"SETE DIAS, SETE MALDITOS DIAS "
A semana que separava Eliza dos seus dezesseis anos passou como um borrão — como se o tempo tivesse perdido a graça de existir e se arrastasse apenas por obrigação. Nada foi especial. Nada foi diferente. Nem bolo, nem amigos, nem uma surpresa de filme clichê que ela secretamente esperava e odiava ao mesmo tempo. Tudo seguiu como sempre: a mãe entre recaídas e tentativas, o silêncio da casa interrompido por gritos aleatórios no meio da noite, e ela... sendo apenas ela.
Todos os dias, Eliza acordava com aquela sensação de que alguma coisa estava errada. Não era só com o mundo lá fora — era com ela. Era como se a pele dela estivesse apertada demais, como se a alma estivesse presa num lugar que não era pra ela.
Ela passava horas no quarto, olhando o teto descascado, ouvindo as vozes da casa... e outras vozes também. Vozes que não vinham da porta. Vozes que não vinham da realidade.
Mas naquela madrugada, algo mudou.
Eliza estava dormindo, encolhida de lado, quando tudo começou. A respiração desacelerou, os batimentos ficaram distantes. De repente, estava em outro lugar. Um sonho... mas não era qualquer sonho.
Era lindo. Assustadoramente lindo.
Ela pisava descalça sobre um chão que parecia de vidro — refletia as estrelas como se o céu tivesse descido pra recebê-la. Tudo era banhado por uma luz dourada, e havia um aroma doce no ar, quase inebriante. No centro daquele mundo utópico, uma construção grandiosa se erguia: pilares altos, um trono esculpido em pedra negra... e ele.
Azazel.
Sentado no trono como se fosse rei de um reino esquecido pelos humanos. Os olhos dele ardiam como brasas — não de ódio, mas de um poder antigo e absoluto.
— Elizetiel... você voltou.
O nome ecoou como trovão no peito dela.
— Não... Eu... isso é um sonho — disse ela, confusa.
— Tudo o que você chama de sonho é só a lembrança do que você foi arrancada à força. Esqueceram de te apagar completamente. Por isso as vozes. Por isso os pesadelos.
Ele desceu os degraus, os pés tocando o chão com leveza sobrenatural. Aproximou-se dela, levantou seu queixo com um toque gelado.
— Não se assuste, minha Prometida. Você está começando a despertar...
— prometida? Como? Do que está falando? — pela, a primeira vez, é como se estivesse em outro corpo, com a voz tremula, não quero... O que é esse lugar? Quem é ele?...
— Querida, eu sei o que está pensando, mas não vou dizer muito, apenas, se prepare. Em breve nos veremos.
Mas antes que ela pudesse responder, a utopia se desfez como vidro quebrado. O mundo tremeu, rachou, e sombras violentas puxaram Eliza para baixo, como garras famintas querendo arrancar dela cada pedaço de verdade.
Ela acordou com um grito preso na garganta, suando frio. Eram 03:33 da manhã.
As vozes voltaram. Mas agora... elas sabiam o nome dela. O verdadeiro nome.
A manhã do aniversário chegou silenciosa. Nem a mãe lembrou.
Jonathan reapareceu no fim do dia, como se fosse ser um presente o que iria fazer, e com a expressão de sempre: pesada, sombria, tentando parecer protetora.
— Eliza, prepara suas coisas. Vamos sair amanhã cedo — disse sem rodeios.
— Sair? Como assim? Eu fiz 16 hoje, Jonathan. Tu sequer lembrou. Vai me dar o quê? Uma carona pro nada?
— Você precisa de um lugar novo. Um lugar que te ajude. Um lugar que te... conserte.
— Ah, que ótimo. E que tipo de lugar é esse? Clínica? Reformatório? Já que tá achando que eu sou um erro de fabricação.
— É uma escola religiosa. Disciplinada. Vai te dar estrutura. Regras.
Ela riu. Mas não era um riso verdadeiro. Era o tipo de riso que vem antes de um colapso.
— Você tá me enfiando num convento? Porra, Jonathan. Isso é castigo?
Ele apenas a encarou. Os olhos dele não tremiam. Aquilo era sério.
— Eliza... eu só quero que você fique segura.
— Segura de quê, hein?! Das vozes?! Das visões?! Ou de você mesmo?! — a voz dela saiu carregada, cortante como faca no vidro.
Mas Jonathan permaneceu em silêncio. Pegou a mochila dela. Disse apenas:
— Amanhã às 7.
O portão da Instituição São Miguel Arcanjo era imenso, branco demais. As paredes altas protegiam mais do que alunos — protegiam segredos. O símbolo da cruz, os cânticos matinais, o sagrado... tudo era excessivo. Quase sufocante.
Eliza não se encaixava ali. E sentia isso desde o primeiro segundo.
Ela vestia o uniforme padronizado: saia abaixo do joelho, camisa branca, cabelo preso. Os corredores cheiravam a desinfetante e culpa. As madres sorriam, mas seus olhos eram vazios — como bonecas esquecidas num porão.
As regras? Um livro inteiro. Era proibido usar celular, conversar demais, questionar qualquer coisa da doutrina, se olhar no espelho por muito tempo, ou “estimular pensamentos impuros”.
Impuro. Ela inteira parecia impura naquele lugar.
As noites começaram a pesar.
Os pesadelos voltaram.
Eram vozes rindo atrás da porta. Sussurros dizendo: "Acorde, Elizetiel... acorde."
Ela sonhava com as madres em volta de seu leito, mas seus rostos estavam distorcidos — as bocas abertas num sorriso impossível, onde só havia sombra. Os olhos eram negros. Um deles dizia: “Aqui é o seu castigo, filha da desobediência.”
Ela acordava gritando, mas era orientada a rezar.
"Deus te ama", diziam.
Mas algo dentro dela dizia o contrário.
A cada dia, Eliza sentia sua mente se afastar mais da realidade. E mais próxima de... algo. Algo antigo. Algo profundo. Algo que o mundo queria apagar.
Enquanto lutava, sentia traída, esquecida, os sentimentos invadiam seu peito e as lágrimas desciam..."Porquê ele fez isso?" — A pergunta de um milhão. Sem resposta e com a sua mente confusa, se perguntava como estaria a sua mãe sem ela.
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Atualizado até capítulo 22
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