A Noite que Nos Reencontrou

A Noite que Nos Reencontrou

As velas na mesa da sala tremeluziam, lançando sombras suaves nas paredes brancas. Clara serviu o frango assado, o aroma de ervas frescas enchendo o ar. Lucas, sentado à sua frente, parecia diferente naquela noite. A camiseta cinza, uma das favoritas dela, abraçava seus ombros largos, e o cabelo úmido do banho recente dava um ar quase juvenil. Clara sentiu um calor no peito, como se o Lucas de dez anos atrás – o que escrevia bilhetes apaixonados e a fazia rir até doer a barriga – estivesse ali, escondido sob o cansaço do dia.

“Você caprichou hoje,” disse Lucas, cortando um pedaço de frango com cuidado. Ele sorriu, mas havia uma hesitação em seus olhos castanhos, como se tentasse decifrar o motivo daquele jantar especial. Clara queria despejar tudo o que sentia, mas as palavras pareciam presas na garganta. A carta, ainda no bolso do moletom pendurado na cadeira da cozinha, pesava como um segredo que ela ainda não estava pronta para compartilhar.

“Queria que fosse especial,” respondeu ela, mantendo a voz leve, quase tímida. “A gente não tem muitos momentos assim, sabe?” Clara pegou o copo de água, mais para ocupar as mãos trêmulas do que por sede. O silêncio que veio em seguida não era pesado, mas parecia cheio de coisas não ditas, como se ambos soubessem que algo importante estava por vir.

Lucas assentiu, mastigando devagar, pensativo. “É verdade. Parece que a vida corre, e a gente só... tenta acompanhar.” Ele baixou o garfo, olhando para o prato por um instante antes de erguer os olhos para Clara. “Você tá bem, Clara? Tipo, de verdade?”

A pergunta a pegou desprevenida. Por um segundo, quis responder com um “tô sim” automático, como fazia sempre que ele perguntava. Mas a carta, com aquelas palavras de Lucas prometendo amá-la para sempre, ainda ecoava em sua mente, acendendo uma faísca de coragem. Ela respirou fundo, decidida a ser honesta. “Não sei,” admitiu, com um meio sorriso que tremia nos cantos. “Amo a Lia, amo nossa vida, mas... sinto que a gente se perdeu um pouco. Você não sente?”

Lucas parou, a faca ainda na mão, suspensa no ar. Seus olhos encontraram os dela, e, por um momento, Clara viu um lampejo de vulnerabilidade, algo que ele raramente deixava transparecer. “Sinto,” disse ele, a voz baixa, quase um sussurro. “Às vezes, olho pra você e pra Lia, e penso que não tô fazendo o bastante. Que não sou o marido que você merece.”

As palavras dele foram como um soco suave no peito de Clara. Ela não esperava tanta sinceridade, não tão rápido. “Lucas, não é isso,” disse, estendendo a mão para tocar a dele. A pele dele era quente, familiar, e o toque trouxe uma onda de memórias – noites de mãos dadas no cinema, caminhadas no parque. “Você é incrível. Só que... a vida mudou. A gente mudou. E eu quero encontrar um jeito de voltar a ser nós.”

Ele segurou a mão dela, apertando de leve, os dedos entrelaçados. “Como a gente faz isso, Clara?” perguntou, com um tom que misturava esperança e um toque de medo. “Entre o trabalho, a Lia, as contas... parece que nunca sobra tempo.”

Clara sorriu, apesar do aperto no coração. “Acho que é por isso que estamos aqui hoje. Pra começar.” Ela apontou para a mesa, as velas, o frango ainda fumegante. “Quero que a gente tenha esses momentos. Que se lembre de quem éramos antes de tudo ficar tão... corrido.”

Lucas riu, um som baixo e quente que fez Clara sentir borboletas no estômago, como nos primeiros meses de namoro. “Você lembra daquela vez que a gente dançou na chuva? No parque, depois do cinema? Todo mundo olhando, e a gente nem ligava.”

Clara riu também, a memória aquecendo seu coração. “Eu tava com aquele vestido amarelo que você amava. Ficou todo encharcado, e minha mãe disse que eu ia pegar um resfriado.” Ela balançou a cabeça, sentindo os olhos marejarem com a lembrança. “A gente era tão livre, Lucas. Quero um pouco disso de volta.”

“Eu também,” disse Lucas, inclinando-se para frente, os olhos brilhando à luz das velas. “Só não sei se sou bom nisso de romantismo como antes.” Ele riu, mas havia um tom sério em sua voz, como se temesse não estar à altura. “Às vezes, sinto que te decepcionei.”

“Você não me decepcionou,” disse Clara, com firmeza, apertando a mão dele. “A gente só... se deixou levar pela rotina. Mas podemos mudar isso. Juntos.” Ela segurou o olhar dele, querendo que ele sentisse a mesma determinação que crescia dentro dela.

O jantar seguiu com risadas leves e histórias do passado. Clara relembrou o dia em que se conheceram, numa fila de cafeteria, quando Lucas, desajeitado, derrubou o café dela e insistiu em pagar outro. Ele riu, esfregando a nuca, envergonhado. “Você me olhou com cara de quem ia me xingar, mas aceitou o café,” disse ele, brincando. “Achei que nunca mais te veria depois daquele dia.”

“E aqui estamos,” disse Clara, com um sorriso suave. O clima estava mais leve, mas ainda havia uma tensão no ar, como se ambos soubessem que uma noite não consertaria tudo. Depois do jantar, Lucas insistiu em lavar os pratos, algo que ele raramente fazia. Clara o observava da porta da cozinha, encostada no batente, sentindo uma mistura de esperança e medo. E se não conseguissem? E se o amor tivesse mudado demais?

