leticia não dormiu.
O céu já clareava quando ela finalmente abriu de novo o arquivo "Confidencial – ST-02". Agora com os olhos mais atentos, a mente mais afiada — e o coração trancado.
Ela sabia o que procurar.
Enquanto examinava as transações entre a Mancini Corp. e o Grupo Veneziano, percebeu algo estranho: valores duplicados. Contratos assinados por nomes que ela sabia que estavam mortos. Inclusive um.
Eduardo Salazar.
Morto em um “acidente” de helicóptero três anos atrás.
Mas o sistema mostrava um recibo assinado por ele, há apenas dois meses.
— Isso não é só corrupção — sussurrou. — É encobrimento.
Clicou. Investigou.
Até encontrar um nome que fez seu sangue congelar.
Juliana C. Rodrigues.
— Minha mãe? — murmurou, quase sem ar.
Uma conta registrada no nome dela, vinculada a transferências de quase dois milhões de dólares.
Mas sua mãe morreu antes mesmo de Leticia aceitar o cargo na antiga divisão de fusão internacional.
— Isso é um aviso… ou uma armadilha.
Ou…
Leon mentiu de novo.
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leticia pegou o celular. Disparou uma mensagem:
“Precisamos conversar. Agora. Sem seguranças. Sem whisky. Só você e eu.”
Leon respondeu em segundos:
> “Suba. Estou esperando. E... estou pronto.”
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Dessa vez, ela não vestiu armadura.
Não escolheu salto.
Nem perfume.
Apenas sua verdade, sua dor e a fúria de quem descobriu que talvez o homem que jurou tê-la amado… esteja envolvido com algo muito mais sujo do que paixão e poder.
Quando entrou na cobertura, ele estava sentado.
Mas não sozinho.
Havia uma mulher de costas, com cabelo loiro platinado e vestido vinho.
Sorrindo. Tocando o braço de Leon.
leticia parou na porta.
— Interrompo algo?
Leon se levantou no mesmo instante. A mulher virou-se.
E o mundo de Leticia tremeu.
Juliana.
Sua mãe.
Ou alguém idêntica a ela.
— Olá, querida — disse a mulher, com um sorriso doce e cruel. — Que bom te ver de novo.
leticia sentiu o chão sumir sob os pés.
E pela primeira vez em anos…
...A Mulher Que Morreu...
leticia recuou dois passos. O rosto dela, sempre firme, agora tremia.
Não de medo. De confusão.
De raiva crua.
— Isso é uma piada — sussurrou. — Um teatro nojento.
A mulher que se chamava Juliana deu um pequeno sorriso.
— Eu entendo. Você está em choque.
— Você… morreu. Eu chorei no seu velório. Enterrei suas roupas, suas cartas, suas malditas promessas.
Juliana manteve a voz suave.
Mas havia veneno nas entrelinhas.
— Você nunca enterrou a verdade, leticia Só o que restou de mim.
leticia olhou para Leon, que permanecia calado. A mandíbula cerrada, os olhos fixos nela.
— E você? — ela o encarou. — Vai continuar fingindo que está tão surpreso quanto eu?
Leon se aproximou, mas parou a poucos passos.
— Eu vi essa mulher pela primeira vez em Caracas, há dois meses. Ela me procurou com documentos, contas secretas, uma rede de corrupção que envolve metade do conselho da Mancini Corp. Ela prometeu revelar tudo…
Mas com uma condição.
leticia já sabia.
— Trazer eu de volta.
Juliana assentiu, com um olhar frio e estranho demais para ser maternal.
— Eu precisava que você estivesse do lado certo da guerra.
— E você é qual lado? — leticia disparou. — O dos fantasmas? O das mentiras?
Juliana deu um passo adiante.
— Eu fui obrigada a desaparecer, leticia. Quando seu pai morreu, ele me deixou um legado que eu nunca pedi: dívidas, ameaças, sangue. Para te manter viva, eu precisei morrer.
— Morrer de verdade teria sido mais fácil de aceitar.
Juliana hesitou. E então disse algo que partiu tudo:
— Se eu tivesse ficado… você não seria a mulher que é hoje.
leticia piscou devagar, as lágrimas presas nos cílios.
Não choraria. Não mais.
— Você tem razão.
Mas agora… você vai ver de perto o que essa mulher é capaz de fazer.
Ela olhou para Leon.
— E você? Escolha um lado. Porque quando eu voltar, não vai ter espaço para o meio-termo.
Virou as costas e saiu.
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No corredor, a respiração de leticia pesava como concreto.
Ela não sabia o que doía mais:
Saber que a mãe estava viva…
Ou saber que Leon permitiu que ela descobrisse assim.
O elevador chegou.
Ela entrou, sem olhar para trás.
E enquanto descia andar por andar, sentia o coração endurecer.
Como mármore.
Como aço.
Porque a partir daquele momento, ela não confiava em ninguém.
E quando uma mulher assim perde a confiança…
o mundo precisa começar a tremer.
Do lado de fora da cobertura, o céu começava a mudar.
Uma mistura de azul profundo com o cinza que anuncia tempestade.
leticia caminhava sozinha pela calçada de mármore do prédio, os passos ritmados, ecoando como um alerta:
Ela não era mais a filha abandonada.
Nem a mulher ferida.
Era a tempestade chegando.
Entrou no carro. Fechou a porta com calma.
Silêncio.
Ela apoiou a cabeça no banco e fechou os olhos por um segundo.
A imagem da mãe viva.
O rosto de Leon surpreso.
O som daquela voz do passado dizendo "Eu fiz isso por você."
Ela abriu os olhos.
Firmes. Frios.
Pegou o celular e mandou uma única mensagem para um número antigo, que ela não usava desde que saiu do país há anos.
> “Ativar protocolo C.R.O.N.O.S. Acesso total. Comece a rastrear Juliana C. Rodrigues. Alvo reativado.”
Minutos depois, uma resposta:
> “Confirmação recebida. Que a verdade sangre.”
leticia guardou o celular na bolsa com precisão.
E então murmurou para si mesma, como se estivesse selando um pacto com sua versão mais sombria:
— Se minha mãe morreu uma vez…
Agora é a minha vez de enterrar quem sobrou.
Ela ligou o carro.
Olhos no retrovisor.
Mente no futuro.
E partiu.
Sozinha.
Mas nunca mais indefesa.
Do alto do volante, leticia observou as nuvens carregadas fecharem o céu de São Paulo. O ronco do motor vibrava sob seus dedos, mas a tempestade verdadeira era a que rugia dentro dela.
Sem hesitar, digitou o código para abrir o portão automático. Quando as lâminas de aço se afastaram, pensou na mulher que acabara de ver – uma mãe renascida em corpo estranho – e no homem que deixara mudo de culpa no último andar daquele império de vidro.
> “Protocolo C.R.O.N.O.S. confirmado.”
“Objetivo: Juliana C. Rodrigues.”
“Operação iniciada às 05:47.”
A mensagem de retorno brilhou na tela do celular como o primeiro raio da manhã. leticia ajeitou o espelho retrovisor, encarando o próprio reflexo: olhos de felina, pupilas estreitas, a pontada de uma lágrima que nunca cairia.
— Adeus, fogo-fátuo — sussurrou, acelerando. — Bem-vinda, guerra.
Quando o portão tornou a fechar-se atrás do carro, o rugido distante do trovão selou o pacto. A cidade, ainda adormecida, não percebeu que a caçadora acabara de sair à procura de suas presas — e que, dessa vez, não haveria clemência.
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Atualizado até capítulo 23
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