Equilíbrio Frágil
Clara acordou com o som familiar de Lia batendo um brinquedo no berço, um ritmo alegre que enchia a casa. A luz do sol entrava pelas cortinas finas, e o relógio marcava 6:30 da manhã. Ela olhou para Lucas, que ainda dormia, o rosto calmo, com uma mecha de cabelo caindo sobre a testa. A noite na varanda, com as mãos entrelaçadas e a promessa de caminharem juntos, parecia um farol em meio à rotina. Mas Clara sabia que manter aquele brilho exigiria esforço. A vida não parava, e o dia já prometia ser cheio.
Ela se levantou, vestindo o moletom velho que se tornara seu uniforme matinal. Desceu as escadas com cuidado, o piso de madeira rangendo sob seus pés. Na cozinha, preparou a mamadeira de Lia e ligou a cafeteira, o cheiro forte do café trazendo um conforto simples. Enquanto aquecia o leite, pensou na conversa com Sofia sobre voltar a dar aulas. A ideia a animava, mas também a assustava. Como equilibrar a maternidade, o casamento e um pedaço de si mesma que sentia falta?
Lia, com seus cachinhos dourados, riu ao ver Clara entrar no quarto. “Mamãe!” exclamou, estendendo os bracinhos. Clara a pegou, abraçando-a com força. “Bom dia, meu anjo,” disse, beijando a bochecha macia da filha. Sentou-se com Lia no tapete da sala, brincando com blocos coloridos enquanto tentava organizar os pensamentos. O jantar com Lucas, o beijo na varanda, a carta – tudo parecia um passo na direção certa. Mas a sugestão de Sofia sobre trabalhar mexia com ela. Será que era o momento? E se isso afastasse Lucas, justo agora que estavam se reencontrando?
Lucas apareceu na sala, já vestido para o trabalho, com a camisa azul que Clara adorava. “Bom dia, minhas meninas,” disse, com um sorriso que parecia mais leve a cada dia. Ele se abaixou para beijar a testa de Lia, depois olhou para Clara. “Café tá pronto?”
“Como sempre,” respondeu Clara, sorrindo. “Quer comer alguma coisa antes de sair?” Ela queria segurar aquele momento, manter a conexão da noite anterior, mas já sentia a rotina se intrometendo.
“Queria, mas tô atrasado,” disse Lucas, pegando a xícara de café. “O chefe tá pegando no pé por causa do inventário. Prometo voltar mais cedo hoje.” Ele hesitou, como se sentisse a decepção dela. “A gente pode fazer algo à noite? Talvez pedir uma pizza, ficar com a Lia?”
Clara assentiu, forçando um sorriso. “Parece bom,” disse, embora uma parte dela quisesse mais – não só uma noite com pizza, mas um momento só deles. “E o domingo? O passeio no parque ainda tá de pé?”
“Com certeza,” disse Lucas, com um brilho nos olhos. “Vou empurrar a Lia no balanço até ela cansar.” Ele se aproximou, dando um beijo rápido na testa de Clara. “Te amo,” murmurou, antes de sair pela porta.
Clara ficou olhando a porta fechada, sentindo uma mistura de calor e frustração. Lucas estava tentando, ela via isso. Mas o trabalho sempre parecia roubar um pedaço dele. Ela levou Lia para a cozinha, colocou-a na cadeirinha e começou a preparar o café da manhã. Enquanto cortava uma banana para a filha, pensou na ideia de voltar a dar aulas. Antes de Lia, ela amava estar na sala de aula, vendo os olhos dos alunos brilharem com uma nova história ou poema. Mas agora, com Lia tão pequena e Lucas tão ocupado, parecia um sonho distante.
O telefone tocou, interrompendo seus pensamentos. Era Sofia, com sua voz calorosa. “Bom dia, filha. Como tá a Lia?”
“Uma bagunceira, como sempre,” disse Clara, rindo enquanto limpava o purê de banana do rosto da filha. “E você, mãe? Já tá planejando mais bolos?”
Sofia riu. “Talvez. Mas vim te perguntar sobre ontem. Como foi a noite com o Lucas? Vocês parecem mais... conectados.”
Clara hesitou, mexendo na xícara de café. “Foi boa, mãe. Conversamos, rimos, foi como antes. Mas hoje já é correria de novo. Ele tá preso no trabalho, e eu... tô pensando na sua ideia. Sobre voltar a dar aulas.”
