Ricco: Herdeiro do Caos.
O ferro bate com força, ecoando no galpão como um aviso. Não tem música, não tem distração. Só o som da minha respiração pesada e do suor escorrendo pelas minhas costas enquanto levanto mais uma barra de aço. Treinar é meu descanso. Minha mente acalma quando o corpo sangra esforço.
Sou Ricco Salvatore. Vinte e cinco anos. Terceiro filho do clã Salvatore.
Herdeiro de uma linhagem que carrega o poder como maldição e responsabilidade como ferro quente cravado na pele.
Mas ao contrário dos meus irmãos, eu nunca pedi explicação. Nunca pedi perdão.
Luiz é o primogênito. O mais argiloso, o mais político. Sempre soube ouvir antes de agir, mas letal de uma forma que ninguém viveu para contar, casou com a Bianca, uma bomba relógio, tão destrutiva quanto ele, mas carregando a calma junto, são o casal perfeito.
Eduardo... é o coração estratégico. Subchefe de Carlo López, nosso líder, e provavelmente o mais controlado de nós três, o que diz muito, vindo de um Salvatore.
Já eu? Eu sou a sombra que limpa a bagunça. A mão que resolve o que ninguém tem coragem de encarar.
Vivo longe da propriedade central, a casa onde Eduardo e Mirella vivem, e lugar onde viverão com os gêmeos, sim... eu serei tio, e assim como protejo tudo a minha volta viverei com isso.
Tem dias que o sangue ferve sem explicação. Hoje é um deles. Por isso estou aqui, socando o saco de areia como se fosse um lembrete de tudo que tento manter longe.
O caos vive em mim. Mas aprendi a domesticar a fera... mais ou menos.
Parei um instante e me olhei no espelho do fundo. O rosto suado, o olhar que aprendi a manter firme.
Você é o que eles temem. Você é o que protege, eles não entendem minha distância, mas sinto que se eu estiver por perto o caos virá comigo.
Minha família é tudo. Não importa o quão longe eu esteja.
Antonella... ah, Antonella. Minha irmã caçula, minha fraqueza e minha força. Só de pensar que alguém poderia encostar nela com má intenção, já sinto o gosto do sangue na boca.
Ela está prestes a fazer dezoito. Cresceu rápido demais. E mesmo sabendo que está protegida por todos os nossos, eu continuo atento. Sempre.
Ela é luz demais para esse mundo que eu conheço, e mesmo sendo todos da máfia, meu pai nunca teve pressa em vê-la casar.
Respeito meus irmãos. Amo minha família. E por mais que minha alma já tenha se perdido em algumas guerras, por eles eu faço qualquer coisa.
Descarrego o último soco no saco, o som seco ecoa. Fico ali, suando, sentindo o peito subir e descer como se meu corpo estivesse tentando conter algo que nunca se acalma por completo.
E então, sem aviso, o telefone vibra sobre a bancada.
Olhei o visor. Era o Eduardo.
Atendi no segundo toque, passando a toalha no pescoço.
— Fala, irmão. — minha voz saiu rouca, baixa, como depois de uma briga ou de um treino pesado.
— Você estava treinando, ou explodiu metade da cidade? — a voz de Eduardo veio com aquela ironia arrastada de quem já me conhece demais.
Sorri, mesmo sem querer.
— Só o saco de areia dessa vez. Abaixei o tom. — E aí? Algum motivo para me ligar ou só saudade?
— Mirella. — ele disse o nome e já me endireitei. — Está animada com o chá de fraldas. Quer todo mundo lá. E quando digo todo mundo, é inclusive você, Ricco.
Revirei os olhos e fui até o espelho, encarando o reflexo do cara que todos tentavam domesticar sem sucesso.
— Vou, pô. Sábado, né? Não deixaria a Mirella na mão. Ela merece esse tipo de felicidade... — fiz uma pausa. — Principalmente depois de tudo.
Eduardo ficou em silêncio por dois segundos. Ele sabia o que eu queria dizer.
— O nosso pai perguntou de você. — ele mudou o assunto, mas nem tanto. — Disseram que seria bom você passar mais tempo na propriedade. Perto da família.
Soltei uma risada seca, abafada.
— Eu sou o herdeiro do caos, irmão. Essa porra de calmaria não combina comigo. Uma visita já é suficiente.
