Thessa 🪷
O som do metrô ecoava pelo alto-falante. Eu ajeitava minha bolsa, que insistia em escorregar do ombro pela centésima vez, com um mapa amassado nas mãos e um sonho: conseguir me mover pela cidade e conhecer o maximo de lugares possíveis, sem me perder dentro do metrô.
Fazem três semana desde que cheguei à Coreia, e apesar das aulas básicas de coreano, tudo ainda parecia um enorme desafio.
Eu havia decidido aceitar um trabalho em Seul, com a vantagem de estudar melhor a língua. A cultura, a comida, a música e o País - tudo me fascinava desde os tempos de faculdade no Rio de Janeiro. Mas agora, com o frio cortante e a multidão apressada, eu me sentia um pouco deslocada e desanimada.
Era um desafio, a cada lugar que ia era uma confusão sem tamanho, as linhas do metrô me deixava confusa e muitas vezes me levavam ao lugar errado.
Enquanto analisava o mapa pela milésima vez tentado não me perder de novo, esbarrei em alguém.
- 미안합니다! (Me desculpe!) - disse ele, apressado, mas ao ver minha expressão confusa, parou. - Ah... Sorry! Are you okay? (Ah... Me desculpe! Você está bem?)
Sorri meio sem graça para o estranho a minha frente, com cerca de 1,80 de altura, pode se dizer que todos os coreanos são iguais, mas eu discordo, esse em especial era elegante, seu porte transmite equilíbrio — ombros largos, postura reta. A pele clara e suave, com um tom levemente dourado sob a luz do sol, talvez por trabalhar ao ar livre, seus cabelos lisos e pretos, arrumados com cuidado, penteados para o lado com um toque de elegância natural e alguns fios rebeldes na testa. Ele não chama atenção com extravagância; seu charme está justamente no contraste entre aparência serena e presença marcante.
Como eu responderia ao estranho? Meu coreano e péssimo, espanhol seria nulo, português nem em sonho, possivelmente inglês, mas com chances de não ser compreendida corretamente.
- Tá tudo certo. Só tô perdida...o que vou dizer...há- pensei em voz alta.
Ele franziu a testa. Provavelmente ouviu e não entendeu nada do que falei, bendita mania de falar sozinha, as vezes me fazia passar por situações embaraçosas.
- E... é brasileira?
Arregalei os olhos.
- Você fala português?- perguntei admirada.
- Só um pouco. Aprendi na universidade. Me chamo Jihoon - disse ele, sorrindo de forma gentil. - Quer ajuda? Vejo que está perdida, atrapalhada com este mapa.
- Prazer! Me chamo Thessa... voce não sabe o alivio que e contar com sua ajuda, agradeço.
Foi assim que tudo começou: com um mapa amassado, um empurrão involuntário e uma troca de palavras inesperada...
E me encontrei em uma aventura cheia de desafios.
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Jihoon ⚙️
Como em toda quarta-feira à tarde, o metrô estava lotado, era minha rotina, após o trabalho pegava o metrô para encontrar paz no caos, sair por aí, em busca de algo que nem eu mesmo sabia o que era. Eu tentava equilibrar-me entre um passo e outro, agarrando qualquer apoio disponível. Foi aí que aconteceu — um movimento errado, um empurrão involuntário... e esbarrei em alguém.
Murmurei um "me desculpe" apressado.
Ela se virou rápido, assombrada. Percebi logo que era uma estrangeira, mas difícil identificar nacionalidade. Seu tom de pele amendoado tinha um brilho dourado sutil, olhos castanhos expressivos e cabelos castanhos avermelhados de um tom nada visto antes, levemente ondulados que caem até os ombros, sua estatura era baixa aproximadamente 1,60m.
Pela sua expressão provavelmente não entendeu o que eu disse, então pedi desculpas em inglês e perguntei se estava tudo bem.
Ela sorriu, meio envergonhada, e disse algo em português
Franzi a testa. Uma brasileira?
Chegou minha chance de praticar o português que tinha aprendido um tempo atrás, na universidade.
- E...é brasileira? - perguntei, me arriscando.
Ela arregalou os olhos, surpresa, e me perguntou se eu falava português. Um pouco! Muito mal, mas alguma coisa eu sabia e entendia.
Depois daquele esbarrão, senti-me na obrigação de ajudá-la. Aquela colisão inesperada mudou o ritmo da minha tarde.
Me ofereci para guiá-la pelas ruas movimentadas de Hongdae. Como velhos amigos em um passeio casual, fui explicando como o metrô funcionava, apontando placas, dando dicas para não se perder. Mostrei a ela um aplicativo muito mais eficaz que aquele velho mapa amassado.
