Sob o Mesmo Teto
O som da chuva batendo contra o vidro era tudo que Aurora conseguia ouvir naquele fim de tarde cinzento. As gotas escorriam pela janela do ônibus velho que a levava pela estrada estreita, como lágrimas da cidade que ela deixava para trás. O orfanato — seu único lar desde os seis anos — agora fazia parte de um passado do qual ela mal teve tempo de se despedir.
Ela apertava entre os dedos uma carta amassada. Era a única coisa que tinha do homem que dizia ser seu pai biológico.
Leonardo Vasconcelos.
O nome dela nunca estivera naquele sobrenome.
Crescer como órfã de mãe e filha de um nome não pronunciado era como andar no escuro. Aurora aprendera a viver com pouco, a confiar em quase ninguém, a guardar as lágrimas para o travesseiro. E agora, com quase dezoito anos, o destino parecia brincar com ela: justo quando não esperava mais nada da vida, o inesperado surgiu. Um homem rico, poderoso, influente... que afirmava ser seu pai e queria vê-la.
— Estamos chegando — disse o motorista, com um olhar curioso no retrovisor. — Preparada?
Aurora apenas assentiu. A verdade é que não estava. Como se prepara para encarar um pai que te abandonou? Um homem que viveu cercado de luxo enquanto ela contava moedas para comprar absorventes?
O portão da mansão se abriu lentamente. Era alta, com colunas de mármore, um jardim simétrico e janelas espelhadas. Tudo exalava riqueza. E frieza.
Aurora engoliu em seco ao descer do carro. Uma mulher de postura rígida, cabelos presos num coque impecável, a esperava na entrada.
— Senhorita Aurora? Meu nome é Carolina, sou a governanta. O senhor Vasconcelos a aguarda.
Sem responder, Aurora apenas seguiu a mulher pelos corredores longos. Tudo ali brilhava — do chão de mármore branco aos lustres de cristal.
Carolina parou diante de uma porta grande, de madeira escura.
— Ele está fraco. Mas lúcido. E ansioso para vê-la.
Aurora não respondeu. Seu coração batia rápido. Quando a porta se abriu, o tempo pareceu parar.
Ali, deitado em uma cama articulada cercada de equipamentos médicos, estava ele.
Leonardo Vasconcelos.
O homem era uma sombra do que fora. Rosto magro, cabelos grisalhos, oxigênio no nariz. Mas seus olhos... seus olhos eram os dela. Idênticos. Intensos. Carregados de algo que Aurora não soube identificar de imediato: arrependimento.
— Aurora... — ele sussurrou, a voz falha, emocionada. — Minha filha...
Ela deu um passo hesitante.
— Eu... não sei se sou capaz de te chamar assim — disse, sem conseguir esconder o tremor na voz.
Leonardo sorriu, fraco.
— Tudo bem. Você pode me chamar como quiser. Desde que... não vá embora. Ainda não.
Aurora sentou-se na poltrona ao lado da cama, os dedos entrelaçados no colo. Não sabia o que dizer. O silêncio entre eles parecia mais honesto que qualquer frase ensaiada.
— Sua mãe... era o amor da minha vida. Eu fui um covarde. Quando ela me contou que estava grávida, eu escolhi o caminho mais fácil. O mais errado.
— Você me deixou — ela disse, encarando-o. — Ela morreu. E eu fui para um abrigo. Enquanto isso, você… você estava onde?
A pergunta cortou o ar. Leonardo fechou os olhos, como se as palavras dela doíssem fisicamente.
— Eu sei. Eu mereço cada palavra. Mas quero tentar… deixar algo que preste antes de ir. Me deixe, ao menos, te conhecer.
Aurora permaneceu ali. Não disse “sim”, mas também não saiu.
Nos dias seguintes, ela começou a visitar o pai todos os dias. Aos poucos, o estranhamento deu lugar à curiosidade. À dúvida. À dor. Leonardo contou histórias, mostrou fotos, deixou-a entrar em seu passado — e pela primeira vez na vida, Aurora se sentiu filha de alguém.
Até que, numa das tardes mais difíceis, Leonardo segurou sua mão com força e disse:
— Quando eu não estiver mais aqui… o Eduardo vai cuidar de você. Ele é meu melhor amigo. Um irmão. Você também vai conhecer o filho dele… Gabriel.
Aurora franziu a testa.
— Você quer que eu vá morar com estranhos?
— Eu quero que você viva. Seja protegida. E que encontre, talvez... aquilo que eu não soube te dar.
Aurora não respondeu. Mas naquele momento, uma pergunta ecoou em sua mente:
E se já fosse tarde demais para amar um pai?
Ou pior…
E se o amor estivesse esperando por ela… justamente no lugar errado?
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Atualizado até capítulo 41
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