Os dias que seguiram a festa foram como um inverno dentro de Luna.
O que antes era sonho e expectativa havia se transformado em silêncio. Um silêncio cruel. Do tipo que ecoa dentro do peito e torna tudo mais cinza. Ela não saiu mais de casa. Não atendeu ligações, ignorou mensagens e sequer abriu seu diário. Nem mesmo Iris conseguiu convencê-la a dar um passo fora do quarto.
Ela estava deitada, encarando o teto do quarto, com as pernas cobertas por um edredom leve e a alma envolta em algo muito mais pesado, quando o celular vibrou.
Achou que fosse Iris. Mas, ao olhar para a tela, seu coração parou por um instante.
"Alaric Virmond."
O nome do patriarca da família mais poderosa de Altharia — e uma das poucas pessoas que ela realmente considerava parte da sua vida — parecia brilhar na tela. Ela respirou fundo antes de atender.
— Alô?
— Minha menina... — disse a voz grave e acolhedora do outro lado. — Você sumiu de mim.
Luna tentou esconder o nó na garganta.
— Me desculpe... eu só... estive um pouco ocupada.
— Todos nós ficamos ocupados de vez em quando, — ele disse com a calma de quem já viu o mundo girar milhares de vezes. — Mas há uma diferença entre estar ocupada e estar se escondendo.
Ela não respondeu.
— Por que não vem me visitar hoje? Apenas você e eu. Nada de festas, nada de obrigações. Apenas uma tarde tranquila. A casa está aberta. Sempre estará para você.
Luna hesitou ao tocar a campainha da mansão. Embora conhecesse bem os corredores e já tivesse estado ali inúmeras vezes — desde aniversários até tardes com livros e conversas ao piano — aquele portão agora parecia guardar um mundo que a feria.
Mas quando a porta se abriu e Alaric surgiu com seu eterno casaco cinza e expressão de pai cansado do mundo, ela sentiu seu corpo se acalmar.
Ele era assim: como uma âncora em meio à tempestade.
— Ah, minha menina... — ele disse, abrindo os braços.
Ela se deixou envolver por aquele abraço. Era um gesto silencioso, mas cheio de significado.
Ali, em meio ao mármore frio e à opulência silenciosa da mansão Virmond, ela encontrou o único lugar onde ainda se sentia inteira.
— Está magra demais. — ele comentou, afastando-se para encará-la. — E seus olhos estão cansados. Você está dormindo direito?
— Mais ou menos — ela murmurou.
Ele não pressionou. Apenas assentiu, como quem já sabia a resposta, e fez um gesto para que o seguisse até a sala de leitura.
Era seu lugar preferido. Um cômodo afastado, com lareira acesa mesmo nos dias amenos, estantes de madeira escura e o leve cheiro de livro antigo no ar. Alaric a conduziu até uma das poltronas de veludo verde e serviu chá com as próprias mãos, em uma porcelana que Luna reconhecia desde a infância.
— Sabe, quando penso em você, Luna, nunca consigo pensar apenas como a filha de Lucienne e Bastien. — ele começou, sentando-se à frente dela. — Penso como alguém que cresceu aqui dentro. Que pertence a isso tudo tanto quanto qualquer um dos meus filhos.
Ela olhou para ele, surpresa com a firmeza daquelas palavras.
— Eu não carrego o sobrenome de vocês...
— Nomes são ruídos, — ele rebateu com um sorriso. — Família é laço. E você está entrelaçada a nós, queira ou não.
Luna sentiu o peito apertar com aquela gentileza. Por tantos anos, ele fora mais do que um padrinho ou tutor. Fora presença. Afeto. Porto seguro.
— Por que está me dizendo isso agora?
Alaric se levantou calmamente e caminhou até uma estante lateral. De lá, tirou uma caixa de madeira esculpida com símbolos antigos e detalhados. Abriu com cuidado e tirou uma fotografia. Voltou até a mesa e colocou a imagem diante dela.
Era uma foto dos seis filhos.
Dante. Adrian. Elias. Tristan. Levi. Cael.
Todos vestidos de preto e dourado em uma cerimônia formal. Os rostos distintos como as fases da lua: Dante, sóbrio como a noite nova; Adrian, inquieto como a crescente; Cael, brilhante como a cheia. E todos, à sua maneira, parte de uma constelação que há anos fascinava Luna.
Ela engoliu em seco, os olhos se fixando na imagem como se pudesse extrair dela todas as respostas que precisava.
— O que é isso?
— Uma escolha. — ele disse com calma.
Luna ergueu os olhos.
— Como assim?