“Que bom ouvir isso,” disse Sofia, com um tom animado. “Você precisa de algo só teu, Clara. Ser mãe é lindo, mas você também é a Clara que sonhava, que fazia planos. O Lucas vai te apoiar, tenho certeza.”
“Ele disse que sim,” admitiu Clara. “Mas e a Lia? Não sei se consigo deixar ela por tantas horas.”
“Eu posso ajudar,” disse Sofia, sem hesitar. “Algumas tardes por semana, ela pode ficar comigo. Vai ser bom pra vocês três. A Lia precisa de uma mãe feliz, e o Lucas precisa de uma esposa que brilhe.”
Clara riu, mas as palavras de Sofia a fizeram pensar. Talvez voltar a trabalhar fosse uma forma de redescobrir quem ela era – não só para si mesma, mas para Lucas e Lia. “Vou pensar, mãe. Prometo.”
Depois da ligação, Clara levou Lia para o quintal, onde o balanço que Lucas montara balançava levemente com o vento. Sentou-se na grama, deixando Lia brincar com uma bola colorida. O ar fresco e o som dos pássaros a acalmaram, mas a ideia de voltar ao trabalho não saía de sua cabeça. Ela imaginou uma sala de aula, com adolescentes rindo e discutindo livros. Imaginou contar a Lucas sobre seu dia, como faziam antes, quando dividiam sonhos e histórias.
O dia passou rápido, com as tarefas de sempre: almoço, soneca de Lia, lavar roupas. Clara tentou manter o otimismo, mas, quando Lucas ligou à tarde, a voz dele estava tensa. “Clara, não vou conseguir sair cedo hoje,” disse, com um suspiro. “O inventário tá uma bagunça, e o chefe tá exigindo que eu fique até resolver. Desculpa.”
Clara sentiu o coração apertar, mas tentou manter a voz firme. “Tudo bem, Lucas. A gente se vê mais tarde. Cuida de você.”
“Prometo compensar,” disse ele, antes de desligar. Clara olhou para Lia, que brincava com blocos na sala, e sentiu uma onda de frustração. Não era culpa de Lucas, mas a promessa de mais tempo juntos parecia frágil diante da realidade.
Naquela noite, Lucas chegou depois das nove, com o rosto marcado pelo cansaço. Lia já estava dormindo, e Clara aquecia o jantar na cozinha. “Des culpa,” disse ele, jogando a mochila no canto. “Foi um dia daqueles.”
“Eu sei,” disse Clara, tentando não soar chateada. “Mas a gente tinha falado de pizza, de passar um tempo juntos.”
Lucas esfregou o rosto, claramente exausto. “Eu sei, Clara. Eu quero isso. Só que... o trabalho tá me engolindo. Mas amanhã, prometo, saio no horário.”
Clara assentiu, servindo o jantar em silêncio. Enquanto comiam, ela contou sobre a ideia de voltar a dar aulas, esperando reacender a conexão. “Sofia acha que seria bom pra mim,” disse, hesitante. “E talvez pra gente. O que acha?”
Lucas olhou para ela, com um meio sorriso. “Acho que você seria incrível, como sempre foi. Se é o que você quer, vamos fazer dar certo.” Ele estendeu a mão, tocando a dela. “Quero te ver feliz, Clara.”
As palavras dele aliviaram o peso no peito dela. “Obrigada,” disse, apertando a mão dele. “Mas precisamos de tempo pra nós também. Não só pra Lia, não só pro trabalho.”
“Você tá certa,” disse Lucas, com um olhar sério. “Que tal marcarmos um jantar toda sexta? Só nós dois, sem interrupções. A Sofia pode ficar com a Lia.”
Clara sorriu, sentindo a esperança voltar. “Combinado,” disse. “E o passeio no parque domingo?”
“Não perco por nada,” disse Lucas, com um sorriso que lembrava o Lucas da carta.
Naquela noite, depois que Lucas adormeceu, Clara pegou a carta na gaveta da mesinha. Leu as palavras mais uma vez, sentindo a promessa pulsar. A vida era um equilíbrio frágil, mas, com pequenos passos – um jantar, um passeio, uma conversa – eles estavam encontrando o caminho de volta um para o outro.
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Atualizado até capítulo 39
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