Logo estávamos conversando e rindo juntos.
Era fascinante vê-la sorrir daquele jeito vibrante e cheio de som. Me senti leve, como não me sentia havia muito tempo.
- Hongdae é confuso até pra quem nasceu aqui - disse com um sorriso divertido.
- Então eu não sou um caso perdido? - ela riu.
- Ainda não. Mas quase.
Rimos juntos.
Sugeri que tomássemos um café. Vi que hesitou - talvez por sermos ainda dois estranhos - mas o frio falou mais alto, e ela aceitou.
Levei-a a uma cafeteria aconchegante, com janelas embaçadas e cheiro de canela no ar. Um lugar que eu frequentava desde a época da universidade. Era daqueles cafés que pareciam ter saído direto de um drama clichê.
- Você vem aqui sempre? - perguntou Thessa, tirando o casaco
- Sim. É tranquilo, e o dono me deixava estudar aqui - apontei um canto com livros e almofadas. - Tem até um gato que mora no segundo andar.
- Sério? Isso explica tudo! Café, livros, gato... quase um K-drama.
- E o que te trouxe até aqui? - perguntei, curioso.
- Um pouco de coragem... um amor antigo pela sua cultura. Música, comida, filmes... tudo.-deu uma pausa- Mas queria viver isso de verdade. Não só ver pela tela.
Assenti, admirado.
- Eu admiro isso. Muitos sonham em sair daqui. Você veio pra cá, mesmo sem conhecer ninguém.
Ela olhou pela janela. Flocos finos de neve começaram a cair. Vi seu rosto se suavizar, os olhos seguindo os flocos brancos como se nunca tivesse visto aquilo antes. Um sorriso leve, tipo Mona Lisa, se formou nos lábios dela - cheio de mistérios ainda a serem descobertos.
- E agora conheço alguém. Isso já é um começo, né? - disse ela distraida.
Ela sorriu, tocando de leve a xícara.
- É. Talvez o começo seja a parte mais interessante das coisas- eu disse, sorrindo.
Aquela tarde foi a melhor coisa que me aconteceu em anos. Conversamos como se já nos conhecêssemos há muito tempo, mesmo tentando nos entender entre línguas diferentes. Suas frases muitas vezes saíam soltas, como uma criança aprendendo a falar - e isso me fazia sentir à vontade para cometer erros também ao me expressar.
Ela era paciente. Me ensinava palavras que eu errava em português, e eu a ajudava com seu coreano. A troca era sincera, divertida. Leve.
Trocamos números, com promessas tímidas de nos falarmos de novo.
E então caminhamos juntos até o mesmo metrô que nos uniu.
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Thessa 🪷
No fim da tarde, Jihoon me acompanhou até a estação. Passamos algumas horas juntos, mas parecia que nos conhecíamos há anos. Ele me explicou tudo com paciência: o metrô, as placas, até me ensinou a usar um aplicativo que facilitaria minha vida em Seul.
Até me convidou para tomar um café em uma cafeteria muito aconchegante, no começo exitei por não conhece-lo, mas acabei topando, me sentir em um K-drama estereotipado.
Aprendi tanto com ele em tão pouco tempo, me ajudou muito com meu coreano ruim e eu tentei ao maximo ajudar ele no português.
Descemos as escadas da estação e, mesmo entre a correria da hora do rush, eu me sentia em paz. Meu coração estava leve - e havia dentro de mim uma certeza silenciosa: aquele dia seria umas das lembrança mais bonita que levaria na bagagem.
O metrô parecia respirar com dificuldade, de tão cheio. Mal havia espaço para nos movermos, estávamos espremidos entre mochilas e pessoas, tentando nos equilibrar segurando nos corrimões.
Apesar do caos, estava me acostumando à confusão. Não era tão diferente assim do trem lotado na Central do Brasil, no Rio. Era o mesmo caos em outro idioma.
O metro chegou a estação. Quando as portas se abriram, mais gente entrou empurrando, e alguém colidiu com força contra mim, me jogando para frente... direto nos braços de Jihoon.
- Ai! - exclamei em português, tentando recuperar o equilíbrio. - Desculpa! - disse, sem graça, me apoiando no braço dele.
Me virei devagar e percebi que nossos rostos estavam bem próximos. Mesmo ele sendo mais alto, inclinou o rosto na minha direção. Por um segundo, o tempo pareceu parar.
- Thessa? Você tá bem? - perguntou, preocupado.
Assenti, tentando esconder o nervosismo. Nós rimos, era como se o universo tivesse decidido nos empurrar, literalmente, um para o outro.
