🩸 Capítulo II – A Marca e o Príncipe

A floresta parecia respirar com a gente.

Cada passo era um estalo abafado entre galhos secos e folhas úmidas. A névoa ainda cobria o chão, mas agora tinha um cheiro diferente — não mais enxofre, mas sangue... o meu.

Kael andava calado. Ombros tensos, espada embainhada, mas os olhos atentos. Ele era o tipo de criatura que carrega silêncio como armadura. E eu? Eu era barulho puro, mesmo quando não dizia nada.

— Então... você vai me entregar pro rei? — perguntei, só pra quebrar o clima. — Tipo, “olha só, papai, achei uma órfã brilhante no mato”?

Ele deu um meio sorriso, daqueles que não chegam nos olhos.

— Não sou tão dedicado assim.

— E o que vai fazer comigo, então?

— Ainda não sei.

— Ótimo. Me sinto super segura.

Ele parou. Virou o rosto devagar, me olhando como se pudesse ver além da pele, do osso, da alma.

— Você devia estar morta, Elara.

— Eu quase estive.

— Não é isso. Aquela criatura... não era um demônio comum. Era um Incarh’zan. Um arauto da guerra. Só atacam quando estão perto de algo... importante.

— Tipo eu?

Ele não respondeu.

Seguimos em frente, e quanto mais andávamos, mais a floresta mudava. As árvores ficaram maiores, mais retorcidas, como se carregassem segredos antigos nos galhos. O chão virou pedra. O ar, mais frio. E então, no meio de tudo aquilo, surgiu um arco de pedra coberto de musgo, meio escondido atrás de um muro de cipós.

— Aqui — disse ele.

Passamos pelo arco, e eu perdi o fôlego.

Era um santuário.

Escondido, isolado, sagrado.

Uma casa de pedra escura com vitrais antigos, encostada numa queda d’água tão silenciosa que parecia mágica. Havia tochas azuis presas nas paredes e símbolos antigos talhados nos pilares. O som do mundo se calava ali dentro.

— Que lugar é esse?

— Um dos refúgios da realeza. Construído na época do Primeiro Sangue. Só os príncipes têm acesso.

— E você trouxe uma órfã pra cá. Não vai dar problema?

Ele me olhou de lado.

— Já tenho problemas demais. Um a mais ou a menos não muda nada.

Entramos.

O interior era simples, mas carregado de história. Estátuas de vampiros guerreiros alinhadas como sentinelas. Tapetes velhos, livros empilhados, armas de prata. E no canto, uma cama coberta por mantos de veludo escuro.

— Senta. Deixa eu ver seu braço — disse ele, apontando pra um banco de pedra.

Sentei. Tirei a parte rasgada da blusa devagar. O corte tava feio. Fundo, com bordas negras. O sangue já não escorria, mas parecia... pulsar.

Kael ajoelhou na minha frente e tocou a pele ao redor da ferida com a ponta dos dedos. Era frio. Mas... tinha algo a mais. Como se ele puxasse a dor pra ele. Senti a tensão escorrer das veias. Os músculos relaxaram.

— Você tem alguma ideia do que é isso? — sussurrei.

— Tenho suspeitas. Mas não gosto de palpites sem provas.

— Tenta. Vai que acerta.

Ele me olhou. Longo. Denso.

— Os antigos falavam de um tipo de sangue... misturado. Sangue da lua. De alguém tocado por forças que não pertencem só ao nosso mundo. Era raro. Perigoso. E valioso.

— Tá dizendo que sou... o quê? Um híbrido?

— Não. Híbridos são comuns. Você é outra coisa. Algo mais profundo. Quando o demônio te atacou, ele não só te feriu — ele reagiu a você. Recuou. Como se você tivesse queimado ele por dentro.

— Mas eu não fiz nada.

— Ainda não.

O silêncio voltou. Mas dessa vez... não era incômodo. Era denso. Quente. Como se algo tivesse sido plantado ali, entre nossas respirações.

— Você é sempre assim? — perguntei, só pra não mergulhar demais naquele olhar.

— Assim como?

— Misterioso, tenso, parecendo que carrega o peso do mundo nas costas.

— Eu carrego.

