Patrícia acordou mais cedo do que o normal naquela manhã de segunda-feira. A luz suave do sol invadia o apartamento pela fresta da cortina, e o silêncio era um lembrete doloroso da ausência de Rafael. Ainda era difícil acreditar que tudo o que ela conhecia da própria vida havia ruído em tão poucos dias.
Ela levantou devagar, com uma das mãos repousando sobre a barriga ainda discreta. Estava grávida. De um homem que não a conhecia. Um homem que, por coincidência ou ironia do destino, ela havia visto duas vezes em menos de uma semana. Um homem que, mesmo sem saber, já tinha mudado sua vida para sempre.
Enzo Ravary.
O nome ainda parecia irreal.
Ela passou o dia tentando se distrair — trabalhou remotamente, organizou documentos, limpou a casa — mas nada era suficiente para conter o turbilhão dentro de si. Naquele fim de tarde, decidiu aceitar o convite de uma amiga antiga da faculdade, Júlia, que estava organizando uma exposição de fotografia em uma galeria aberta no centro histórico de Veláris.
— Vai te fazer bem ver outras pessoas, respirar um pouco de arte — insistira Júlia por mensagem.
Patrícia aceitou. Não sabia se seria “bom”, mas estar em um ambiente público e anônimo parecia melhor do que mais uma noite em silêncio.
Vestiu um vestido simples, preto e elegante, e foi de metrô até a galeria. O espaço era amplo, com luzes pendentes e fotos monocromáticas penduradas em fios de aço nas paredes de tijolos expostos. Gente conversava baixo, taças de vinho circulavam pelas mãos, e uma música instrumental preenchia o ambiente.
Estava observando uma imagem de um farol à beira-mar quando sentiu um arrepio na nuca.
Virou devagar.
E lá estava ele.
Enzo.
Novamente.
Vestia terno escuro, camisa sem gravata e postura impecável. Tinha o tipo de elegância que não se aprendia — nascia com ele. Estava acompanhado de uma mulher belíssima, loira, de olhos claros e sorriso ensaiado: Bianca Laurent.
Patrícia reconheceu imediatamente. Era ela. A mesma mulher que havia lhe entregue um envelope com dinheiro e dito, com voz suave e veneno nas palavras, que era melhor sumir.
Elas se encararam por um breve momento. E Bianca, sem perder a compostura, envolveu o braço no de Enzo e sorriu para os convidados, como se tudo estivesse perfeitamente sob controle.
Patrícia tentou se virar, mas era tarde.
Os olhos de Enzo a encontraram. Ele franziu o cenho, claramente surpreso por vê-la ali — como se sentisse novamente aquela sensação estranha do café. Chegou a dar um passo em direção a ela, mas Bianca o puxou discretamente pelo braço.
— Amor, venha ver essa série de retratos que comentei com você. É do curador francês — ela disse, sorrindo, mas com firmeza.
Ele hesitou por um segundo. Mas acompanhou.
Patrícia aproveitou para se afastar, indo até o outro lado da galeria. O coração batia forte. O que era aquilo? Que tipo de conexão inexplicável era essa? E, pior: por que Bianca ainda parecia tão… ameaçadora?
Alguns minutos depois, Patrícia se dirigiu aos fundos da galeria, procurando o banheiro. Entrou no corredor lateral mal iluminado, e foi ali, longe do burburinho, que Bianca apareceu novamente — sozinha, impecável, e com aquele mesmo olhar de gelo disfarçado de doçura.
— Achei que tínhamos nos entendido, Patrícia — disse ela em voz baixa, como se fosse apenas uma conversa entre conhecidas.
Patrícia cruzou os braços, defensiva.
— Eu não procurei ele. Foi coincidência.
— Coincidências demais para o meu gosto. Sabe o que parece? Que você está tentando se aproximar dele.
— Eu não quero nada dele — retrucou Patrícia, firme. — Só quero viver minha vida em paz. Mas não vou desaparecer. E não vou me esconder.
Bianca se aproximou um passo, sorrindo como quem conta um segredo.
— Se Enzo souber que você está esperando um filho dele, ele vai querer tirá-lo de você. Vai usar os melhores advogados, os melhores médicos, vai provar que você é instável, que está mentindo. Vai arrastá-la pelos tribunais e manchar sua imagem. Acha que pode vencer esse jogo?
Patrícia respirou fundo. Sua voz saiu mais firme do que ela esperava.
— Não tenho medo de você, Bianca.
— Deveria.
— Enzo pode ser muitas coisas, mas pelo pouco que vi… ele é inteligente. E cedo ou tarde, ele vai descobrir. E quando isso acontecer, você vai perder tudo o que está tentando segurar à força.
Bianca riu, curta e amarga.
