O mundo voltou lentamente — como um sussurro entre os ossos.
Selene abriu os olhos com dificuldade. O céu acima ainda era vazio, um breu profundo que não oferecia consolo. A pedra do altar estava fria sob suas costas. As bordas do símbolo gravado ainda pulsavam em brasa pálida, como se tivessem acabado de chamá-la pelo nome.
Mas ninguém ali sabia seu nome verdadeiro.
Ela se ergueu devagar, sentindo o peso estranho do próprio corpo — como se tivesse andado por outro mundo enquanto o dela dormia.
“Você desmaiou,” disse Maya, ajoelhada ao lado. O rosto carregava preocupação, mas também algo mais: espanto. “Por alguns segundos, você... brilhou.”
“Você ouviu alguma coisa?” perguntou Ariadne, mais direta. “Ou viu?”
Selene hesitou. As palavras ainda dançavam dentro dela como fragmentos soltos de um sonho antigo.
“Eu vi... alguém. Uma mulher envolta em luz. E uma voz — era suave, mas firme. Como se falasse comigo de um lugar muito distante. Ela disse que o coração não mente. Que eu sou filha da noite e da luz.”
Kael ficou imóvel ao ouvir isso. O olhar dourado fixo nela, intenso demais para ser apenas curiosidade.
Selene o encarou. “Você sabe o que isso significa?”
Ele demorou para responder. Quando falou, foi em tom baixo, quase um lamento:
“Significa que o mundo que vocês conheciam não existe mais. E o que está para emergir... talvez já estivesse esperando por você.”
Selene desviou o olhar, tentando ignorar a sensação crescente de que tudo o que era sólido em sua vida começava a desmoronar. Não era só o que viu — era o que sentiu.
Como se algo dentro dela, enterrado por muito tempo, agora batesse contra as paredes de sua alma, pedindo para ser libertado.
Mas libertar o quê?
Ela se afastou do altar, os dedos ainda formigando. Maya a observava em silêncio, e por um momento Selene achou que a irmã sabia mais do que dizia. Não com palavras. Mas com o olhar de quem também sentia.
“Isso nunca foi só sobre nós, foi?” perguntou Selene, em voz baixa. “Nem sobre o portal. Nem sobre esse mundo.”
Maya demorou para responder. “Não. Eu acho que nunca foi.”
Ariadne bufou, cruzando os braços. “Ótimo. Primeiro, nossa mãe nos cria em silêncio absoluto, cheia de regras e segredos. Depois, somos jogadas num mundo que parece um túmulo de magia. Agora, você começa a ver mulheres feitas de luz e ouvir vozes do além.”
“Não era do além,” murmurou Selene. “Era… daqui. Como se essa terra soubesse quem eu sou antes mesmo de eu saber.”
Kael permaneceu quieto, observando tudo com um olhar de quem pesa palavras e consequências. Quando finalmente falou, sua voz era como pedra antiga sendo rachada.
“Vocês não deveriam estar aqui. Ainda não. Esse lugar… responde apenas àqueles que foram chamados. E Selene foi.”
Ela o olhou. “Por quê?”
“Porque algo está despertando em você.” Ele a encarou, sério. “E não estou falando só de magia. Estou falando de legado. De linhagem. Do que você representa — mesmo sem saber.”
O vento soprou forte, levantando cinzas do chão. Por um segundo, a forma do símbolo gravado no altar brilhou novamente, como se escutasse a conversa.
Selene levou a mão ao peito. O coração batia forte, descompassado. Mas não era medo. Era uma urgência silenciosa. Uma dor que não vinha de fora, mas de dentro.
Foi então que sentiu.
Por um breve instante, algo se estendeu dentro dela — uma energia viva, como uma onda atravessando o espaço. E ela não foi a única.
Maya ofegou. Ariadne cambaleou para trás, levando a mão à cabeça.
“Você sentiu isso?” perguntou Maya, os olhos arregalados.
“É como se… algo tivesse nos puxado por dentro,” respondeu Ariadne, surpresa. “Como se estivéssemos... ligadas.”
Selene os encarou, o sangue latejando nas têmporas.
Elas estavam ligadas. Ela sabia, mesmo sem entender como. Não era racional. Era visceral.
Mas o que as unia — e por quê — ainda estava escondido nas sombras da verdade que Genevieve, sua mãe, mantivera enterrada durante toda uma vida.
Kael se aproximou devagar.
“Vocês três... são mais do que irmãs,” disse ele, quase num sussurro. “E há alguém que não queria que descobrissem isso tão cedo.”
Selene cerrou os punhos. A raiva se misturava ao medo. As lembranças da infância, os silêncios de Genevieve, os olhares desviados. Tudo parecia agora parte de uma grande mentira costurada com carinho — mas ainda assim, uma mentira.
“Se ela escondeu isso da gente,” disse Ariadne, “então está na hora de descobrir o que mais ela escondeu.”
Selene assentiu. A luz prateada que ainda dormia dentro dela parecia pulsar, impaciente.
Algo antigo e selvagem pulsava dentro dela — e não podia mais ser silenciado.
E ele queria a verdade.
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Atualizado até capítulo 22
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