A sensação de estar presa num pesadelo não passou, nem mesmo com o passar dos dias. Desde a consulta na clínica, Patrícia havia perdido o apetite, o sono e a paz. Ela tentava agir normalmente no trabalho, respondendo e-mails, participando de reuniões, fingindo que tudo estava bem. Mas por dentro, estava desmoronando.
Cada vez que colocava a mão sobre o ventre ainda imperceptível, sentia um misto de medo e revolta. Aquilo não deveria estar acontecendo. Ela não havia escolhido estar grávida — e, muito menos, daquele jeito.
Ainda não tinha coragem de contar à família. Nem aos amigos. Mas sabia que não poderia esconder por muito tempo. E, acima de tudo, sabia que precisava contar a Rafael.
Era uma noite fria quando tomou a decisão. Ele estava na sala, assistindo a um noticiário qualquer, com o celular na mão e os pés sobre a mesinha de centro. Estavam há dias em silêncio, trocando palavras apenas sobre o essencial.
— Rafael, a gente precisa conversar.
Ele levantou os olhos, como quem sabe que está prestes a ouvir algo desagradável.
— Aconteceu alguma coisa?
Ela sentou-se ao lado dele no sofá, mas manteve uma certa distância. As palavras vinham com dificuldade.
— Eu... fui à médica. Lembra daquele exame que fiz na Vitta+?
— Lembro. Por quê?
Ela respirou fundo, o coração acelerado.
— Descobri que estou grávida.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Rafael arregalou os olhos, como se tivesse ouvido algo completamente absurdo.
— Como assim?
— É isso mesmo. Estou grávida.
— Grávida de quem, Patrícia?
A pergunta veio como um tapa. Fria, direta, cruel.
— Como assim “de quem”? — ela retrucou, magoada. — Eu estou com você há três anos.
— E sempre usamos proteção — ele rebateu, sentando-se mais ereto. — Você mesma sempre foi paranoica com isso. E agora, do nada, você vem me dizer que está grávida? Não faz sentido.
Ela sentiu o estômago embrulhar. Já esperava resistência, mas não tanta frieza.
— Rafael… houve um erro na clínica. Eles fizeram um procedimento que eu não autorizei. Ainda estão investigando, mas parece que... houve uma confusão com os prontuários. Eu posso ter sido… inseminada.
— Inseminada? — Ele riu, incrédulo. — Você tem noção do que está dizendo? Está tentando me convencer de que engravidou sem querer… por culpa da clínica?
— Não é isso que estou tentando dizer — ela insistiu, sentindo as lágrimas queimando atrás dos olhos. — Eu não sei explicar ainda. Só sei que não te traí. Nunca. E que estou tão perdida quanto você.
Rafael se levantou, passando as mãos pelos cabelos.
— Isso é absurdo, Patrícia. Inacreditável. Parece uma desculpa esfarrapada.
— Você acha que eu inventaria isso? — ela perguntou, erguendo a voz pela primeira vez. — Que eu inventaria uma gravidez pra quê? Pra te prender? Eu nem sabia que isso era possível até a médica me contar!
— Ou então você está escondendo de quem é o filho de verdade — ele disparou, amargo. — Vai ver foi alguém do trabalho. Alguma aventura. E agora quer jogar a culpa em cima de um erro médico conveniente.
Patrícia se levantou devagar, sentindo as pernas bambas.
— Eu te amei. Mesmo quando você se afastou. Mesmo quando tudo entre nós esfriou. Eu continuei aqui, do seu lado. E no primeiro momento em que eu mais preciso de você... tudo o que recebo é isso?
— Eu não sou idiota, Patrícia — ele respondeu, indo em direção à porta. — Se quiser continuar com essa história, tudo bem. Mas não me espere aqui quando voltar.
— Rafael…
Ele já estava com a mochila nas costas, a chave na mão.
— Se quiser me procurar de novo, que seja com um teste de paternidade.
A porta se fechou com força. Patrícia ficou parada no meio da sala, o silêncio agora absoluto. As lágrimas vieram como uma enxurrada, pesadas, desesperadas. Ela caiu de joelhos no tapete, abraçando o próprio corpo, enquanto soluçava com dor.
A noite passou devagar, longa e cruel.
Sozinha, no escuro, Patrícia entendeu que a partir dali ela não podia mais contar com ninguém. Estava por conta própria. Com um bebê a caminho. Um bebê que não tinha culpa de nada, mas que chegava ao mundo no meio de uma confusão sem nome, fruto de um erro impensável.
O silêncio da casa parecia zombar dela. Tudo ali lembrava Rafael — as canecas de café na cozinha, a jaqueta pendurada na cadeira da sala, os livros que ele jamais terminava empilhados no canto do quarto. Patrícia queria gritar, correr, arrancar cada pedaço daquela rotina que agora parecia um disfarce para uma vida vazia.
