Bianca observava a cidade do alto da cobertura com a taça de vinho suspensa entre os dedos. O céu alaranjado de Veláris refletia nos vidros do prédio como um espelho quebrado. Atrás dela, um assistente esperava silenciosamente, como se sequer ousasse respirar sem permissão.
— E ela recusou? — Bianca perguntou, girando lentamente o vinho na taça.
— Sim, senhora. Patrícia Navarre devolveu o envelope. Disse que não vai sumir, nem aceitar dinheiro.
Bianca mordeu o lábio inferior, o olhar fixo no horizonte.
Maldita.
Ela não podia deixar aquela mulher destruir tudo.
Usar um nome falso na clínica havia sido um risco calculado. Mas necessário. Enzo nunca quis filhos. Nunca quis casamento. Nunca quis nada além de manter Bianca por conveniência social. Ela sabia disso, mas estava disposta a usar todas as armas. E quando surgiu a chance de fertilizar o último embrião dele — o único que Enzo havia autorizado congelar, após um tratamento antigo — Bianca agiu sozinha, sem consultá-lo.
Precisava de um filho dele.
Com um herdeiro, teria o controle. O nome. O poder. A segurança.
Mas o plano dera errado.
Muito errado.
O embrião fora implantado por engano em outra mulher. E agora, aquela mulher comum, sem sobrenome importante ou fortuna, carregava o que deveria ser seu.
Bianca virou a taça de uma só vez. O gosto amargo se confundia com o gosto do fracasso.
Ela não permitiria que Patrícia estragasse seus planos. Não permitiria que Enzo soubesse de nada. Se isso significasse mentir, manipular e silenciar, que fosse.
Ela havia passado da linha de retorno.
Patrícia passou o dia de alma em carne viva. Cada barulho a assustava. Cada telefonema a deixava em alerta. Não conseguia parar de pensar na mulher misteriosa, na ameaça disfarçada de gentileza, na conta bancária com dinheiro sujo.
Ela guardou o cartão num envelope, lacrou, e foi pessoalmente devolvê-lo na sede do banco.
— Quero encerrar essa conta. Agora. — disse, firme.
— Senhora, há uma transferência recente de alto valor. A senhora tem certeza…?
— Certeza absoluta.
Saiu de lá sentindo-se mais leve. Mas também mais sozinha. Estava cansada de ser tratada como um obstáculo. Como um incômodo que precisava ser apagado.
Ela era uma mulher. Uma vida. Uma mãe.
E não seria apagada por ninguém.
Naquela tarde, precisando respirar, Patrícia decidiu caminhar. Desceu do ônibus algumas quadras antes de casa e seguiu por uma das alamedas do centro antigo, onde cafés e livrarias se misturavam com prédios de arquitetura histórica. Ali, o mundo parecia menos cruel.
Entrou num café pequeno, onde o aroma de pão recém-assado flutuava no ar. Pediu um chá de camomila e um pão doce. Sentou-se próxima à janela, tentando encontrar alguma paz no movimento da rua.
E foi quando o viu.
Sem querer, sem esperar, sem sequer imaginar.
Um homem alto, de terno escuro e postura impecável, entrou no café apressado, falando no celular.
— Já disse que não vou assinar esse contrato sem revisar cláusula por cláusula. Não importa se é urgente.
A voz dele era firme. Magnética. A presença, imponente.
Ele desligou e tirou os óculos escuros, revelando olhos cinzentos, profundos e frios como o céu antes da chuva. Patrícia o reconheceu de relance. Já o vira em alguma revista, em alguma reportagem… mas só depois de alguns segundos seu cérebro conectou os pontos:
Enzo Ravary.
O nome pulsou em sua mente com um peso estranho, mas ela não sabia por quê.
Ele pediu um café puro, sem açúcar, e ficou de pé, impaciente, conferindo mensagens no celular.
Por um instante, os olhares se cruzaram.
E Patrícia sentiu um calafrio inexplicável.
Não havia motivo para aquilo. Não o conhecia. Nunca trocara uma palavra com ele. Mas havia algo naquele homem que mexeu com algo dentro dela.