Quando terminaram, Lucas sugeriu assistir a um filme, como faziam nos primeiros anos de namoro. Clara escolheu uma comédia romântica antiga, algo leve para manter o clima. Sentaram no sofá, e, pela primeira vez em meses, Lucas passou o braço ao redor dela. Clara se aninhou contra ele, sentindo o calor do corpo dele, o cheiro familiar de sabonete e algo que era só Lucas. Era simples, mas parecia um grande passo, como se estivessem redescobrindo o mapa de um território esquecido.

No meio do filme, o telefone tocou, interrompendo o momento. Era Sofia, avisando que Lia estava bem, mas tinha acordado pedindo pela mãe. “Ela tá com saudades,” disse Sofia, com um tom carinhoso, mas firme, como quem sabe que os netos sempre querem os pais. “Quer que eu a leve pra casa?”

Clara olhou para Lucas, que parecia dividido, o braço ainda ao redor dela. “Deixa ela com a Sofia,” disse ele, suavemente, apertando o ombro de Clara. “Hoje é sobre nós, né?” Clara sorriu, grata pela escolha dele, e sentiu o coração aquecer. Ligou de volta para Sofia, pedindo que acalmasse Lia com uma história. “Ela ama a da princesa e do sapo,” disse Clara, com um sorriso.

Depois da ligação, Clara voltou ao sofá, mas o clima havia mudado. A realidade – a filha, as responsabilidades – sempre encontrava um jeito de se intrometer. “Ela tá bem?” perguntou Lucas, com uma preocupação genuína nos olhos.

“Tá sim,” respondeu Clara, sentando-se ao lado dele. “Mas é isso, né? A vida não para.”

Lucas suspirou, puxando-a para mais perto. “Não para, mas a gente pode fazer pausas. Como hoje.” Ele beijou o topo da cabeça dela, um gesto tão simples que fez Clara querer chorar de alívio e emoção.

Naquela noite, deitados na cama, Clara sentiu o peso da carta no bolso do moletom, ainda na cadeira da sala. Ela não a mostrara a Lucas, mas as palavras estavam gravadas em seu coração: “Prometo te amar todos os dias, mesmo quando a vida complicar.” Virou-se para Lucas, que já estava quase dormindo, e sussurrou: “Te amo.”

“Também te amo,” ele murmurou, com a voz sonolenta, mas cheia de sinceridade. Clara fechou os olhos, sentindo que, pela primeira vez em muito tempo, estavam no caminho certo.

O domingo amanheceu com o sol entrando pelas cortinas, e Lia já estava em casa, trazida por Sofia logo cedo. A rotina voltou com força: fraldas para trocar, café da manhã para preparar, brinquedos espalhados pela sala. Mas algo estava diferente. Lucas ficou mais tempo na mesa da cozinha, brincando com Lia, fazendo caretas que a faziam gargalhar. Ele até ajudou Clara a dobrar as roupas limpas, um gesto pequeno, mas que a fez sorrir.

À tarde, Sofia apareceu para um café, trazendo biscoitos caseiros embrulhados numa toalha de pano. “Vocês parecem mais leves hoje,” disse ela, com um sorriso esperto, sentando-se à mesa com uma xícara fumegante. Clara riu, sem contar sobre a carta ou o jantar. Sofia sempre sabia mais do que dizia, e Clara preferiu guardar aquele momento para si.

Enquanto Lia tirava uma soneca no quarto, Clara e Lucas sentaram no jardim, no banco de madeira ao lado do balanço que ele montara para a filha. O ar estava fresco, com cheiro de grama recém-cortada. “A gente precisa de mais noites como ontem,” disse Clara, hesitante, olhando para o balanço que se movia levemente com o vento. “Mas como, com tudo isso?” Ela apontou para a casa, a bagunça, a vida que não dava trégua.

Lucas pegou a mão dela, entrelaçando os dedos. “A gente dá um jeito. Talvez jantares semanais, só nós dois. Ou um passeio, como antes. O que acha?”

Clara sorriu, sentindo a esperança crescer como uma plantinha frágil, mas viva. “Acho perfeito,” respondeu, apertando a mão dele. Ela pensou na carta, na promessa de Lucas, e percebeu que não era sobre grandes gestos – era sobre os pequenos, como aquele momento, ali no jardim, com as mãos unidas.

Naquela noite, depois que Lia dormiu, Clara finalmente pegou a carta do bolso do moletom. Sentou na cama, com Lucas ao lado, e a entregou a ele. “Encontrei isso no sótão ontem,” disse, com a voz trêmula, mas firme. “Você lembra?”

Lucas abriu a carta, seus olhos percorrendo as linhas que ele mesmo escrevera anos atrás. Ficou em silêncio por um momento, e Clara viu seus olhos marejarem. “Eu era tão brega,” disse ele, rindo, mas a voz estava carregada de emoção. “Mas sabe? Ainda sinto tudo isso, Clara. Mesmo com tudo o que mudou.”

Clara se inclinou e o beijou, um beijo suave, mas cheio de promessas. “Então vamos cumprir essa promessa,” disse ela, com um sorriso. Lucas assentiu, puxando-a para um abraço apertado. A vida era complicada, cheia de fraldas, contas e cansaço, mas, naquela noite, o amor deles parecia mais forte que nunca. Clara sabia que o caminho não seria fácil, mas, com Lucas ao seu lado, sentia que poderiam enfrentar qualquer coisa.

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