura
36 Capítulo 35 | Recomeço
37 Capítulo 36 | Jantar em Paz
38 Capítulo 37 | Amor Sobre Lençóis
Capítulos

Atualizado até capítulo 38

1
Prólogo
2
Capítulo 01 | A Cláusula Quarta
3
Capítulo 02 | Deslize.
4
Capítulo 03 | A Mensagem Inesperada.
5
Capítulo 04 | O Diagnóstico.
6
Capítulo 05 | Eu Não Quero Te Perder.
7
Capítulo 06 | A Cláusula Quinta.
8
Capítulo 07 | Doce Momento.
9
Capítulo 08 | Entre a Cruz e a Espada.
10
Capítulo 09 | Finalmente, Fora do Hospital.
11
Capítulo 10 | Coragem Para Contar a Verdade.
12
Capítulo 11 | Sem Alternativas
13
Capítulo 12 | A Realidade Dói
14
Capítulo 13 | Foi Tudo em Vão?
15
Capítulo 14 | Força Para Seguir
16
Capítulo 15 | Verdades À Flor Da Pele
17
Capítulo 16 | Existe O Perdão?
18
Capítulo 17 | O Preço Do Legado
19
Capítulo 18 | O Plano De Reconquista
20
Capítulo 19 | Pisando No Orgulho
21
Capítulo 20 | Ajuda Extra
22
Capítulo 21 | O Cerco
23
Capítulo 22 | Acordo Frio
24
Capítulo 23 | Baixar A Guarda
25
Capítulo 24 | O Retorno
26
Capítulo 25 | Preparativos
27
Capítulo 26 | Irredutível.
28
Capítulo 27 | O Preço da Armadura
29
Capítulo 28 | Tela Em Branco
30
Capítulo 29 | Invasão Gentil
31
Capítulo 30 | O Muro Rachando
32
Capítulo 31 | Desistir Não é Uma Opção Viável
33
Capítulo 32 | A Honra “Anônima”
34
Capítulo 33 | O Limiar Da Ausência
35
Capítulo 34 | O Regaste da Ternura
36
Capítulo 35 | Recomeço
37
Capítulo 36 | Jantar em Paz
38
Capítulo 37 | Amor Sobre Lençóis

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