Capítulo 2

Terça-feira, 9h — Dia da Votação

O auditório do Colégio Dom Felipe estava lotado. Alunos da turma do terceiro ano, professores, coordenadores e até alguns curiosos de outras salas esperavam pelas apresentações finais dos candidatos à liderança estudantil.

Patrícia caminhava em direção ao palco com o coração acelerado, mas o rosto firme. Sua postura era impecável, e o discurso que segurava em mãos tinha sido revisado três vezes — por ela, por Natália e até por sua mãe. Ela não deixava nada ao acaso.

Ao passar pela primeira fileira, seu olhar cruzou com o de Michael, sentado entre os amigos, pernas esticadas, braços cruzados atrás da cabeça, como se aquilo tudo fosse só mais uma brincadeira.

Mas havia algo diferente naquele olhar. Uma intensidade que não combinava com a postura relaxada. Algo entre orgulho e provocação. Algo que mexeu com ela mais do que deveria.

— Vai arrasar — sussurrou Natália ao seu lado.

Patrícia assentiu, ajustou o microfone e começou.

— Bom dia a todos. Meu nome é Patrícia Andrade, e estou aqui hoje porque acredito que liderança é mais do que falar alto ou mandar bem nas redes sociais. Liderança é ouvir, representar e agir. É transformar reclamações em soluções e opiniões em projetos concretos...

Enquanto ela falava, Michael mantinha os olhos nela. Não como inimigo, não como competidor. Mas como quem a conhecia por dentro. Como quem lembrava de cada debate, cada briga, cada olhar atravessado nos corredores desde os oito anos de idade.

E, pela primeira vez, talvez ele estivesse se perguntando o que teria acontecido se, em vez de competir, eles tivessem tentado andar lado a lado.

A apresentação de Michael foi exatamente o oposto.

— Fala, galera! — ele começou, sem script, sem papel, sem nada além de seu sorriso convencido. — Eu não trouxe um discurso bonito. Eu trouxe ideias. Tá cansado de evento chato? Quer fazer um campeonato de verdade? Acha que os professores podiam ouvir mais a gente? Então, vote em mim. Porque eu sei o que vocês querem. E eu sei como conseguir.

A plateia explodiu em aplausos. Muitos riram. Alguns até assobiaram. E Patrícia, sentada na lateral do palco, só observava com um aperto estranho no peito.

Ela odiava admitir… mas ele tinha carisma. Sempre teve. Talvez fosse isso que a irritava tanto. Ou talvez… fosse o medo de que ele usasse esse charme para coisas que ela não podia controlar. Inclusive, para confundir o que ela sentia.

Na saída do auditório, Patrícia mal teve tempo de respirar. Thiago se aproximou com um sorriso tímido e um chocolate em forma de coração.

— É meio bobo, mas… achei que merecia algo doce depois do seu discurso.

Ela sorriu, surpresa. — Obrigada, Thiago. Foi muito gentil.

— Você tem um jeito… forte de falar. Dá vontade de seguir você.

— Você vai me fazer corar — ela riu.

E foi nesse exato momento que Michael apareceu ao lado dos dois.

— Que cena fofa — ele disse, com um sorriso forçado. — Devo voltar depois ou posso atrapalhar?

Thiago ficou um pouco sem graça. Patrícia, nem tanto.

— Só se você for educado por cinco minutos.

— Estou tentando — ele rebateu. — Mas é difícil quando alguém tenta comprar votos com chocolate.

— Ele não está me comprando — Patrícia disse, firme.

— Claro que não. — Michael olhou para Thiago. — Mas se eu fosse você, não começava um jogo que não sabe jogar.

O clima pesou. Thiago, envergonhado, murmurou um “com licença” e saiu.

— Você é insuportável — Patrícia disse, irritada.

— E você é cega. Esse cara não quer estudar química, Pati. Ele quer outra coisa.

— E se quisesse? Qual o problema?

Michael se aproximou um passo. O tom da voz abaixou.

— O problema é que você nunca percebe quando alguém tá te olhando diferente… ou quando alguém já te olha assim faz tempo.

Patrícia prendeu a respiração. A distância entre eles era mínima. As palavras pairavam entre os dois como uma confissão inacabada. Mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, a coordenadora apareceu chamando ambos para a apuração dos votos.

No fim do dia, o resultado saiu.

Empate.

Exatamente o mesmo número de votos para Patrícia e Michael.

A sala explodiu em murmúrios. Nunca antes isso havia acontecido. Seria necessária uma segunda votação, só entre os dois, na semana seguinte.

Enquanto todos reagiam, Patrícia olhou para ele.

Michael sorriu. Um sorriso de quem não ligava de perder. Porque, de alguma forma, ele já sentia que estava ganhando algo mais importante.

E, talvez… ela também.

Naquela noite, deitada em sua cama, Patrícia não pensava no resultado da eleição. Nem em projetos para a próxima semana.

Ela pensava nos olhos de Michael.

No jeito como ele olhou para ela depois do discurso.

E, principalmente, na frase que ele não completou.

"Quando alguém já te olha assim faz tempo..."

Quantas vezes ela olhou para ele e escolheu não ver?

Quantas vezes ele tentou dizer o que nem ele sabia?

Talvez o problema nunca tenha sido o ódio.

Talvez… fosse exatamente o contrário.

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