O quarto cheirava a remédio e despedida.
Aurora estava sentada ao lado da cama, como fazia todas as noites desde que chegou. A mão de Leonardo repousava entre as suas — fria, ossuda, com a pele já fina demais. Os monitores piscavam em silêncio, o ar sendo bombeado de maneira quase imperceptível. Tudo estava… lento.
Ela não dormia havia dias. O medo de fechar os olhos e acordar tarde demais era maior do que o cansaço. Mesmo assim, piscava mais do que deveria, lutando contra o sono e contra as lágrimas.
— Ainda tá aqui? — murmurou Leonardo, com um fio de voz.
Aurora se curvou para perto dele.
— Não vou a lugar nenhum.
Ele sorriu. Fraco, quase um esboço.
— Você é forte… como sua mãe.
A dor atravessou o peito dela como um punhal. Aurora segurou com mais firmeza sua mão.
— E você está cansado, né?
— Estou. Mas... mais cansado de não ter vivido o suficiente ao seu lado.
Aurora fechou os olhos. Não conseguia perdoá-lo completamente, mas também não conseguia odiá-lo. Não agora. Não assim.
— Eu... deixei tudo arrumado. O Vicente... vai cuidar dos papéis. Eduardo… vai cuidar de você. E o Gabriel… — ele parou, tentando respirar.
— Está tudo bem — sussurrou Aurora. — Já me falou sobre ele.
— Prometa que vai... deixar ele te proteger, mesmo que... mesmo que não goste de você no começo.
Aurora engoliu seco.
— Prometo.
Leonardo apertou sua mão uma última vez. E então, olhou nos olhos dela com uma calma que mais parecia resignação.
— Você me deu paz, filha. Mesmo por pouco tempo. Obrigado… por não me odiar tanto quanto eu mereço.
Foi a última coisa que disse antes de seu peito subir… e não descer mais.
O monitor emitiu um som longo, agudo. Um ruído que Aurora nunca esqueceria.
Ela não gritou. Não caiu no chão. Não implorou.
Ela apenas ficou ali, com a mão dele entre as suas, até que os médicos vieram e desligaram os aparelhos. Até que Carolina entrou com os olhos marejados. Até que a dor começou a se espalhar de forma quase física, brutal, sufocante.
Leonardo Vasconcelos estava morto.
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O funeral foi discreto, como ele pediu. Nada de discursos vazios, nada de flores extravagantes. Apenas os mais próximos.
Aurora permaneceu de pé, imóvel, com um vestido preto simples e os olhos secos. As lágrimas já tinham caído na madrugada anterior. Agora, só restava o silêncio.
Eduardo estava lá, firme, com expressão contida. Um homem elegante, de voz calma e postura de liderança. Ao lado dele, estava Gabriel — o filho que Aurora apenas conhecia de nome. Alto, moreno, cabelo desgrenhado e um olhar duro. Ele sequer a cumprimentou.
No momento do enterro, Aurora se ajoelhou diante do túmulo, e colocou ali um pequeno papel dobrado.
> "Você chegou tarde, mas chegou. E isso vale mais do que nada. Eu te amei por alguns dias, pai. E foi o suficiente para me mudar para sempre."
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Duas noites depois, Aurora arrumou suas coisas. Poucas roupas, alguns pertences novos que Leonardo havia lhe dado, e a carta dele — guardada como relíquia.
Eduardo a esperava no carro. Gabriel no banco da frente, de braços cruzados, fones nos ouvidos, encarando o vazio como se ela nem estivesse ali.
O caminho até a nova casa foi silencioso. Aurora olhava pela janela, sentindo o peito vazio, como se uma parte sua tivesse sido enterrada junto com Leonardo.
Quando chegaram, Eduardo abriu a porta para ela, com um sorriso gentil.
— Aurora, esta é sua casa agora. Não precisa agradecer nem pedir licença. Leonardo me pediu para cuidar de você, e é isso que farei.
Ela apenas assentiu.
Gabriel subiu as escadas sem dizer uma palavra.
Aurora ficou no hall, olhando em volta. A casa era linda. Moderna. Mas parecia gelada. E o olhar de Gabriel… ainda mais.
Naquela noite, deitou-se na cama desconhecida e apertou o travesseiro com força. Longe do orfanato. Longe do pai. Perto de estranhos.
O luto ainda pulsava. A saudade, recente, era uma faca em carne viva. Mas o que ela não sabia é que o pior ainda estava por vir.
Ela perdera um pai.
Mas acabara de entrar em uma casa onde perderia o controle.
Do coração.
Dos limites.
De si mesma.
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Atualizado até capítulo 41
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