Um momento de paz em família.

Nunca fui fã de reuniões de família. Muito barulho, risos demais e aquele calor humano que me desconcentra. Mas às vezes… às vezes eu cedo.

Sentei no encosto do sofá, braços cruzados, observando a cena ao redor como um general vigiando o campo. Luiz falava algo sobre a nova empresa, Bianca ao lado, toda certeira nas palavras como sempre. Eduardo ria baixo com Mirella, ou melhor, ria do jeito mandão da minha cunhada, grávida até o pescoço e ainda controlando tudo com um dedo em riste.

Meus pais estavam mais afastadas, falando sobre as crianças que nasceriam logo. Mirella comentava que queria que os bebês crescessem juntos, dando a entender que Bianca deveria engravidar logo, isso incluía mais sobrinhos, os filhos que nasciam nessa família com sangue quente nas veias e futuro promissor, ou perigoso.

E aí veio ela. Antonella.

Minha irmã mais nova surgiu do nada, jogou-se do braço do sofá direto no meu ombro, bagunçando meu cabelo com aquele jeito irritantemente doce que só ela conseguia carregar.

— Ricco, você vai ao meu espetáculo semana que vem, né? — disse, a voz empolgada. — Eu ensaiei a coreografia nova com a Lara, tá impecável!

Fiz uma careta automática.

— Espetáculo de dança? Onde homens vão ficar babando na plateia?

Ela revirou os olhos e me deu um tapa leve no peito.

— Ai, Ricco! Ninguém vai “babando”! É arte! É expressão do corpo!

— É perna demais para o meu gosto — murmurei, olhando para Eduardo. — Vou precisar acabar com qualquer um que encostar o olho nessas pernonas, menina, você está malhando demais. — resmunguei.

Todo mundo riu. Mirella lançou um olhar divertido enquanto acariciava a barriga.

— Vai acabar com todos os homens da cidade então — ela disse. — Porque a Antonella brilha.

— Eu que lute — resmunguei, mas um sorriso escapou. Fazer o quê? Ela me desmonta.

Minha mãe, com a doçura de sempre, falou animada:

— Seria lindo se nossos netos crescessem juntos, não acham? Imagina... se Luiz e Bianca me dão mais netos, Antonela se casando, Ricco... — ela apontava animada para mim, mas eu não carregava essa pretensão, casar, ter filhos? Não.

— Quero ver todo mundo crescendo como irmãos, mas não me inclua nesse sonho, Mama, não vou casar. — resmunguei.

Mirella endireitou-se, alisando a barriga já arredondada com cuidado e uma autoridade natural.

— Só quero sobreviver ao chá de fraldas de amanhã. A decoração tá pronta, mas se a Nicole não aparecer com os doces certos, vou surtar.

Eduardo passou o braço por trás dela e a puxou de leve, tentando acalmá-la.

— Vai dar tudo certo, meu amor. E se não der, o Ricco acaba com o fornecedor. Certo, Ricco?

— Se eu tiver que lidar com alguém que atrasou brigadeiro, juro por Deus que saio da máfia — ironizei. — Brincadeira cunhada, mato quem for preciso.

Todo mundo riu. A verdade é que, por mais que eu fugisse disso, aqui era onde eu recarregava. Eles eram o centro do caos, e mesmo assim… me mantinham inteiro.

Amanhã seria o chá.

E algo me dizia que nada seria tão simples assim.

Eu estava encostado no batente da porta da varanda, tomando um gole de água gelada e tentando me convencer que não era tão ruim assim ter vindo para essa casa, a mesma onde fui criado e da qual aprendi a manter distância, para evitar que se viessem atrás de mim alguém se machucasse.

O som de risadas e passos apressados me fez virar o rosto. Um grupo entrou pelos fundos, coordenado por uma mulher com prancheta e voz aguda demais.

— Quem são? — perguntei, sem tirar os olhos da movimentação.

Mirella apareceu ao meu lado, equilibrando um copo de suco numa das mãos e a barriga já pesada na outra.

— A equipe das garçonetes. Vão dormir por aqui mesmo, montando tudo hoje e cedo amanhã. É mais fácil do que correr com isso no sábado.

Fiz um som com a garganta, entre o desdém e o tédio.

Mais gente. Mais barulho.

O grupo era composto por umas seis ou sete mulheres. Algumas riam, outras arrastavam malas com olheiras no rosto. Uma delas passava batom no reflexo do celular. Mas foi uma só que me fez parar.

Ela.

Andava com a cabeça baixa, os cabelos pretos como carvão cobrindo parte do rosto, os ombros curvados como se carregassem o mundo nas costas. Caminhava como quem pedia desculpa por existir. E quando levantou os olhos por uma fração de segundo, meu corpo travou.

Aquele olhar.

Não era medo qualquer. Era ferida antiga, daquelas que o tempo não apaga, só esconde, cheirava a vulnerabilidade, e só Deus sabia como aquilo me deixava maluco, só que ela parecia aquelas que não fingiam, que não se podem tocar sem ter certeza que vai ficar.

Tinha coisa ali. Uma história escrita à força.

Ela desviou o olhar rápido e seguiu andando.

Mas ficou. Em mim.

Senti o maxilar travar. Mirella me lançou um olhar de soslaio.

— Algum problema? — questionou e me afastei.

— Nada — menti.

Mas algo naquela garota — aquela menina, quase — remexeu o que não devia. Não me lembrava da última vez que senti vontade de proteger alguém que não fosse Antonella. E mesmo assim, com ela, era instinto de irmão. Com aquela moça? Era... outra coisa.

Era como olhar para um pavio prestes a queimar.

E eu sempre fui o cara com o fósforo na mão.

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Comments

bete 💗

bete 💗

você será a salvação dela e elas sua
ansiosissima ❤️❤️❤️❤️❤️

2025-07-02

3

Marilia Carvalho Lima

Marilia Carvalho Lima

tomara que ajude a Lua! 😞

2025-07-02

0

Dulce Gama

Dulce Gama

será que é a irmã de Raul tomara 🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁♥️♥️♥️♥️♥️👍👍👍👍👍

2025-07-02

0

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