Tive que rir. Seco. Curto.

— Então talvez a gente tenha mais em comum do que parece.

Ele se levantou e começou a andar pelo santuário. Passava os dedos nos livros, nas paredes. Como se estivesse tentando lembrar alguma coisa que perdeu.

— A profecia diz que o Amante de Lua trará equilíbrio entre os mundos — disse ele, sem olhar pra mim. — Que carregará em si a chave do Coração Carmesim.

— Que porra é essa?

— Uma arma. Um poder ancestral. Selado há séculos. Só pode ser despertado por quem carrega o sangue certo. O rei acredita que quem encontrar o Amante de Lua herdará o trono... e salvará Sombraalma da invasão dos demônios.

— E você acha que eu sou essa pessoa?

— Não sei. Mas sei reconhecer quando algo... muda o curso das coisas.

Ele se virou.

— E desde que te salvei, tudo mudou.

A garganta apertou. Não era só o jeito que ele falava. Era o que ele não dizia. O que escondia atrás da armadura de silêncio.

E mesmo com o medo, a confusão, a dor... parte de mim queria acreditar nele. Mesmo sem provas. Mesmo sem lógica.

Talvez porque pela primeira vez na vida, alguém me olhava como se eu significasse algo.

Como se eu fosse mais do que uma órfã de rua com sorte ruim.

— Então o que vai fazer comigo agora? — perguntei, em voz baixa.

Kael cruzou os braços.

— Vou te esconder. Por enquanto.

— Esconder?

— Se o rei souber o que você é, vai te usar. Ou te matar. Depende do humor dele.

— E você? Vai me usar também?

Ele hesitou. Depois, disse:

— Eu não sou meu pai.

E naquele instante... eu acreditei.

Mesmo sem entender por quê.

Capítulos
1 🩸 Capítulo I – O cheiro do inferno
2 🩸 Capítulo II – A Marca e o Príncipe
3 🩸 Capítulo III – O sangue sonha primeiro
4 🩸 Capítulo IV – Montanhas que guardam nomes esquecidos
5 🩸 Capítulo V – Quem tem sangue, tem guerra
6 🩸 Capítulo VI – Entre sombras e canções
7 🩸 Capítulo VII – Onde a névoa toca a pele
8 🩸 Capítulo VIII – O Círculo do Norte
9 🩸 Capítulo IX – A Marca da Lua
10 🩸 Capítulo X – O Trono nas Sombras
11 🩸 Capítulo XI – O Começo da Caçada
12 🩸 Capítulo XII – As Vozes do Sangue
13 🩸 Capítulo XIII – Ecos do Queimado
14 🩸 Capítulo XIV – Cordas Tensas
15 🩸 Capítulo XV – As Garras da Escolha
16 🩸 Capítulo XVI – Vozes que Vêm da Terra
17 🩸 Capítulo XVII – Corações em Silêncio
18 🩸 Capítulo XVIII – A Lâmina e o Grito
19 🩸 Capítulo XIX – Ecos do Trono
20 🩸 Capítulo XX – A Torre, o Vento e os Segredos
21 🩸 Capítulo XXI – Mentiras Com Coroa
22 🩸 Capítulo XXII – A Sombra do Silêncio
23 🩸 Capítulo XXIII – A Queda do Véu
24 🩸 Capítulo XXIV – Ecos do Vhyr
25 🩸 Capítulo XXV – Território Morto
26 🩸 Capítulo XXVI – Memória Que Sangra
27 🩸 Capítulo XXVII – Asas Sobre o Trono
28 🩸 Capítulo XXVIII – Olhos no Escuro
29 🩸 Capítulo XXIX – Entre Ecos e Lâminas
30 🩸 Capítulo XXX – O Jogo Começou
31 🩸 Capítulo XXXI – Uma Garra na Névoa
32 🩸 Capítulo XXXII – A Marca Quebrada
33 🩸 Capítulo XXXIII – Onde o Sangue Toca o Tempo
34 🩸Capítulo XXXIV – Os Que Dormem Sob o Fogo
35 🩸 Capítulo XXXV – As Coisas Que Dormem nos Reis
36 🩸 Capítulo XXXVI – O Fogo que Anda Comigo
37 🩸 Capítulo XXXVII – O Espelho da Alma
38 🩸 Capítulo XXXVIII – Entre sombras e promessas
39 🩸 Capítulo XXXIX – Vozes no Desfiladeiro
40 🩸 Capítulo XL – Segredos na Penumbra
41 🩸 Capítulo XLI – A Lua Que Revela
42 🩸 Capítulo XLII – Sussurros nas Sombras
43 🩸 Capítulo XLIII – No Rastro da Lua
44 🩸 Capítulo XLIV – Marcas Invisíveis
45 🩸 Capítulo XLV – Quando a Noite Ruge
46 🩸 Capítulo XLVI – Ecos da Lua
47 🩸 Capítulo XLVII – Onde Sangra o Céu
48 🩸 Capítulo XLVIII – Vozes do Lado de Lá
49 🩸 Capítulo XLIX – Entre Sangue e Luar
50 🩸 Capítulo L – Quando a Lua Enfim Dorme
Capítulos

