Aurora acordou cedo na manhã seguinte, o corpo ainda dolorido da mudança emocional dos últimos dias. O quarto era bonito, com tons claros e decoração minimalista, mas ainda não parecia seu. A única coisa que a conectava àquele espaço era a carta do pai, guardada sob o travesseiro.
Ela se vestiu devagar, hesitando antes de descer. Parte dela queria ficar ali, escondida. A outra parte sabia que precisava encarar a nova realidade: uma casa que não era sua, um tutor gentil demais para ser real... e Gabriel.
No andar de baixo, o cheiro de café fresco se espalhava pela cozinha. Eduardo estava sentado à mesa, lendo o jornal em um tablet. Ele levantou o olhar e sorriu ao vê-la.
— Bom dia, Aurora. Dormiu bem?
— Dormi — ela mentiu, forçando um sorriso educado.
Eduardo apontou para a cadeira em frente.
— Sente-se. Fiz questão de pedir um café reforçado. Hoje é o seu primeiro dia na nova faculdade.
Ela assentiu, sentando-se com cuidado, como se qualquer movimento em falso pudesse quebrar o que restava de sua estabilidade emocional.
Foi então que ouviu os passos no corredor. Fortes. Lentos. E quando Gabriel entrou na cozinha, o ar pareceu mudar de temperatura.
Ele usava uma camiseta preta, calça jeans e o cabelo molhado, desalinhado de propósito. Estava com o celular na mão e os olhos semicerrados — e mesmo assim, parecia carregar uma arrogância natural que incomodava Aurora profundamente.
— A princesinha acordou — murmurou, sem tirar os olhos do telefone.
Aurora o encarou de lado, sem responder. Eduardo franziu o cenho.
— Gabriel...
— O que foi? Estou dando bom dia — rebateu com um sorriso sarcástico. — Bom dia, Aurora. Feliz em dividir o teto?
Ela suspirou, pegando uma fatia de pão como escudo contra aquele tipo de provocação.
— Eu não pedi pra estar aqui. Se quer me culpar por isso, fique à vontade.
Gabriel finalmente levantou os olhos, encontrando os dela.
— Não precisa pedir. Já tô fazendo isso.
O clima ficou tenso. Eduardo se levantou, fechando o jornal.
— Vocês dois vão ter que conviver. E espero maturidade dos dois lados.
— Pode deixar, pai. Vou tratar minha nova irmãzinha com todo o respeito que ela merece — disse ele, com um sorriso cheio de veneno.
Aurora apertou os dedos em volta da xícara.
"Irmãzinha".
Aquela palavra causava náusea.
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Horas depois, Gabriel parou o carro em frente à universidade, como havia sido combinado. Aurora já estava matriculada no curso preparatório para Direito — um dos poucos presentes do pai que ela aceitou sem hesitar. Queria construir algo próprio.
— Eu posso ir sozinha daqui — disse ela, abrindo a porta.
— Relaxa. Não quero que pensem que sou seu motorista. Já estou indo para outro prédio.
O campus era enorme, cheio de estudantes por todos os lados. Aurora sentia olhares sobre si. Talvez por estar com Gabriel, talvez por ser nova. Talvez por parecer deslocada demais.
Na entrada principal, ele parou repentinamente e lançou um sorriso preguiçoso para alguém que se aproximava.
— Vanessa — disse ele.
Aurora virou o rosto e viu a garota. Alta, magra, rosto perfeitamente maquiado, cabelo liso preso num rabo alto e um vestido justo demais para ser casual.
Vanessa olhou para Aurora de cima a baixo antes de beijar Gabriel na boca, como se fosse uma marcação de território.
— Não vai me apresentar? — ela perguntou, ainda com os olhos cravados em Aurora.
Gabriel arqueou uma sobrancelha.
— Essa é a Aurora. Filha do melhor amigo do meu pai. Vai morar com a gente.
— Ah... que interessante — disse Vanessa, forçando um sorriso. — Tipo uma nova irmã, né?
Aurora estendeu a mão, educada.
— Só companheira de teto, por enquanto.
Vanessa apertou a mão dela com uma força desnecessária.
— Espero que saiba se colocar no seu lugar. Nem todo mundo gosta de hóspedes... prolongados.
Gabriel riu baixo, como se aquilo tudo fosse divertido.
Aurora apenas sorriu com doçura.
— Fica tranquila. Eu já fui criada em lugares onde ninguém queria que eu ficasse. Sei exatamente quando é hora de sair.
Vanessa pareceu levemente surpresa com a resposta. Gabriel apenas observava, como se estivesse avaliando as duas.
E, naquele momento, Aurora entendeu.
A rivalidade estava lançada.
Ela não era apenas uma hóspede.
Era uma ameaça — mesmo que ainda não soubesse o porquê.
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Naquela noite, já deitada, Aurora olhou para o teto e sentiu o coração apertado.
Ela não tinha mais pai. Não tinha paz.
Mas agora… tinha um inimigo dentro de casa. E outro na cama dele.
E pior: ela sabia que ainda não era o fim.
Era apenas o começo.
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Atualizado até capítulo 41
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