Os dias que se seguiram foram silenciosos, intensos e cheios de descobertas. Aurora ainda não sabia como se sentir. Não chamava Leonardo de pai. Não sabia se conseguiria. Mas havia algo nele — na forma como olhava para ela, como tremia ao segurar sua mão — que fazia seu coração hesitar menos a cada dia.
Leonardo insistia para que ela usasse os quartos da mansão, se alimentasse bem, recebesse roupas novas, cuidasse dos cabelos. Como se quisesse compensar anos de ausência com mimos e conforto.
— Não preciso disso tudo — disse Aurora, certa manhã, diante do closet que parecia maior que o quarto que ela dividia no orfanato.
Carolina, a governanta, sorriu com leveza.
— Não é uma questão de precisar, senhorita. É uma questão de direito. O senhor Vasconcelos quer que você se sinta parte disso tudo.
Aurora não respondeu. Parte dela sentia culpa por gostar daquele mundo. Roupas macias, lençóis perfumados, comida feita sob encomenda... E ainda assim, tudo soava temporário.
Leonardo piorava. Mesmo tentando esconder, as olheiras se aprofundavam, os suspiros se tornavam mais longos, o cansaço era visível. Ele sorria menos, dormia mais.
— É só uma fase — disse ele um dia, ao vê-la assustada com um acesso de tosse. — Já sobrevivi a coisas piores.
— Não minta pra mim. Eu aguento a verdade — respondeu Aurora, sentando-se ao seu lado.
Ele olhou para ela com carinho e pesar.
— A verdade é que eu perdi tempo demais. E agora… o tempo está me cobrando com juros.
Aurora abaixou os olhos. Queria ter raiva dele, queria poder gritar, dizer que ele merecia tudo aquilo. Mas tudo o que conseguia sentir era… pena.
E amor. Um amor estranho, recente, doído.
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Numa tarde de domingo, ele a chamou até a varanda. Estava com uma manta nas pernas, os olhos fixos no céu acinzentado.
— Sabe o que mais me dói, Aurora?
— Imagino que não seja o coração — ela tentou brincar, e ele riu fraco.
— O que mais me dói é não ter estado lá quando você disse "papai" pela primeira vez. Não ter te levado no colo quando você caiu. Não ter estado ao seu lado quando sua mãe partiu.
Aurora mordeu os lábios. As palavras dele atravessavam a armadura que ela passou a vida erguendo.
— Você não esteve. E isso nunca vai mudar.
— Eu sei. Mas posso fazer mais uma coisa. Algo importante.
Ele a encarou com seriedade.
— Quando eu partir, você não vai voltar pra solidão. Vai ter alguém ao seu lado. Alguém em quem confio a minha vida: Eduardo Montenegro.
Ela franziu a testa.
— Quem?
— Meu melhor amigo. Irmão de alma. Um homem de caráter. Ele vai ser seu tutor até sua maioridade. E ele tem um filho, Gabriel…
— Gabriel — repetiu Aurora, mais para si mesma do que para ele.
— Vocês vão morar juntos. Não é exatamente o que eu sonhei pra você, mas... é o que posso fazer agora. Eduardo prometeu cuidar de você como filha. E Gabriel... bem, ele tem o próprio mundo, mas é um bom rapaz. Só... difícil.
Aurora desviou o olhar. A ideia de viver sob o mesmo teto de dois estranhos não a animava. Mas diante do estado do pai, como poderia recusar?
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Naquela noite, ela não conseguiu dormir. O quarto estava escuro, mas sua mente não parava.
E se ele morresse no dia seguinte?
E se aquilo tudo desaparecesse tão rápido quanto chegou?
Caminhou até o corredor e parou diante da porta do quarto dele. Estava entreaberta. Leonardo dormia, o som do oxigênio preenchendo o silêncio.
Aurora entrou devagar e sentou-se ao lado da cama. Observou seu rosto cansado, a mão caída para fora do cobertor. Tocou-a com cuidado.
— Você não merece o meu perdão, Leonardo... — sussurrou, com os olhos marejados. — Mas eu… eu queria ter te conhecido antes. Talvez, só talvez, eu ainda tivesse uma família.
Ela encostou a cabeça na beirada da cama, segurando a mão dele, como uma criança. E ali, adormeceu, pela primeira vez em muito tempo... com a sensação de que estava perto de alguém que importava.
Mas no fundo, ela já sabia: aquele momento não duraria.
E o mundo que começava a se abrir diante de seus olhos... logo desabaria.
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Atualizado até capítulo 41
Comments
Adelina Santos
quero mais 🥰🤩
2025-06-30
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