Atualizado até capítulo 50

1
🩸 Capítulo I – O cheiro do inferno
2
🩸 Capítulo II – A Marca e o Príncipe
3
🩸 Capítulo III – O sangue sonha primeiro
4
🩸 Capítulo IV – Montanhas que guardam nomes esquecidos
5
🩸 Capítulo V – Quem tem sangue, tem guerra
6
🩸 Capítulo VI – Entre sombras e canções
7
🩸 Capítulo VII – Onde a névoa toca a pele
8
🩸 Capítulo VIII – O Círculo do Norte
9
🩸 Capítulo IX – A Marca da Lua
10
🩸 Capítulo X – O Trono nas Sombras
11
🩸 Capítulo XI – O Começo da Caçada
12
🩸 Capítulo XII – As Vozes do Sangue
13
🩸 Capítulo XIII – Ecos do Queimado
14
🩸 Capítulo XIV – Cordas Tensas
15
🩸 Capítulo XV – As Garras da Escolha
16
🩸 Capítulo XVI – Vozes que Vêm da Terra
17
🩸 Capítulo XVII – Corações em Silêncio
18
🩸 Capítulo XVIII – A Lâmina e o Grito
19
🩸 Capítulo XIX – Ecos do Trono
20
🩸 Capítulo XX – A Torre, o Vento e os Segredos
21
🩸 Capítulo XXI – Mentiras Com Coroa
22
🩸 Capítulo XXII – A Sombra do Silêncio
23
🩸 Capítulo XXIII – A Queda do Véu
24
🩸 Capítulo XXIV – Ecos do Vhyr
25
🩸 Capítulo XXV – Território Morto
26
🩸 Capítulo XXVI – Memória Que Sangra
27
🩸 Capítulo XXVII – Asas Sobre o Trono
28
🩸 Capítulo XXVIII – Olhos no Escuro
29
🩸 Capítulo XXIX – Entre Ecos e Lâminas
30
🩸 Capítulo XXX – O Jogo Começou
31
🩸 Capítulo XXXI – Uma Garra na Névoa
32
🩸 Capítulo XXXII – A Marca Quebrada
33
🩸 Capítulo XXXIII – Onde o Sangue Toca o Tempo
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🩸Capítulo XXXIV – Os Que Dormem Sob o Fogo
35
🩸 Capítulo XXXV – As Coisas Que Dormem nos Reis
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🩸 Capítulo XXXVI – O Fogo que Anda Comigo
37
🩸 Capítulo XXXVII – O Espelho da Alma
38
🩸 Capítulo XXXVIII – Entre sombras e promessas
39
🩸 Capítulo XXXIX – Vozes no Desfiladeiro
40
🩸 Capítulo XL – Segredos na Penumbra
41
🩸 Capítulo XLI – A Lua Que Revela
42
🩸 Capítulo XLII – Sussurros nas Sombras
43
🩸 Capítulo XLIII – No Rastro da Lua
44
🩸 Capítulo XLIV – Marcas Invisíveis
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🩸 Capítulo XLV – Quando a Noite Ruge
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🩸 Capítulo XLVII – Onde Sangra o Céu
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