Pequenos Passos, Grandes Promessas

Pequenos Passos, Grandes Promessas

Clara acordou com o som de Lia balbuciando no berço, um canto suave que misturava risadas e palavras incompreensíveis. A luz da manhã entrava pelas cortinas, iluminando o quarto com um brilho quente. Ela olhou para o lado, onde Lucas ainda dormia, o rosto relaxado, um raro momento de paz. A noite anterior, com a carta e o abraço apertado, parecia um sonho bom, mas real. Clara sorriu, sentindo o coração leve, mas também um fio de ansiedade. A promessa de reacender o amor era linda, mas a vida real – com fraldas, contas e cansaço – não dava trégua.

Ela se levantou, vestindo o mesmo moletom velho, e foi até o berço. Lia, com seus cachinhos dourados, estendeu os bracinhos. “Mamãe!” exclamou, com um sorriso que derretia qualquer preocupação. Clara a pegou, beijando sua testa. “Bom dia, meu amor,” sussurrou, sentindo o calor do corpinho da filha. Enquanto descia as escadas, pensou em Lucas, na carta, na promessa que compartilharam. Será que conseguiriam manter aquele momento vivo no meio do caos do dia a dia?

Na cozinha, Clara preparou a mamadeira de Lia e colocou o café para passar. O cheiro forte do café a fez lembrar de Lucas, que sempre deixava a cafeteira pronta antes de sair. Era um gesto pequeno, mas, depois da noite passada, parecia carregar mais significado. Ela olhou para a mesa da sala, onde as velas do jantar ainda estavam, agora apagadas, mas testemunhas de um recomeço. “Vamos fazer isso funcionar,” murmurou, mais para si mesma do que para Lia, que brincava com um copo de plástico.

Lucas apareceu na cozinha minutos depois, já vestido para o trabalho, com a camisa azul que Clara sempre achava que combinava com seus olhos. “Bom dia, meninas,” disse, com um sorriso que parecia mais leve que o habitual. Ele se abaixou para beijar a testa de Lia, depois olhou para Clara. “Dormiu bem?”

“Mais ou menos,” respondeu Clara, rindo. “Lia acordou duas vezes. E você?” Ela quis perguntar se ele ainda pensava na carta, mas hesitou, com medo de parecer ansiosa demais.

“Melhor que o normal,” disse Lucas, pegando uma xícara de café. Ele ficou em silêncio por um momento, como se escolhesse as palavras. “Sobre ontem... foi bom, Clara. Muito bom. Quero mais noites assim.”

Clara sentiu o coração acelerar. “Eu também,” disse, com um sorriso tímido. “Talvez a gente possa planejar algo pro fim de semana? Um passeio, só nós três?”

Lucas assentiu, mas seu rosto ficou sério. “Queria muito, mas o chefe marcou uma reunião sábado de manhã. Inventário na loja. Não sei a que horas vou sair.” Ele suspirou, esfregando a nuca. “Mas prometo compensar. Que tal domingo?”

Clara sentiu uma pontada de decepção, mas engoliu o sentimento. “Domingo tá ótimo,” disse, forçando um sorriso. Não queria que a primeira manhã após o jantar fosse marcada por frustração. “A gente pode ir ao parque. Lia adora o balanço.”

“Fechado,” disse Lucas, com um brilho nos olhos. Ele se aproximou, hesitante, e deu um beijo rápido nos lábios dela, algo que não fazia há semanas. “Te amo,” murmurou, antes de pegar a mochila e sair pela porta.

Clara ficou parada, sentindo o calor do beijo. Era um gesto pequeno, mas, para ela, era como se o Lucas da carta tivesse voltado por um instante. Ela olhou para Lia, que batia o copo na mesa, rindo. “Seu pai é um bom homem, sabia?” disse, bagunçando os cachinhos da filha.

O dia passou num borrão de tarefas: trocar fraldas, lavar louça, brincar com Lia. Clara tentou manter a energia da noite anterior, mas a rotina era implacável. Enquanto limpava o purê de cenoura do rosto de Lia, pensou em como seria o passeio no domingo. Imaginou Lucas empurrando Lia no balanço, os dois rindo juntos, e talvez um momento só deles, como tomar um sorvete enquanto Lia dormia no carrinho. Pequenos momentos, mas que pareciam promessas de algo maior.

À tarde, Sofia apareceu, como fazia quase todos os dias, com uma bolsa cheia de brinquedos para Lia e um prato de bolo de laranja embrulhado em filme plástico. “Trouxe um mimo,” disse, com seu sorriso caloroso, mas com aquele olhar que sempre parecia enxergar além. Ela se sentou à mesa da cozinha, observando Clara enquanto cortava o bolo. “Você tá diferente, filha. Mais leve. Aconteceu alguma coisa?”

Clara hesitou, pensando na carta e no jantar. Não queria contar tudo – Sofia tinha o hábito de transformar conselhos em sermões. “Só tivemos uma noite boa ontem,” disse, mantendo a voz casual. “Eu e o Lucas conversamos. Foi... especial.”

Sofia ergueu uma sobrancelha, servindo-se de uma fatia de bolo. “Que bom ouvir isso. Vocês dois precisam de tempo juntos. A Lia é uma bênção, mas o casamento não sobrevive só de fraldas e beijos na testa.”

