O apartamento no Leblon era puro luxo, mármore claro no piso, varanda ampla com vista pro mar, móveis sob medida, quadros de artista renomado, tudo pensado nos mínimos detalhes, tudo belo e impecável, mas naquela noite o que mais importava era o que não se via, o que pairava no ar como fumaça prestes a sufocar, um clima pesado, um silêncio tenso, a guerra fria prestes a explodir entre os membros daquela família
Isabela andava de um lado pro outro da sala com os saltos ecoando no porcelanato como estalos de um relógio prestes a explodir, o rosto indignado, os olhos brilhando de raiva, a respiração curta e acelerada, carregando dentro de si uma tempestade que já não cabia no peito
Beatriz, a mãe, observava tudo da poltrona, braços cruzados, uma taça de vinho esquecida entre os dedos, a expressão endurecida, a paciência que antes a definia agora era apenas lembrança diante da filha que se tornara arrogante e mimada, esquecida das raízes que a sustentavam
— Não dá, mãe, o Davi não quer mudar, ele quer continuar naquele morro horroroso, cheio de criminalidade, ele quer ser comandante, comandante, você tem noção, que futuro eu vou ter com alguém assim
A bolsa caiu no sofá num gesto de frustração e desespero, mas Beatriz nem se mexeu, respondeu com a calma de quem já viveu mais do que a filha poderia imaginar
— Isabela, tu conhece o Davi Lucca desde criança, sabia de onde ele vinha, quem era o pai dele, conhecia a história, e mesmo assim escolheu ficar com ele
— Mas eu achei que ele fosse mudar, mãe, ele é inteligente, ele é bonito, ele pode ter tudo, pode viver como a gente
— Como a gente
Beatriz se levantou devagar, a voz ainda controlada, mas mais firme, mais grave, carregada de passado e verdade
— Você tá esquecendo de quem você é, garota
Isabela arregalou os olhos, não esperava a firmeza da mãe, nem a forma como suas palavras começavam a ruir dentro de si
— Ué, mãe, eu só tô dizendo que ele pode ter uma vida melhor
— Melhor, então tua casa na infância era o quê, um buraco, eu conheci teu pai no Morro do Alemão, Isa, morei com ele lá por anos, só saí de lá quando teu avô morreu e o Vitinho teve que assumir os negócios da família, se não fosse isso eu tava lá até hoje, e nunca me faltou amor, respeito, ou dignidade por viver numa comunidade
Isabela virou o rosto, tentando conter o constrangimento, odiava quando a mãe falava daquele passado com tanto orgulho, como se o morro fosse algo pra se lembrar com carinho
— Mas agora a gente subiu na vida, mãe, não tem porque voltar pra essa realidade
— Subiu sim, mas caráter não sobe junto com prédio não, e status não define ninguém, muito menos o valor de quem tá do teu lado
O silêncio ficou mais denso, o ar parecia mais grosso, a tensão crescia como nuvem carregada antes da chuva, Isabela sentou-se no braço do sofá, cruzou os braços emburrada
— O Davi podia estar com tudo, mãe, podia ser empresário, viajar, andar com gente do nosso meio, ele é inteligente, mas ele quer se enfiar naquele lugar, quer ser chefe de morro, isso é um retrocesso
Beatriz se aproximou, cada passo como uma batida de tambor, ficando frente a frente com a filha
— Retrocesso é viver numa bolha e achar que ela é o mundo, ele sabe quem é, Isa, não tá brincando de ser chefe, ele nasceu pra isso, e você sabia desde sempre, desde que vocês brincavam na casa da Carolina, você sabia quem ele era, ele só cresceu, agora chegou a hora de assumir o que sempre foi
