O apartamento no 78º andar era um palácio moderno suspenso no céu.
Minimalista, silencioso, impecável. Janelas do chão ao teto deixavam a noite entrar, junto com o som distante da cidade que nunca dormia.
leticia jogou os saltos no canto, abriu o laptop e digitou o código de acesso que Leon havia enviado. A tela se iluminou com dezenas de pastas. Cada uma delas nomeada com datas, nomes de empresas... e cicatrizes que ela reconhecia muito bem.
Grupo Veneziano. Blackhawk Holdings. Operação ST-02.
O passado todo ali, organizado por quem jurava que não tinha mais nada a esconder.
Ela clicou.
O sistema pediu autenticação dupla.
Digitou. Validou. Entrou.
Mas antes que pudesse abrir o primeiro arquivo, o celular vibrou.
Número desconhecido.
Ela atendeu sem pensar.
— Alô?
Silêncio. Depois, uma voz distorcida, baixa:
— Cuidado com o que você procura, leticia . Às vezes, a verdade é mais suja que o pecado.
— Quem é? — ela perguntou, já em pé, alerta.
— Quem sobrou depois que você foi embora.
E a ligação caiu.
leticia encarou o celular como se ele pudesse responder.
O coração acelerou. A mente girava. Aquilo não era coincidência.
Alguém sabia.
Alguém estava esperando por ela.
Talvez nunca tivesse parado de esperar.
Minutos depois, ainda de robe, ela foi até a varanda. A brisa era quente, mas sua pele arrepiava como se nevasse por dentro.
No prédio ao lado, o andar de Leon estava iluminado.
E lá estava ele.
De pé na varanda. Camisa branca aberta no peito, copo de uísque na mão.
O olhar direto nela.
Como se a espreitasse. Como se soubesse que ela já estava envolvida demais para fugir.
Ela não desviou.
Ao contrário, ergueu lentamente o copo de vinho em saudação silenciosa.
Ele respondeu com um leve movimento do queixo.
Jogo aceito.
Mas os dois sabiam:
Naquela partida, não haveria empate.
Só um sobreviveria ao pecado.
leticia voltou para dentro do apartamento como quem retorna de um campo minado. Cada passo, cada escolha dali em diante, poderia explodir nas mãos dela. Mas se tinha algo que aprendeu com Leon... é que o medo nunca protege ninguém.
Sentou-se novamente diante do laptop.
Digitou a senha.
Entrou na pasta marcada como "Confidencial – ST-02".
Uma lista de documentos apareceu:
Transações não registradas.
E-mails apagados.
Relatórios com números manipulados.
Um nome repetido várias vezes: Armand Del Ríos.
Ela se lembrava dele. O homem por trás da fachada respeitável do grupo veneziano. Amigo íntimo de Leon... e o primeiro a desaparecer quando a fusão desabou.
— Desgraçado — sussurrou. — Você mentiu pra mim, Leon. Todos vocês mentiram.
E então, algo ainda mais estranho apareceu.
Um arquivo com o nome: “Acordo leticia.
O sangue gelou.
Clicou.
Bloqueado.
Protegido por uma senha pessoal.
Ela fechou o laptop, ofegante.
O que Leon teria arquivado com o nome dela? E por que precisava de uma senha separada?
Um alerta soou no interfone.
Ela caminhou até a tela — o segurança do prédio.
— Sr lt. Rodrigues, há uma entrega para a senhora. Sem remetente.
— Pode subir — respondeu, desconfiada.
Minutos depois, a campainha tocou.
Na porta, uma caixa preta envolta em fita vermelha.
Elegante. Intimidadora.
Ela abriu com cuidado.
Dentro, um bilhete manuscrito com caligrafia firme e conhecida:
"Para lembrar que o tempo não apaga tudo.
P.S.: Ainda guardo a primeira vez em que você disse ‘não’ pra mim.
— L."
Debaixo do bilhete, uma peça de lingerie preta.
Delicada. Caríssima. Exatamente igual à que ela usava na última noite que passaram juntos. A noite que terminou com ela indo embora no meio da madrugada, de coração quebrado e alma em pedaços.
Ela engoliu seco.
Não sabia se era uma provocação… ou um pedido de desculpa escondido em seda.
Jogou a peça em cima da cama e voltou à varanda.
Agora, o andar de Leon estava escuro.
Mas ela sabia: ele ainda a observava.
No fundo, sempre observou.
E ela também nunca deixou de olhar de volta.
A lingerie ainda estava em cima da cama quando o interfone tocou novamente.
Ela atendeu com um nó no estômago.
— O Sr. Mancini está no térreo. Disse que não vai subir… mas pediu para avisá-la que está te esperando no bar do hotel, caso deseje conversar.
leticia ficou em silêncio.
Era típico dele. Nunca implorava. Apenas… esperava. Como se soubesse que ela iria.
Meia hora depois, ela desceu do elevador vestida como um segredo:
vestido preto justo, batom vinho escuro, olhar calculado.
Cada detalhe meticulosamente desenhado para não parecer que se importava — mesmo quando tudo nela queimava.
O bar estava quase vazio. Sofisticado, discreto, envolto em sombras douradas e sussurros de veludo.
Leon estava sentado no canto mais reservado.
Camisa preta, mangas dobradas, colarinho aberto.
A aparência de quem controlava o mundo… e sabia disso.
Ele se levantou quando a viu.
— Pensei que não viesse — disse.
— Eu também pensei — ela respondeu, sentando-se de frente para ele. — Mas... estou curiosa.
— Sobre?
— Sobre o que, exatamente, você acha que está fazendo.
Ele sorriu. Mas era um sorriso que escondia navalhas.
— Te provocando. Funcionou?
Ela se inclinou sobre a mesa.
O perfume dela chegou até ele como um ataque sutil, impossível de evitar.
— Você me enviou algo do nosso passado.
Sabe o que eu queria te mandar de volta?
— Surpreenda-me.
Ela olhou nos olhos dele.
— A sensação de ter sido usada. E descartada. Porque é disso que eu lembro quando vejo você.
Ele não respondeu de imediato.
Bebeu um gole. Depois, disse baixo:
— Eu nunca te descartei, leticia Você fugiu antes que eu conseguisse consertar as merdas que fiz.
— Merda é pouco, Leon.
— Eu sei. Por isso estou aqui. Não pra limpar o passado…
Mas pra te dar o presente que você merece. E talvez... o poder que sempre teve medo de aceitar.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Poder?
— Sim. A chance de destruir tudo. Ou salvar. E dessa vez... a escolha é sua.
Os olhos dele estavam diferentes agora. Não havia sarcasmo. Só um convite silencioso. Um campo minado... onde ela sabia que, se desse um passo errado, cairia de novo.
Mas talvez...
Talvez ela quisesse cair.
Quando ela se levantou, ele também se levantou.
— Está tarde — disse ela.
— A noite está só começando.
Ela sorriu, virando-se para ir embora.
Mas antes de sair, virou o rosto levemente e disse:
— Da próxima vez, escolha melhor a lingerie. A que você mandou… já não combina mais com a mulher que eu me tornei.
E então ela se foi, deixando um rastro de perfume, arrogância…
e algo que ele não admitiria nem para si mesmo: saudade.
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Atualizado até capítulo 23
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