— Você não é o caos. Só carrega ele nas costas, fingindo que não pesa. — ele rebateu com aquele jeito sábio irritante.
— Tá filosofando demais para um chefe do tráfico que mata homens como quem troca de roupa. — retruquei com um sorriso de canto.
— E você tá fugindo demais para quem sabe que tem um lugar aqui. Mirella sente sua falta. Antonella também. E os homens... bom, eles te respeitam como respeitam a guerra. Porque sabem o que você faz por nós.
Fiquei em silêncio por um tempo. Passo firme, olhos no nada.
— Eu vou. Mas não se acostumem. Ficar muito perto de mim é pedir problema. — falei com certeza, lembrando de acidentes, que quedas, de inimigos e juramentos de morte que carregava comigo.
— Ou solução. Depende do lado em que você está. — respondeu ele.
A ligação terminou com um silêncio confortável.
Saindo dali segui até o estúdio de tatuagem que tinha marcado de conhecer, marcar o corpo era algo que amava fazer e a chance de uma mulher tentar me matar era mínima.
A tatuadora me olhou com interesse mal disfarçado assim que entrei. Alta, pele bronzeada, olhos delineados e um decote que mais gritava do que insinuava. Ela mordeu o lábio ao me ver sem a camisa, o corpo ainda suado do treino.
— Você é o Ricco... Salvatore, né? — disse, como se o nome fosse uma senha.
Assenti com um breve erguer de queixo.
— Você quer o quê hoje? Algo com sangue, caveiras, fogo? Ou o nome de alguém especial? — ela riu, mordendo a pontinha da agulha.
Sentei na cadeira, frio como sempre.
— O que quero... é silêncio enquanto você faz o trabalho. Pode ser? Quero dois lobos, um branco e um negro, de costas um para o outro, ambos com olhos brilhando, azul e dourado. Entre eles, um gládio romano cruzado com uma rosa, símbolo de força e delicadeza, espada e flor, masculino e feminino.
Acima, uma faixa com as palavras em latim:
"Sine Timore – Ad Vitam"
(Sem medo – Pela vida)
Ela bufou com um sorriso provocante e começou a preparar as agulhas. Fingia concentração, mas não tirava os olhos de mim.
— Poético... Sabe que a maioria dos caras bonitos e perigosos que vem aqui costumam me chamar para sair depois. — ela se inclinou propositalmente. — Posso te mostrar um inferno que você vai querer repetir.
Inclinei a cabeça, encarando-a com frieza.
— Já ouvi isso antes. — falei.
— Mas não de mim. — ela rebateu, tentando suavizar a voz. — Não é só sobre corpo. Eu... sinto algo em você. Forte. Escuro.
Soltei uma risada seca, baixa.
— Falar doce para tentar atrair o coração de um homem fodido... outras já tentaram.
— E? — ela desafiou.
— E elas falharam. — respondi, firme. — Eu não sou terreno para se plantar ilusão. Você quer marcar minha pele, beleza. Mas é só tinta. Coração? Esse tá fechado. E quem for tentar abrir... vai ter que sangrar por merecer.
Ela ficou em silêncio por um segundo. Talvez sem saber se se ofendia ou se admirava.
Terminei a tatuagem.
Levantei, joguei o dinheiro sobre o balcão e a encarei uma última vez.
— A próxima vez que alguém tentar me conquistar com voz doce... que ao menos saiba o que é sobreviver a mim.
Saí dali com a pele ardendo, mas a mente fria. O mundo me conhecia como o executor.
Mas minha cabeça já fervilhava. Porque se tem uma coisa que aprendi, é que todo momento de alegria, toda luz... atrai sombra.
E o chá de bebê seria bonito, claro. Mas... eu sentia no ar. O caos estava chegando. E aonde ele vai, eu sou o primeiro a pisar.
Mas ninguém sabia... que a maior guerra que eu enfrentaria ainda estava prestes a começar.
E ela tinha olhos claros e o nome da lua.
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Atualizado até capítulo 36
Comments
Ruthe Joseph
começando 08/07 e amando 😍
2025-07-08
1
Leonilda Lima
Comecei 03/07)2025
2025-07-04
1
Eneide Gonçalves Fernandes
começando 03 /07/25
2025-07-03
1