— Quando você completar dezoito anos, — Alaric disse, como se estivesse selando um acordo com o destino — quero que você escolha um deles para se casar.
Ela arregalou os olhos.
— Isso é um... um pedido de casamento?
— É uma proposta. — ele corrigiu com gentileza. — Uma oferta. Um presente. Talvez uma loucura. Mas acima de tudo: uma forma de garantir que você terá uma vida segura, respeitada… e quem sabe até, amada.
— Eu... eu não sei o que dizer...
— Você não precisa responder agora. — ele se aproximou, apertando levemente sua mão. — Pense com calma. Olhe para eles com olhos novos. E, quando estiver pronta... escolha.
Luna olhou novamente para a fotografia.
Um por um.
E mesmo sem entender o porquê, foi o olhar sério de Dante — o mais velho, o mais distante, o mais... enigmático — que a fez estremecer.
Luna não conseguia tirar os olhos da fotografia. A imagem dos seis herdeiros da família Virmond parecia ganhar vida diante dela. Cada um com sua própria luz — ou sombra. Seus olhos demoraram um segundo a mais sobre Cael, como se o coração ainda quisesse entender a dor que sentia.
Mas foi Dante, com seu semblante sério e distante, que a fez prender a respiração.
Ela ergueu lentamente os olhos para Alaric.
— E... o que acontece se eu escolher alguém… e ele não aceitar?
A pergunta saiu em um sussurro, mas carregada de peso.
Alaric, que havia se afastado para servir mais chá, pausou o movimento.
Ele a olhou com ternura. Mas também com honestidade.
— Então ele não é digno de você.
Luna engoliu em seco.
— Mas e se nenhum deles aceitar?
— Impossível. — ele disse com firmeza, voltando a se sentar à frente dela. — Eles podem ser orgulhosos, diferentes entre si, mas não são idiotas. Sabem o valor de quem você é. E o que essa união significaria para todos nós.
Ela desviou o olhar, sentindo as bochechas queimarem.
Por um instante, o peso da responsabilidade pareceu esmagador.
— Você realmente acha que isso pode dar certo?
— Não sei se vai dar certo, minha menina. — ele respondeu com honestidade rara. — Mas sei que será uma escolha sua. E será respeitada.
Luna respirou fundo.
Seu coração batia tão alto que ela achava que Alaric podia ouvir.
A decisão estava ali, latejando dentro dela. E, por mais absurdo que parecesse, não vinha do impulso, nem do desespero. Vinha da necessidade de recomeçar. De se proteger. E, quem sabe, de ser surpreendida por um caminho que nunca imaginou seguir.
Ela apontou para a foto.
— Dante.
A palavra soou como um segredo revelado.
Alaric demorou alguns segundos para processar. Os olhos dele se arregalaram levemente, como se não esperasse por aquele nome.
— Dante? — ele repetiu, com a voz mais baixa, quase em reverência. — Você tem certeza?
— Não. — Luna respondeu com um pequeno sorriso melancólico. — Mas também não tenho dúvidas.
O patriarca recostou-se na poltrona, pensativo.
Durante anos, ele acompanhou cada passo de Dante. O mais velho. O primeiro herdeiro. O homem que carregava o peso da família nas costas.
E agora, justamente ele, seria o escolhido de Luna.
— Você me pegou de surpresa — Alaric admitiu, coçando o queixo. — Eu imaginava qualquer um dos outros cinco… mas Dante...
— É justamente por isso — ela interrompeu. — Porque ninguém imaginaria. Nem ele.
Alaric sorriu, lentamente, como quem acabava de ver uma jogada genial em um tabuleiro silencioso.
— Então está feito.
— Ainda não. — Luna se apressou em dizer, o coração disparado. — Quero que isso fique entre nós. Só nós dois.
— Quer manter segredo?
Ela assentiu com firmeza.
— Até o meu aniversário. Até o dia em que eu fizer dezoito anos. Não quero que ele saiba. Nem os outros. Nem Iris. Nem ninguém.
Alaric a observou por um longo tempo, como se estivesse avaliando cada camada da decisão dela. Então, finalmente, assentiu.
— Muito bem. Está prometido. Ninguém saberá até o dia em que sua escolha puder ser oficial. Você terá até lá para mudar de ideia… ou confirmar o que sente.
— Eu não vou mudar de ideia.
Ele sorriu outra vez.
— Então que Altharia prepare seu trono, senhorita Villeneuve. Porque a partir de hoje, mesmo em segredo, você é noiva do meu herdeiro mais poderoso.
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Atualizado até capítulo 52
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