- Você anda se esbarrando muito em mim ultimamente - provoquei com meu humor direto e sem filtro.
- Talvez eu esteja treinando - ele respondeu com um sorriso torto.
- Treinando? - perguntei, surpresa por ele entrar na brincadeira.
- Eh ...Treinando o destino. Às vezes ele só precisa de um empurrão.
Caí na gargalhada. Nem liguei para os olhares curiosos ao redor.
- Poético demais pra um vagão de metrô, não acha?
- Não quando é pra você.
Fiquei em silêncio por um instante. O sorriso dele era gentil, mas havia algo a mais em seus olhos. Um brilho que dizia mais do que as palavras. E eu, com o coração ainda um pouco acelerado, só consegui olhar.
A estação em que eu desceria se aproximava. Me preparei para me despedir. Talvez fosse nosso primeiro e último encontro. Mas antes que as portas se abrissem, ele disse:
- Você quer sair comigo no sábado? Posso te levar num lugar que não envolve multidões nem empurrões.
Hesitei por um segundo - só pra manter o charme, algo dentro de mim dizia para não perder essa chance
- Tudo bem. Te mando uma mensagem.
- Combinado - disse ele, ainda sorrindo.
Quando a porta se fechou atrás de mim, olhei. Jihoon ainda estava com um sorriso calmo... como se aquele momento entre empurrões e multidão tivesse sido o mais leve e bonito do mundo.
Então segui o fluxo e fui indo com a multidão.
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Jihoon ⚙️
Quando descemos as escadas da estação, o lugar parecia estar à beira de um colapso. Mas mesmo com toda a pressa, com os corpos se apertando em todas as direções, havia uma paz estranha caminhando entre nós dois. E ainda assim... eu me sentia bem. Talvez por ela estar ali, ao meu lado, algo novo de se sentir.
A metrô chegou na estação.
Gente entrando, empurrando, avançando. E foi no meio desse empurra-empurra que ela perdeu o equilíbrio e veio direto pra cima de mim, com um tranco forte.
- Ai! - ela exclamou, em português, tentando se firmar. - Desculpa! - disse, meio sem graça, se apoiando no meu braço.
Nossos rostos ficaram bem próximos. Eu me inclinei instintivamente. E por um segundo, tudo ao redor parou. O barulho, o trem, as pessoas... tudo silenciou, como se só existisse naquele momento nós dois.
- Thessa? Você tá bem? - perguntei, tentando esconder a preocupação no meio do sorriso.
Ela assentiu, e nós dois rimos. Estávamos espremidos entre estranhos, mas parecia que o universo tinha feito de propósito - um empurrão literal do destino.
- Você anda se esbarrando muito em mim ultimamente - ela disse, com aquele olhar provocador que eu já começava a reconhecer.
Sorri, meio torto.
- Talvez eu esteja treinando.
- Treinando?
- Eh ...Treinando o destino. Às vezes ele só precisa de um empurrão.
Ela riu alto, sem se importar com quem olhava. Comecei a admirei isso nela - a liberdade de rir sem se importa com resto do mundo.
- Poético demais pra um vagão de metrô, não acha?
- Não quando é pra você.- falei, antes que pudesse me censurar. Saiu mais direto do que eu pretendia, mas não me arrependi, neste dia aprendi uma pouco mais de mim por causa dela.
Ela me olhou com aqueles olhos castanhos escuro, como se estivesse tentando decifrar algo em mim. E por um segundo, apesar da pressão de tantos corpos ao nosso redor, tudo pareceu calmo.
A estação dela chegou. Eu sabia, porque vi o olhar dela mudar - aquela prontidão silenciosa de quem vai sair. Mas antes que as portas se abrissem, tomei coragem.
- Você quer sair comigo no sábado? Posso te levar num lugar que não envolve multidões nem empurrões.
Ela hesitou. Não por dúvida, acho, mas só pra me provocar um pouco mais. Sabia jogar com o tempo.
- Tudo bem. Te mando uma mensagem
- Combinado - respondi, sentindo um calor estranho no peito.
As portas se fecharam atrás dela, e mesmo depois que ela sumiu na multidão da plataforma, eu continuei sorrindo. No meio do tumulto, no meio do caos... aquele encontro, por mais breve que fosse, tinha sido o pedaço mais tranquilo e memorável da minha semana.
Talvez ela não imaginasse, mas o empurrão mais forte daquele dia não tinha sido físico. Tinha sido no meu coração.
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Atualizado até capítulo 26
Comments
Magnolia Maria Dos Santos
Gostando da historia... e envolvente, ler nas duas percepções e interessante
2025-07-18
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