— Você não o conhece. Ele odeia mentiras. Odeia manipulações. Por isso, eu me certifiquei de que ele jamais soubesse. Se ele descobrir... ele nunca vai olhar pra você como está olhando agora. Vai ver você como uma ameaça. Uma armadilha.
Ela deu meia-volta, como se aquela conversa tivesse terminado. Mas antes de sair, lançou um último aviso:
— Se você ama esse bebê… fique longe dele.
Patrícia ficou ali, sozinha no corredor, com a respiração descompassada.
Patrícia permaneceu no corredor por alguns minutos, tentando recuperar o fôlego. As palavras de Bianca ecoavam como veneno, e, por um momento, ela se sentiu sufocada. A mulher não estava apenas tentando protegê-lo — estava tentando apagar sua existência. Como se o simples fato de ela carregar aquele bebê fosse um atentado contra o mundo luxuoso, blindado e perfeitamente calculado que Bianca havia construído.
Mas Patrícia não era frágil.
Ela endireitou os ombros, limpou as lágrimas que mal chegaram a escorrer e voltou à galeria com o rosto sereno, mesmo que o coração ainda estivesse aos gritos.
As pessoas continuavam conversando, rindo, bebendo. O mundo seguia em frente como se nada estivesse errado.
Patrícia parou diante de uma fotografia em preto e branco de uma criança solitária na praia, de mãos dadas com a própria sombra. Havia algo naquela imagem que lhe dizia tanto… uma solidão ancestral, como a que ela carregava agora.
— Também achei essa foto brutalmente honesta — disse uma voz às suas costas.
Ela se virou.
Era ele.
Enzo Ravary.
Sozinho.
Bianca não estava mais por perto.
— Oi — ela disse, tentando esconder a surpresa. — Sim. É... forte.
Enzo a observou por um segundo a mais do que o necessário.
— Nos encontramos no café, não foi?
— Foi. Coincidência.
— Duas, já — ele sorriu, com um canto do lábio. — A cidade é grande. Mas talvez os caminhos certos se cruzem quando precisam.
Ela mordeu o interior da bochecha. A presença dele era sufocante e instigante. Mais do que qualquer coisa, ela precisava manter o controle.
— Você conhece o artista?
— Não — ele respondeu, os olhos fixos na fotografia. — Mas às vezes acho que conheço a dor que ele tenta mostrar. Essa solidão... é mais comum do que se imagina. Mesmo entre os mais cercados.
— Pessoas cercadas também podem estar sós — disse Patrícia, quase sem pensar.
Os olhos dele se voltaram para ela novamente. Houve um silêncio entre os dois, não desconfortável, mas denso.
— Eu sou Enzo — ele disse, estendendo a mão.
Ela hesitou por um segundo, como se aquele gesto carregasse mais do que parecia. Mas apertou.
— Patrícia.
— Só Patrícia?
Ela deu um sorriso leve, mas guardado.
— Por enquanto, só isso.
Ele riu, baixo.
— Justo.
Mais pessoas começaram a circular por perto, e a música mudou para algo mais envolvente. Patrícia fez menção de se afastar, mas Enzo deu um passo mais perto.
— Posso te fazer uma pergunta?
Ela assentiu, cautelosa.
— Tem algo em você… que me intriga. — A voz dele era baixa, quase um sussurro. — Eu não consigo explicar. Mas é como se eu… já te conhecesse de algum lugar.
O coração de Patrícia deu um salto.
Ela desviou o olhar.
— Talvez você apenas esteja projetando.
— Talvez — ele respondeu, mas não parecia convencido.
Foi então que Bianca reapareceu. Seu sorriso voltou ao rosto no mesmo instante em que se aproximou, elegante e impecável como sempre.
— Amor — ela disse, passando o braço pelo dele — o curador quer te apresentar um dos investidores franceses. Vamos?
Enzo olhou para Patrícia mais uma vez, como se estivesse prestes a dizer algo importante.
Mas não disse.
Apenas assentiu educadamente e se afastou com Bianca.
Patrícia permaneceu ali, de pé, tentando manter o coração sob controle.
Ela sentia que estava em uma encruzilhada. E o pior: o caminho do meio não existia mais.
Ela carregava o filho de um homem que começava a olhá-la como um enigma. E por mais que tentasse fugir, o destino parecia determinado a amarrá-los com cordas invisíveis.
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Atualizado até capítulo 53
Comments
Sandra Camilo
mais capítulos por favor autora linda e fotos deles tb 👏👏👏❤️❤️
2025-07-01
1
bete 💗
não demore por favor
❤️❤️❤️❤️❤️ que ela não se deixe abalar
2025-07-01
0
Marileide Alencar
Essa cobra é das piores espécies
2025-06-30
0