Enzo, por sua vez, demorou um segundo a mais do que o necessário para desviar o olhar. Havia algo naquela mulher — com olhos tristes e feições marcadas por uma força silenciosa — que o desconcertou. Por um instante breve, ele quis perguntar se ela estava bem.
Mas não o fez.
Ele era Enzo Ravary. E sentimentos eram distrações.
Pegou o café, agradeceu com um aceno e saiu do local com a mesma pressa com que entrou.
Patrícia permaneceu no café por longos minutos após a saída de Enzo, com a xícara esquecida diante de si e os olhos perdidos no vazio. Tentava entender por que aquele olhar a afetara tanto. Não era apenas beleza — embora fosse impossível negar que ele era o tipo de homem que chamava atenção por onde passava. Era outra coisa. Um magnetismo silencioso. Uma energia que a puxava, como se seus corpos já tivessem se reconhecido.
Ela sacudiu a cabeça, como quem espanta um pensamento inconveniente. Pegou a bolsa e saiu andando pela calçada. O sol começava a se pôr, tingindo o céu com tons de cobre e lavanda. Precisava ir para casa. Precisava descansar. Precisava fingir que sua vida ainda fazia algum sentido.
Seu celular vibrou.
Ela tirou o aparelho da bolsa sem pressa. Mas, ao ver o nome da clínica na tela, seu estômago se revirou.
Clínica Vitta+
Atendeu com o coração na garganta.
— Alô?
— Patrícia Navarre? Boa tarde, aqui é Camila, do setor de biogenética da Vitta+. Os resultados da análise de compatibilidade foram concluídos. A senhora pode vir até a clínica amanhã de manhã para uma reunião formal?
— Eu quero saber agora — ela disse, sem hesitar.
— Senhora, seria melhor pessoalmente. O conteúdo...
— Me diga agora.
Houve um silêncio do outro lado da linha. Quando a voz retornou, veio mais baixa, cuidadosa.
— A análise confirma que o embrião implantado em você é resultado do material genético de um doador registrado sob o código R-001-E. Esse código pertence ao paciente Enzo Ravary.
O nome soou como um trovão na mente de Patrícia. Ela parou de andar. As pessoas passavam por ela, mas era como se o mundo tivesse entrado em suspensão.
— Pode repetir? — sussurrou.
— O pai biológico do feto é o empresário Enzo Ravary. Esse era o único embrião viável dele. O procedimento foi feito com o consentimento da paciente Patrícia Navarro. O erro aconteceu quando os prontuários foram trocados no sistema, e... bem... o resto a senhora já sabe.
Patrícia desligou sem dizer mais nada. Seus dedos tremiam.
Enzo Ravary.
O mesmo homem que ela havia acabado de ver. O mesmo que a fitou com aquele olhar fundo e inexplicável minutos antes.
Ela sentou-se em um banco da praça próxima, sentindo o peso da revelação pousar sobre seus ombros como um manto sufocante.
Agora tudo fazia sentido.
A mulher misteriosa, o suborno, o silêncio da clínica, a pressa para abafar o caso… tudo girava em torno de um único homem.
Ela estava esperando o filho de Enzo Ravary.
O herdeiro mais poderoso de Orlândia. Um homem que nem sequer sabia o que estava prestes a perder.
E a noiva dele… sabia. Sabia o tempo todo.
Patrícia apertou os olhos, sentindo as lágrimas caírem sem aviso. Não era apenas medo. Era a dor de ser tratada como um erro. Como um fardo. Como uma ameaça.
Mas ela não seria silenciada.
Não depois disso.
O mundo dela pode ter virado de cabeça para baixo… mas Patrícia estava de pé.
E agora, mais do que nunca, ela precisava proteger a si mesma e ao filho que carregava — mesmo que isso significasse enfrentar sozinha um império inteiro.
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Atualizado até capítulo 53
Comments
bete 💗
amando que ela não desista e enfrente todos os obstáculos
❤️❤️❤️❤️❤️
2025-07-01
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Sandra Camilo
vixe ,quero ver qdo ele descobrir 👏👏👏
2025-07-01
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