— ELIZETIEL! SUA TRAIDORA! COMO OUSA NOS DEIXAR ?!
Aquelas vozes estranhas ecoaram na minha mente de forma persistente naquela madrugada. Confesso que foi difícil lidar com toda essa situação desgastante.
O silêncio da noite, os ventos passando pelos lençóis desarrumados e o cheiro de lar — uma casa na qual cresci — me rodeavam entre linhas de dor e sofrimento cotidiano. Minha mãe... antes era uma mulher brilhante. Mas, com o tempo e as turbulências depressivas, afogou-se numa realidade que só existia dentro da própria mente.
É complicado revisitar o passado... pior ainda é nem saber de qual passado minha mente insiste em me perturbar. Talvez eu esteja só enlouquecendo com os hormônios. Só espero que, neste aniversário, pelo menos as contas estejam pagas.
— O que foi, Jonathan? — abro os olhos ao som do galo cantando e da movimentação do lado de fora, enquanto meu irmão bate na porta.
— Eliza, eu... vou sair — digo num suspiro pesado, enquanto me preparo para passar dias fora. Minha irmã não deve se comprometer com os problemas... nem saber os motivos pelos quais tomarei certas atitudes. Mas, querida, você vai ficar bem.
— É claro. Você sempre vai no mesmo dia que vem. Me surpreende que, dessa vez, demorou um pouco — resmungo, abraçando meu travesseiro. Sinto algo estranho revirando meu estômago. Isso não é só fome... tenho certeza disso.
— Não espero que entenda meus motivos, Eliza. Só quero que fique bem. Em breve, você irá a um lugar... preciso de um tempo sozinho, com a mamãe — ele respira fundo, sem abrir a porta, apoiando-se na parede.
— Como assim? Que lugar? Por que quer me afastar da mamãe? — me levanto num impulso de indignação, abrindo a porta enrolada na coberta, com uma expressão que beira a raiva e a melancolia.
— Eliza... veja seus olhos. Fundos como os de uma mulher, quando devia viver como uma adolescente. Os mesmos olhos azuis da mamãe... só que apagados pelo sofrimento. Eu te defendo desde que nasceu. Mesmo que eu não fique em casa, mantenho ele distante — tento arrumar seus fios soltos da testa, com um pesar interno que não revelo.
— Eu sei. Mas isso não muda o fato de que já cresci assim. Entendo que você mantém aquele monstro longe... mas, se um dia ele voltar, estaremos ferrados — cruzo os braços por cima do cobertor, olhando para o chão.
— Não se preocupe, minha querida. Eu cuidarei de tudo — ele se afasta pelo corredor, suspira profundamente, pega a bolsa e olha para nossa mãe sentada à mesa.
— Filho... onde você vai de novo? — ela pergunta, triste.
— Mãe, cuide-se. Não posso ficar por muito tempo, mas prometo voltar. A Eliza vai cuidar da senhora. Não se preocupe, as contas já estão pagas — envolvo minha mãe num abraço genuíno de despedida. Não é um adeus. Essas mulheres não ficarão sozinhas.
— Tudo bem... volte quando puder. Eu sei que a faculdade tem sido difícil, mas não se esforce demais, meu filho.
— Ah... a faculdade. Tudo bem, mãe. Só farei o necessário — me desvencilho do abraço com um leve aperto no peito. Ver ela acreditar que estou mesmo estudando me alivia. Não quero que ela saiba das minhas atitudes egoístas e mesquinhas no mundo do crime cibernético.
— Ainda está aí? — me sento à mesa junto da mamãe e me sirvo de café.
— Não se preocupe, Eliza. Cuide da mamãe — ele diz, indo em direção à porta da frente.
— Ah, Jonathan... você me cansa — faço um bico desanimado enquanto como um pedaço de pão com café.
— Filha, não fale assim do seu irmão. Ele está se esforçando... se não fosse ele, a gente...
— Eu entendo, mãe. Só acho que ele já passa tempo demais fora — até parece que eu não sei que ele vive no crime. Pode enganar a senhora, mas a mim não.
— Filha, mudando de assunto... obrigada por ontem. Vou tentar não beber tanto... Mas não sei, quando encosto numa garrafa... perco totalmente o controle — ela fala cabisbaixa.
— Mãe, tá tudo bem. Você tá se esforçando. Ontem foram só três, né? — falo como se desse alguma esperança. Como eu queria que fosse verdade.
— Três... me descuidei. Mas hoje será diferente. Fiz café, e vou fazer o almoço. Quero te ver na escola, hum? — ela sorri com um rosto cansado e esgotado.
— Mãe... eu fui suspensa da escola. Não quero entrar em detalhes. É a terceira vez. Desculpa a decepção — continuo comendo, terminando o café.
— Oh? Por quê? Como assim suspensa? O que fizeram com você, minha filha?
— Relaxa, mãe. Não foi nada demais — era melhor contar do que esconder, mas prefiro não entrar em detalhes. Não quero que ela vá ao colégio brigar com aquela professora babaca.
— Filha... o que está me escondendo? — ela cerra os olhos azuis, me encarando profundamente.
— Oh? — Droga, droga! Não faz isso, mãe! Parece que me lê com esses olhos. Inventa uma desculpa, Eliza. Inventa uma DES-CUL-PA!
— Elizabeth?
— Ah... mãe! Eu tenho um trabalho pra fazer na casa de uma amiga. Andei matando umas aulas sem querer — por favor, acredita nessa história miserável de amizade verdadeira...
— Ah... entendo — ela diz, ainda desconfiada. Me levanto, tiro os talheres e as xícaras da mesa.
— Pois é... mas não se preocupe. Quando acabar minha suspensão, volto aos deveres estudantis — essa história da amiga não colou. Dá pra sentir a desconfiança dela daqui. Eu sou antissocial, neurodivergente e tenho TDAH... não é como se eu conseguisse resolver as coisas perfeitamente.
— Chame sua amiga pra comemorar seu aniversário daqui a uma semana, minha querida. Vai ser um prazer receber ela — diz enquanto lava a louça.
— Ah... certo — respondo, caminhando de volta pro corredor em direção ao meu quarto.
Ahhh! droga! 16 anos daqui a uma semana... e não tenho nenhuma amizade! Posso dizer que delirei? Sinceramente, sou tão na minha que não compreendo o mundo alheio... — me jogo na cama, mergulhada nos pensamentos.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Black Jack
Eu amo a história, mas preciso saber o que acontece no próximo capítulo!
2025-07-09
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