Segredos e Linhagens

A noite caía sobre o morro com uma tranquilidade incomum. O céu estava limpo, salpicado de estrelas tímidas que pareciam observar a cidade do alto, como testemunhas silenciosas de tudo o que estava por vir. No alto da colina, na casa grande que era ponto de comando, o silêncio pesava como chumbo. Um silêncio que dizia mais do que mil palavras, que guardava histórias, culpas e decisões difíceis.

Tenebroso estava sentado na varanda, olhando para o horizonte com os olhos apertados, como se buscasse respostas onde só havia escuridão. Os braços cruzados sobre o peito largo, o maxilar travado, os músculos tensos. A brisa da noite cortava o rosto como navalha, mas ele não se importava. Ali, naquele momento, ele sabia que nada o protegeria do que Carolina estava prestes a dizer.

Ela chegou devagar, os passos leves, mas firmes. Sentou-se ao lado dele sem dizer nada por alguns segundos, apenas dividindo o mesmo ar, o mesmo peso. Depois de um tempo, falou, a voz baixa, suave, mas decidida.

— Amor... já tá na hora.

Tenebroso virou o rosto devagar, a expressão endurecida.

— Hora do quê?

— De contar pro Davi. Sobre a herança. Sobre tudo.

Ele soltou um suspiro pesado, os olhos se fechando por um instante.

— Não. Não, Carolina. Eu não queria nunca... nunca que ele descobrisse quem foi o pai dele. Tudo o que aquele desgraçado fez com a gente. Comigo. Contigo. Com esse morro. Com a nossa história.

Carolina se aproximou, tocou o braço dele com carinho, o gesto de quem compreende a dor sem precisar explicações.

— Eu sei, meu amor. Eu sei. A dor que o Jacaré deixou não some, nem com os anos, nem com nada. Mas o Davi tem o direito de saber. A herança tá lá, parada. Eu só uso os lucros pra manter a empresa funcionando. Mas ele precisa saber que aquilo é dele. É o sangue dele que corre nos papéis. Mesmo que o coração tenha sido moldado por você.

Tenebroso passou a mão pelo rosto, frustrado, a raiva misturada com mágoa antiga queimando no peito.

— Por mim, o Davi Lucca não sabia nunca que não é meu filho biológico. Eu que criei. Eu que ensinei. Eu que segurei ele no colo quando caiu, quando teve febre, quando teve medo. Eu que bati de frente com esse mundo pra proteger ele. Eu que ensinei a atirar, a pensar, a liderar. Eu que vi aquele menino virar homem. E agora... agora cê quer me dizer que ele tem que saber que o pai dele é o Jacaré?

A voz falhou no final, traída pela emoção.

— Que ele é filho daquele monstro?

Carolina o abraçou com força. Os dois ali, abraçados, no silêncio cortado só pelo som dos grilos e o canto distante de um cachorro. Ela afagou os cabelos grisalhos dele com ternura.

— Eu entendo você. Entendo mesmo. Se eu pudesse, doava essa fortuna toda pra instituições de caridade. Esquecia que existe. Mas não seria justo. Não seria justo com ele. Ele tem o direito de saber a verdade, por mais dura que seja.

Tenebroso fechou os olhos, se permitindo alguns segundos naquele colo. Um homem como ele raramente mostrava fraqueza, mas ali, no abrigo do amor de Carolina, ele permitia que as lágrimas molhassem seus olhos cansados.

— E se ele me rejeitar, Carol? E se ele me olhar diferente? Como é que eu vou viver com isso?

— Ele te ama, Tenebroso. Você é o pai dele. Sempre foi. E sempre vai ser. Mas o amor de verdade não se constrói em cima de mentira. Nem em cima de silêncio. Ele merece saber. Não pra se afastar. Mas pra entender. Pra escolher.

O silêncio voltou por alguns instantes, mas desta vez era menos pesado, como se o ar tivesse entendido que a verdade, por mais dolorosa, precisava ser dita.

Só que o que eles não sabiam é que não estavam sozinhos.

No corredor que ligava a varanda ao interior da casa, em pé, imóvel como uma sombra, Maria Eduarda ouvira cada palavra. Estava subindo para buscar um documento no escritório quando o som das vozes a paralisou. E agora, com o coração disparado e os olhos arregalados, ela tentava processar o que acabara de escutar.

Davi Lucca... não era filho legítimo do Tenebroso?

Não era o verdadeiro herdeiro?

Ela sentiu o chão se mover. Uma linha tênue foi rompida. O que era certo começou a parecer errado. O que era fixo, agora tremia.

Recuou dois passos, o peito subindo e descendo com força. As palavras martelavam na mente como um mantra perigoso.

“Filho do Jacaré...”

“Não é meu filho biológico...”

“A herança parada...”

Ela mordeu o lábio inferior, os olhos ardendo não de emoção, mas de uma nova consciência.

Se Davi não era herdeiro legítimo... então ela era.

Maria Eduarda, filha mais velha. Sangue verdadeiro. Gerada por Carolina. Educada por Tenebroso. Sempre à sombra do irmão, sempre silenciosa, sempre invisível.

Mas agora tudo mudava.

Desceu a escada devagar, como quem carrega um segredo precioso. O coração batendo mais forte, mas não por ambição cega — era por justiça. Por reconhecimento.

Sentou-se no banco de madeira no quintal, sob a luz fraca do poste. Os olhos fixos no céu sem nuvens, os pensamentos girando como engrenagens silenciosas.

— Então... quer dizer que Davi Lucca não é o herdeiro legítimo do Comando... — murmurou para si mesma, com voz baixa e carregada de algo novo. — Então quer dizer que esse tempo todo... quem tinha o direito a tudo isso era eu... a filha mais velha... a única com sangue inteiro...

As palavras flutuaram no ar como uma promessa.

E ali, sozinha sob as estrelas, ela decidiu.

Ela lutaria pelo que era seu por direito.

Faria Tenebroso ver que o mais justo era confiar nela.

Mostrar que era capaz.

Mostrar que seu sangue não era apenas legítimo — era forte.

E o capítulo terminou ali, com a promessa silenciosa de Maria Eduarda

de não reivindicar com fúria, mas com honra.

Ela não queria tomar o lugar de Davi.

Queria apenas receber o que, por justiça, já era seu.

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Comments

Regilene Avelino

Regilene Avelino

espero q o Davi n.fiqui chateado com o tenebroso

2025-07-13

0

Mclaudia Oliveira

Mclaudia Oliveira

👀👀👀👀

2025-07-13

0

Lena carvalho

Lena carvalho

Poxa😒🤦🏼‍♀️

2025-07-13

0

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