Ela passou a noite em claro, sentada no chão da sala com os joelhos dobrados junto ao peito. Pensou em ligar para a mãe, para a melhor amiga, até para a própria médica. Mas não conseguiu. Não queria ser olhada com pena ou desconfiança. E, acima de tudo, não queria repetir aquela frase em voz alta:
"Estou grávida de um filho que não sei de quem é."
No dia seguinte, foi até a Clínica Vitta+. Entrou decidida, de cabeça erguida, mas o coração aos pulos.
— Eu preciso falar com o responsável administrativo — disse à recepcionista, firme.
— Senhora, a clínica está apurando o caso. A senhora já foi informada que será procurada...
— E eu não vou esperar sentada enquanto minha vida vira um pesadelo. Eu quero respostas. Agora.
A recepcionista hesitou, pegou o telefone e murmurou algo. Alguns minutos depois, uma mulher de meia-idade apareceu, usando um terninho elegante e um sorriso treinado.
— Patrícia Navarre, não é? Pode me acompanhar?
Ela foi levada a uma sala reservada, fria e decorada com quadros modernos que não combinavam com a tensão do ambiente.
— Antes de qualquer coisa, queremos nos desculpar. O que aconteceu foi um erro grave, e já estamos conduzindo uma investigação interna com o setor de fertilidade...
— Eu não quero pedidos de desculpas — cortou Patrícia, a voz embargada. — Quero saber de quem é esse bebê. E como isso foi possível. Como eu fui… inseminada… sem consentimento?
A mulher suspirou, cruzando as mãos sobre a mesa.
— O que sabemos até agora é que houve uma troca de prontuários. Você foi confundida com uma outra paciente com um nome semelhante. Essa paciente havia assinado o protocolo de implantação de embrião. Quando seu nome foi chamado, o sistema registrou a permissão como válida.
— Mas eu assinei para um exame de rotina! Eu não queria engravidar!
— Sabemos disso. E estamos prestes a concluir o rastreio genético para identificar o material biológico usado.
— E quanto tempo isso vai levar?
— De dois a três dias úteis.
Patrícia sentiu um calafrio percorrer a espinha. Dois ou três dias pareciam uma eternidade. Ela assentiu com a cabeça e se levantou. Antes de sair, ainda ouviu a mulher dizer, quase como um aviso:
— Posso garantir que você será procurada em breve. Talvez não apenas por nós.
Essa última frase ficou martelando em sua mente.
Dois dias depois, Patrícia voltava do mercado com uma sacola de pães quando percebeu que havia uma mulher a esperando na portaria do prédio. Loira, alta, vestida com um sobretudo preto, saltos finos e óculos escuros mesmo com o céu nublado.
— Patrícia Navarre? — ela perguntou com um sorriso educado.
— Quem é você?
— Posso conversar com você por dois minutos? É sobre… a gravidez.
O coração de Patrícia quase parou. Ela olhou em volta, como se esperasse que aquilo fosse uma armadilha.
— Como você sabe?
A mulher tirou os óculos. Os olhos eram frios, como vidro.
— Eu sei. Porque você carrega algo que pertence a alguém muito importante. E vim te dar um conselho.
— Conselho?
— Não procure mais respostas. Não vá atrás de quem é o pai. Não fale com a imprensa, nem com advogados. Tenha o bebê, cuide dele… e suma. Se fizer isso, será generosamente recompensada. Você terá apoio financeiro, proteção, tudo o que precisar. Desde que… nunca conte a ninguém o que aconteceu.
Patrícia sentiu o estômago revirar. Tudo parecia surreal demais. Aquela mulher falava com a calma de quem está acostumada a controlar vidas. Ela não mencionou nomes. Não disse de onde vinha. Mas havia algo em sua postura que gritava: poder.
— Quem te mandou?
— Não importa. Apenas aceite nossa proposta. É o melhor para todos. Inclusive para você e para a criança.
— Isso é uma ameaça?
— É um acordo. A escolha é sua.
A mulher colocou um envelope fino nas mãos de Patrícia e se virou sem esperar resposta. Entrou num carro preto com vidros escuros que desapareceu em meio ao trânsito.
Patrícia subiu para o apartamento tremendo. O envelope tinha apenas um cartão com um número de telefone, uma conta bancária e a primeira transferência já feita: cinquenta mil reais.
Ela ficou ali, parada diante da janela, com o envelope nas mãos e a cidade lá fora girando como um mundo ao qual não pertencia mais.
Agora ela sabia: havia mais gente envolvida nessa história. Gente poderosa. Gente disposta a pagar para que ela desaparecesse.
Mas Patrícia Navarre não era mulher de se curvar.
Ela só precisava de tempo.
E força.
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Atualizado até capítulo 53
Comments
bete 💗
linda que ela tenha força e vá até o fim
que lute com quer que seja
adorando ❤️❤️❤️❤️❤️
2025-06-30
3
Sandra Camilo
apaixonada em cada capítulo
2025-07-01
1
Joseane Silva loureiro
emocionante demais
2025-06-30
1