Havia algo novo nos olhos de Isadora naquela manhã.
Não era confiança. Ainda não. Era o peso de saber que existia mais do que lhe foi contado… e que, por algum motivo, todos pareciam empenhados em mantê-la longe da verdade.
Depois da visita de Leonel na noite anterior, ela passou horas acordada, segurando a corrente que ele lhe entregou. O pingente de bússola era pequeno, de prata envelhecida, e havia uma letra gravada no verso: “L”. Aquilo não era apenas um objeto. Era uma memória física de algo que ela não conseguia alcançar, mas que existia.
Ela o escondeu cuidadosamente no fundo de sua bolsa de higiene pessoal, sob as toalhas. Não confiava em deixar nada à vista.
Naquela manhã, quando Daniel entrou, ela percebeu o olhar dele vagando pelo quarto — rápido, porém atento. Como se buscasse vestígios de algo fora do lugar.
— Dormiu bem? — ele perguntou, se aproximando para ajeitar o travesseiro atrás das costas dela.
— Dormi — mentiu.
— Você parece melhor hoje. Mais… centrada.
Ela sorriu com os lábios, mas não com os olhos.
— Estou me sentindo mais desperta. É estranho… como se uma parte de mim estivesse tentando acordar o tempo todo.
Daniel inclinou a cabeça, examinando-a como um médico faria com um paciente que não pode se queixar em voz alta.
— Isso é bom. Mas tome cuidado, Isa. Essas fases da recuperação podem confundir muito. Nem tudo que parece real, de fato é.
Ela sentiu um frio na espinha.
— O que você quer dizer com isso?
— Memórias falsas. Acontece muito em casos de trauma. A mente inventa, mistura rostos, sentimentos… você pode ter sonhos com pessoas que nunca existiram, ou sensações que parecem reais, mas são produto do seu cérebro tentando preencher os buracos.
Isadora manteve o olhar firme.
— Como você sabe disso?
Daniel sorriu, mas os olhos não acompanharam.
— Eu li. Pesquisei muito nos últimos dias. Só quero te proteger, amor.
Ela desviou o olhar. Amor. A palavra soava oca.
Na parte da tarde, quando ficou sozinha, Isadora pegou o celular e voltou à pasta de arquivos protegidos. Assistiu mais vídeos de Leonel. Eles estavam em um chalé, deitados lado a lado, rindo, com cobertores até o queixo. Ela usava a mesma blusa que agora repousava na mala entregue dias antes.
— Você ronca — dizia ele, no vídeo.
— Mentira! — ela ria.
— Verdade! Vou gravar da próxima vez.
— Se gravar, eu te deixo!
— Duvido. A gente já se achou uma vez. Vai se achar de novo, até no fim do mundo.
Ela pausou ali. O coração disparado.
Naquele vídeo… ela estava feliz.
Não fingida, não sorrindo para a câmera. Era genuína. Natural. Vinha de dentro.
Aquele tipo de alegria que Daniel nunca despertara nela — mesmo nos vídeos cuidadosamente postados nas redes sociais.
À noite, o médico responsável veio conversar.
— Isadora, seus exames estão estáveis. A recuperação física está ótima. Mas quanto à memória… ainda não há previsão. A mente humana tem seus próprios ritmos.
— Eu… gostaria de sair daqui — disse ela, de repente. — Ir pra casa. Talvez, se eu voltar pra onde vivi, algo desperte.
Daniel, que também estava presente, se enrijeceu na cadeira.
— Não acha muito cedo? — ele perguntou. — Você ainda está confusa. E em casa não vai ter os cuidados necessários…
— Posso ter — disse ela, com calma. — E prefiro tentar lembrar por mim mesma. Aqui, tudo me parece… neutro.
O médico pareceu considerar. Daniel tentou argumentar mais, mas ao perceber que insistência demais chamaria atenção, recuou.
— Tudo bem — disse, com um sorriso que não alcançou os olhos. — Se é o que você quer, vamos para casa amanhã.
Naquela madrugada, Isadora recebeu uma mensagem de número desconhecido:
"Você está fazendo certo. Cuidado com ele. Vou te encontrar. – L"
Ela segurou o celular com força.
Agora, era um jogo de aparências.
E ela precisava manter o disfarce até descobrir toda a verdade.
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Atualizado até capítulo 44
Comments
Cristiane-10 oliveira
uma curiosidade a família da Isadora sabe que ela sofreu este acidente??? ou estão juntos com o Daniel nesta armação!????🤔🤔🤔🤔👍
2025-07-12
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