Clara riu, mas as palavras da mãe acertaram em cheio. “Eu sei, mãe. Estamos tentando. Só que... é difícil. Ele trabalha tanto, e a Lia precisa de mim o tempo todo.”

“É difícil mesmo,” disse Sofia, com um tom mais suave. “Mas o amor é como uma planta, Clara. Se não regar, ela murcha. E você e o Lucas têm uma planta forte, só precisam lembrar de cuidar dela.”

Clara assentiu, cortando um pedaço de bolo para Lia, que imediatamente começou a esmagá-lo com as mãozinhas. “Você já pensou em voltar a trabalhar?” perguntou Sofia, mudando de assunto. “Nem que seja meio período. Você amava ser professora antes da Lia.”

A pergunta surpreendeu Clara. Antes de Lia nascer, ela dava aulas de português numa escola local, e adorava. Mas, depois da gravidez, decidiu ficar em casa, pelo menos até Lia crescer mais. “Às vezes penso nisso,” admitiu. “Mas não sei se é o momento. A Lia ainda é tão pequena, e o Lucas tá sempre tão ocupado.”

“Pensa com carinho,” disse Sofia, com um sorriso. “Você é mais do que mãe, Clara. E o Lucas precisa te ver como a mulher que ele se apaixonou, não só como a mãe da filha dele.”

As palavras de Sofia ficaram na cabeça de Clara pelo resto do dia. Enquanto brincava com Lia no tapete da sala, pensou no que significava ser “Clara” além da maternidade. Amava ser mãe, mas sentia falta de si mesma – da mulher que lia livros, que planejava aulas, que sonhava com viagens. Talvez Sofia tivesse razão. Talvez encontrar um pedaço de si mesma ajudasse a reacender o que ela e Lucas tinham.

Naquela noite, Lucas chegou mais tarde, com o rosto marcado pelo cansaço. “Desculpa,” disse, jogando a mochila no canto da sala. “O chefe tá uma fera por causa do inventário.” Ele se abaixou para pegar Lia, que correu para ele com um gritinho de alegria. “Oi, pequena,” disse, girando-a no ar.

Clara observava da cozinha, sentindo uma mistura de ternura e frustração. Queria contar sobre a conversa com Sofia, sobre a ideia de voltar a trabalhar, mas o momento não parecia certo. Em vez disso, perguntou: “Como foi o dia?”

“Cansativo,” respondeu Lucas, sentando-se no sofá com Lia no colo. “Mas vou tentar sair mais cedo amanhã. Quero estar mais presente, sabe?” Ele olhou para Clara, com um sorriso tímido. “Como ontem.”

Ela sorriu de volta, sentindo o coração aquecer. “Eu gostaria disso,” disse, sentando-se ao lado dele. Lia, agora sonolenta, deitou a cabeça no peito de Lucas, e Clara sentiu uma onda de amor por aquela cena – sua família, tão imperfeita, mas tão dela.

Depois que Lia dormiu, Clara e Lucas sentaram-se na varanda, com xícaras de chá nas mãos. O ar fresco da noite trazia o cheiro de jasmim do jardim. “Sofia esteve aqui hoje,” disse Clara, hesitante. “Ela sugeriu que eu pensasse em voltar a dar aulas. Meio período, talvez.”

Lucas ergueu as sobrancelhas, surpreso. “Você quer isso?” perguntou, com um tom curioso, mas cuidadoso. “Quer dizer, você amava ensinar. Mas e a Lia?”

“Eu também pensei nisso,” disse Clara. “Mas talvez seja bom. Pra mim, pra gente. O que acha?”

Lucas ficou em silêncio por um momento, olhando para o jardim escuro. “Acho que você deve fazer o que te faz feliz,” disse, finalmente. “Se quiser voltar, a gente dá um jeito. Talvez a Sofia possa ajudar com a Lia algumas tardes.”

Clara sentiu um alívio inesperado. “Você não acha que é cedo demais?” perguntou, quase com medo da resposta.

“Não sei,” admitiu Lucas, com um meio sorriso. “Mas sei que você é incrível, Clara. E se voltar a ensinar te faz sorrir como antes, então vale a pena.” Ele estendeu a mão, tocando a dela. “Quero te ver feliz. E quero que a gente continue assim, como ontem.”

Clara apertou a mão dele, sentindo lágrimas nos olhos. Não eram lágrimas de tristeza, mas de esperança. “Obrigada,” sussurrou. “Vamos fazer isso juntos, tá?”

“Tá,” disse Lucas, puxando-a para um abraço. A noite estava silenciosa, exceto pelo som de grilos no jardim. Clara pensou na carta, guardada agora na gaveta da mesinha de cabeceira. Aquelas palavras – “Você é meu lar” – pareciam mais vivas do que nunca.

Naquela noite, deitados na cama, Clara se aninhou contra Lucas, sentindo o ritmo lento da respiração dele. A vida ainda era uma correria, com seus desafios e interrupções, mas, pela primeira vez em muito tempo, Clara sentia que estavam caminhando juntos. Pequenos passos, como o jantar, o beijo, a conversa na varanda, estavam construindo algo novo. E, enquanto adormecia, ela soube que, com Lucas ao seu lado, poderiam enfrentar qualquer coisa.

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