Antes que Isabela tivesse tempo de responder a porta se abriu com força, um estrondo que cortou o ar como raio em céu limpo, Vitinho entrou com o rosto fechado, tenso, ouvira a discussão no corredor e não conseguia mais se calar
— Isso é sério mesmo, Isabela, cê tá reclamando do Davi porque ele quer ficar no morro, cê tá achando que ele é menos por isso
Ela tentou falar mas a voz do pai era um trovão, firme e bruta
— Tu esqueceu de onde tu saiu, esqueceu quem sou eu, que me criei no meio da quebrada, que você cresceu jogando bola no beco com os moleque do Alemão, agora vem com esse papinho de burguesa metida
— Pai, eu não sou mais criança, eu tenho direito de querer um futuro melhor
— E quem disse que morro não tem futuro, eu vim do nada e dei tudo que você tem, mas se continuar com essa mania de grandeza eu juro por Deus que vendo esse apartamento, largo essa vida de empresário e volto pro Alemão, viro comandante de novo, e levo você junto, e você vai aprender na marra a dar valor pra origem
— VOCÊ NÃO PODE ME OBRIGAR A ISSO EU JÁ TENHO MAIS DE 21 ANOS
Vitinho a encarou com os olhos duros como pedra
— Tem idade, mas não tem cabeça
Beatriz cruzou os braços com força e deixou escapar o que até então guardava
— E outra coisa, essa herança, esse luxo que você tanto ama, não é teu, foi deixado pra mim, você só vai ter direito a isso quando eu morrer, e se continuar arrogante, ingrata, sem respeito pelas tuas raízes, eu te deserdarei sem piscar, passo tudo pro Gustavo ou faço doação em vida, tanto faz, mas você vai aprender, nem que seja pela dor
Isabela empalideceu, a voz sumida entre as paredes
— Vocês não tão falando sério
— Ah, mas eu tô muito séria
Beatriz respondeu sem desviar o olhar
— Ou você muda, ou vai começar tua vida do zero, sem carro, sem cartão, sem Leblon, a vida ensina de um jeito ou de outro, tá em você escolher como quer aprender
A jovem virou de costas com os olhos cheios d’água, o rosto ardendo de vergonha e raiva, subiu as escadas apressada, bateu a porta com força, caiu no chão encostada na cama, os joelhos dobrados, o rosto entre as mãos, as lágrimas quentes caindo como chuva grossa de verão
O orgulho doía mais do que qualquer palavra
Ela pegou o celular ainda tremendo, ligou com os dedos trêmulos
— Alô, Camila
A voz sonolenta da amiga respondeu do outro lado
— Oi, Isa, que foi, garota, cê tá chorando por quê
— Porque eu tô perdendo o Davi, e ninguém me entende, eu só queria uma vida boa, sabe, queria ele comigo no Leblon, mas ele quer aquele morro, aquele lugar cheio de gente diferente, e agora minha mãe e meu pai tão me ameaçando de me deixar sem nada
Camila suspirou do outro lado
— Isa, tu não tá percebendo, tá todo mundo do teu lado, só que tu quer que o mundo gire só em torno de você, tu ama o Davi ou ama a ideia do Davi empresário
Isabela chorava mais ainda, as lágrimas se confundindo com as palavras
— Eu não sei, acho que amo os dois, mas eu não quero perder ele, preciso dar um jeito, preciso convencer ele a vir pro meu mundo
Desligou sem esperar a resposta, jogou o celular na cama, encarou o teto com os olhos molhados, as lágrimas escorrendo sem controle
Ela sabia
O tempo estava correndo
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Cida Mendes
Deixa ela aprender sozinha com o mundo aí vai dar valor as pessoas e a família o mundo não tem pena ensina com dor vai bobona só assim pra aprender mais capítulos por favor autora obrigada
2025-07-12
3
Diana Oliver🌻
Sinceramente, não gostei nada do jeito dessa Isabela muito esnobe.
2025-07-11
1
Regilene Avelino
o David tem q encontrar outra pessoa melhor do q Isadora ela serve pra ele
2025-07-13
0